O líder parlamentar do PSD acusa o Governo de usar os dividendos do Banco de Portugal para financiar o Orçamento do Estado. Hugo Soares diz que Centeno olha para o dia-a-dia e esquece-se do futuro.
Hugo Soares considera, em entrevista ao ECO, que o país não está a ser preparado para a eventualidade de enfrentar outra crise.
Nas críticas ao Orçamento do Estado para 2018, o líder parlamentar do PSD ataca sobretudo a política orçamental de curto prazo de Mário Centeno, comparando-a com os Orçamentos do PSD que, diz, preparavam o país para o futuro. Contudo, admite que é “muito difícil” dizer o que é o PSD faria diferente. Mas tem uma certeza: os dividendos do Banco de Portugal estão a ser usados para financiar o OE2018.
A forma de lidar com a banca é uma das principais diferenças entre o PS e o PSD atualmente?
Creio que sim. Olhamos para o sistema financeiro com um olhar bem diferente daquilo que o PS faz. Isso vê-se em vários exemplos: na forma como o PS tem tratado o Banco de Portugal na questão dos dividendos. É preciso ter cuidado na forma como o PS está a olhar para os dividendos do BdP e, através disso, quer financiar o Orçamento do Estado. É uma questão que passa ao lado porque não é muito sexy de se fazer a discussão. Mas é uma questão que me preocupa. O PS tem feito uma espécie de ‘rapar o tacho’ nos dividendos do BdP para poder compensar outras coisas no Orçamento.
Mas eu vou mais longe: a CGD — já não lhe vou falar dos anos do engenheiro Sócrates onde, não tenho dúvidas do que vou dizer, o PS instrumentalizou a CGD e pôs ao serviço de negócios. A recapitalização da Caixa, por uma questão de ambição do acionista e da administração que escolheram, não a teríamos feito. Teríamos poupado esse esforço aos portugueses. Capitalizámos a Caixa em 2012 e nunca teve problemas de solvabilidade nem de cumprimento de rácios porque não tivemos mais olhos que barriga. E garantimos que a Caixa estava ao serviço da economia.
Nos próximos dois anos, segundo as previsões da Comissão Europeia, vamos crescer abaixo da média da Zona Euro e da União Europeia. O PIB no terceiro trimestre já, segundo a estimativa rápida do INE, desacelerou para os 2,5% e para o ano espera-se que desacelere mais…
É estranho, não é, quando se aumenta a devolução de rendimentos, o PIB desacelerar quando a devolução devia fazer aumentar o consumo e alimentar o consumo fazia crescer a economia… Não era o que o PS, PCP e Bloco de Esquerda diziam?
O que é que o PSD faria de diferente, do ponto de vista macroeconómico, no OE?
É muito difícil nós olharmos para um OE apresentado por um Governo como este, a três, e dizer o que é que faríamos diferente. A verdade é que faz parte de uma estratégia que vem desde 2015 e, por isso, é que nós dissemos muitas vezes que é difícil remendar ou endireitar esta estratégia e este OE. Apresentámos propostas que apresentam bem a diferença do caminho que queríamos seguir. Apostávamos mais na criação de emprego através da possibilidade das empresas terem outras condições para fazer o seu trabalho.
O nosso caminho era diametralmente oposto. Com reforço nos serviços públicos, sustentado no crescimento da economia e numa devolução de rendimentos que fosse gradual. Nós lembramo-nos todos o que aconteceu em 2009. Julgo que não há ninguém no país que se tenha esquecido. Nós temos memória curta e gostamos de esquecer as coisas difíceis, é verdade. Mas em 2009 o engenheiro Sócrates, para ganhar eleições, aumentou os funcionários públicos e reduziu impostos, mas logo a seguir sabemos o que aconteceu: teve de cortar salários e aumentou o dobro dos impostos que tinha diminuído.
Considera que Portugal está ou poderá estar perto de uma situação semelhante à que se viveu em 2009?
As circunstância europeias são mais favoráveis e, por isso, estamos melhor preparados desse ponto de vista. Mas é nos ciclos favoráveis que nos devemos acautelar para quando as coisas correm mal. Os ciclos são cada vez mais curtos e vêm aí ciclos piores. Não é por acaso que o ministro Centeno veio agora, com muita cautela, dizer ‘atenção, que esta coisa das taxas de juros pode eventualmente mudar’. Ele sabe que vai mudar.
As crises virão sempre. Depois depende como é que os países estão ou não estão preparados para lidar com elas. Este é um Governo absolutamente irresponsável nessa matéria.
É nestas alturas que os países têm de se preparar para enfrentar as crises. Foi isso que nós fizemos antes e é isso que não estamos a fazer agora. As crises virão sempre. Depois depende como é que os países estão ou não estão preparados para lidar com elas. Este é um Governo absolutamente irresponsável nessa matéria.
Portugal não está preparado para enfrentar outra crise?
Não tenho dúvida nenhuma, ninguém terá, que numa lógica de circunstâncias europeias e de conjuntura internacional mais adversa, Portugal vai ter muitas dificuldades. O nosso nível de dívida pública é insustentável. Aquilo que estamos a fazer é o arrepio do que devíamos estar a fazer. Devíamos estar a fazer um novo ciclo de reformas estruturais, depois de avaliadas aquelas que foram feitas durante os anos da troika, para poder construir em cima.
Este é um Governo de facto do dia-a-dia e este Orçamento espelha isso. Uma grande diferença da nossa postura orçamental para a deste Governo tem a ver com o futuro. Todos os nossos Orçamento visavam preparar o futuro, dar um horizonte e uma estratégia ao país. Percebemos que este Governo não possa, por duas razões: a primeira porque é impossível numa construção de legos cada um pôr uma peça a três mãos e haver uma coerência.
O PSD esteve coligado com o CDS…
Mas estávamos os dois no Governo com uma política comum. Não fizemos acordos paralelos com vários partidos para tentar chegar à manutenção no poder. Pelo contrário, havia uma convergência de programas que se alinharam numa coligação para governar o país, uma coligação positiva.
Isso não invalidou a existência de uma crise política…
Como é evidente. E eles não tiveram. Está a ver essa grande diferença? É na matriz de cada um, na forma como se lida com as coisas. Eles não têm [crises políticas] porque só têm um objetivo: manutenção no poder. Este não é um Governo de Portugal. É um Governo para três partidos com uma lógica comum que é afastar o PSD do poder e manter António Costa no poder porque não teria outra sobrevivência política depois de 2015 e o resultado eleitoral que teve.
O PSD continua a achar que o ritmo de devolução proposto pela PAF (Coligação PSD/CDS) era o mais adequado, tendo em conta o que se passou neste dois anos?
Não tenho dúvida que a prudência com que o PSD se apresentou aos eleitores era a prudência certa. É evidente que a conjuntura externa, sobretudo a europeia, tem favorecido muito o país. Sabemos que a política monetária do BCE, o preço do petróleo, o crescimento dos nossos parceiros, designadamente de Espanha que é o nosso principal parceiro comercial, têm ajudado a alavancar a economia portuguesa e o turismo como fator interno tem ajudado a que nós continuemos a crescer. Ainda assim, o ano de 2016 foi um ano de crescimento inferior ao ano de 2015. Sempre dissemos que tivemos a perder tempo. Nós teríamos acrescentado ao que vínhamos a fazer.
Eles não têm [crises políticas] porque só têm um objetivo: manutenção no poder.
Esta política apressada de repor rendimentos sem a devida prudência e sem a devida cautela paga-se. E quando eu digo que se paga, paga-se nos serviços que o Estado está a prestar às populações. O Governo, nunca tendo assumido, teve mesmo um plano B. Mudou o léxico político. Deixou de falar de cortes. Começou a falar em cativações. O Governo tem o hábito de fazer ilusionismo com as palavras para criar uma perceção diferente nas pessoas.
Isso tem a ver com as cativações? Os Orçamentos aumentaram. Podem é não ter aumentado tanto quanto estava previsto…
Se eu orçamentar X e só gastar Y, significa que gastei muito menos do que aquilo que orçamentei. Ou seja, cativei e não gastei. As pessoas têm de perceber isto: o Governo prometeu gastar e não gastou porque não tinha como gastar. Para poder ter uma política que vá ao encontro da manutenção do poder — leia-se agradar ao BE e ao PCP –, o Governo teve de adotar um plano B e cortou nos serviços públicos.
Acha que o Governo agrada ao PCP e ao BE quando os serviços públicos estão nessa situação que descreve?
Não tenho dúvidas de que agrada. Viu o PCP e o BE descontentes? Todas as sextas-feiras acompanho os trabalhos parlamentares e vejo o PCP e o BE a votarem ao lado do Governo. O PCP e o BE vão votar o terceiro Orçamento do Estado ao lado do Governo. São responsáveis pelas opções políticas.
A execução orçamental é da responsabilidade do Governo. O PSD quer limitar as cativações a 1,5% das despesas efetivas orçamentadas. Resolve todo o problema? Conta com a esquerda para aprovar essa medida?
Não sei se conto com a esquerda. Não ouvi na esquerda alguém dizer o quer que seja sobre as propostas do PSD. Vejo muita preocupação de toda a gente a tentar perceber o que é que o PSD vai fazer com as propostas dos outros. Acho até curioso porque, se o PSD não governa, a maioria deve-se bastar a ela própria. Não sei o que é que as esquerdas vão fazer com as nossas propostas, mas creio que esta é uma proposta que traz transparência ao exercício orçamental.
Esta política apressada de repor rendimentos sem a devida prudência e sem a devida cautela paga-se.
O PSD propõe que o regime fiscal que existe para os residentes não habituais se alargue aos emigrantes portugueses. Sentem-se de certa forma responsabilizados pelas pessoas que decidiram ir para fora durante os quatro anos em que governaram?
Eu sinto-me verdadeiramente responsável por ter criado condições no país para que essas pessoas possam voltar. Essas pessoas saíram do país porque o país não conseguia dar-lhes oportunidade de vida que elas queriam porque tinha atingido um estado tal que foi preciso ir de mão estendida à Europa pedir ajuda — uma indignidade para mim enquanto português. Tenho muito orgulho de termos sido nós a dizer à troika para ir embora porque nós já tínhamos resolvido os nossos problemas. Não me sinto nada responsável por eles terem saído. Sinto-me responsável por ajudar a criar condições para que eles possam voltar, isso eu sinto.
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Hugo Soares: “O PS foi rapar o tacho nos dividendos do Banco de Portugal”
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