Para que Portugal esteja entre países mais ricos da UE, tem de crescer mais, o que depende da imigração, conclui estudo da FEP. Óscar Afonso, diretor da FEP, apela à resolução de problemas da AIMA.
Os imigrantes não só não retiram empregos aos trabalhadores nacionais, como ampliam o mercado interno, contribuem significativamente para a Segurança Social e são decisivos para que o país cresça mais do que até aqui. Quem o diz é o diretor da Faculdade de Economia da Universidade do Porto (FEP), Óscar Afonso, que em entrevista ao ECO sublinha que a atual taxa de desemprego (uma das mais baixas das últimas décadas) é sinal de que o mercado está, sim, a conseguir acomodar os estrangeiros que têm escolhido Portugal como destino.
Ainda assim, o dean reconhece que há trabalho a fazer para acolher esses imigrantes: resolver os problemas da Agência para a Integração Migrações e Asilo (AIMA), reconhecer rapidamente as qualificações desses trabalhadores, e promover cursos de português.
Por outro lado, olhando para a força de trabalho nacional, Óscar Afonso alerta para o desencontro entre as qualificações e as necessidades do mercado — apelando à revisão dos currículos das universidades — e critica a reformulação em curso do IRS Jovem.
Para estarmos na primeira metade dos países mais ricos da União Europeia, temos de crescer mais ou menos 3% e, para isso, precisamos de mais imigrantes.
O gabinete de estudos económicos da faculdade que dirige publicou recentemente um estudo no qual indica que Portugal precisaria de uma taxa de imigração acima do que alguma vez foi registado no país para elevar o crescimento económico. Hoje, temos milhares de processos de imigrantes emperrados. Podemos concluir que o cenário que projetam seria, portanto, de concretização muito difícil?
O que o nosso estudo diz é que, se quisermos crescer mais, precisamos de mais imigrantes. Para estarmos na primeira metade dos países mais ricos da União Europeia, temos de crescer mais ou menos 3% e, para isso, precisamos de mais imigrantes. Estimamos cerca de 138 mil por ano.
Mas como é que podemos acolher 138 mil imigrantes por ano, tendo em conta que os processos administrativos parecem não funcionar? Há relatos de empresas que desistem de recrutar lá fora, porque a burocracia é demasiado lenta.
Há que resolver os problemas da AIMA, que não está a funcionar. Também acho que é necessário reconhecer as qualificações e as competências das pessoas que são imigrantes rapidamente. É necessário, além disso, criar cursos em português para imigrantes, que sejam ministrados por pessoas de origem similar, mas que, entretanto, já estão em Portugal. E também achamos que é necessária formação profissional para muitos desses imigrantes, até como uma parte importante do processo de reindustrialização que achamos que é necessário em Portugal. Já agora, era mais fácil para nós que os imigrantes fossem da CPLP [Comunidade dos Países de Língua Portuguesa], uma vez que são culturalmente mais próximos, além da questão da língua.
Perante estas recomendações, que avaliação faz do pacote que o Governo lançou há uns meses para endereçar a imigração? Vai num sentido que lhe parece certo?
Vai no sentido certo, mas tem de ser célere. Não é implementar medidas que podem ir no sentido certo, mas, depois, as coisas não funcionam, que é o que acontece em Portugal. Se a burocracia continuar, as coisas não se resolver. Para se resolver uma coisa pequenina em Portugal demora uma eternidade. Isso pode ser um obstáculo ao processo pretendido.
O vosso estudo confirma que Portugal acaba por ser uma porta de entrada para a imigração na Europa, já que os estrangeiros tendem a seguir para países com padrões de vida mais elevados. Como pode inverter essa tendência?
As variáveis mais importantes para atrair imigrantes são o nível de vida e o crescimento. Notamos que o maior número dos nossos emigrantes são pessoas que foram imigrantes, ou seja, entraram em Portugal e saíram para países com maior nível de vida, no contexto europeu. Estamos a crescer um bocadinho acima da média da União Europeia, na sequência do aproveitamento do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) e também estamos a beneficiar muito o turismo. Este crescimento também contribui para aumentarmos o nosso nível de vida e, portanto, podemos reter os imigrantes que, entretanto, chegaram. Devemos aproveitar este ciclo bom de crescimento para atrair imigrantes.
Em relação à retenção por cá desses imigrantes, sente que em Portugal ainda há receio de que os estrangeiros venham ficar com oportunidades de emprego em detrimento dos trabalhadores nacionais?
Acho que existe, mas temos uma taxa de desemprego baixa, apesar de tudo. Podemos considerar que estamos em pleno emprego. Acho que os imigrantes não retiram empregos aos nacionais. Ampliam o mercado interno. E também, já agora, contribuem significativamente para a Segurança Social.
A propósito, numa altura em que se fala tanto na sustentabilidade do sistema da Segurança Social, que papel terá a imigração nessa balança? Será uma das chaves ou nem por isso?
Os imigrantes este ano já contribuíram imenso, e nos próximos anos também será assim. Se alargarmos o mercado interno, isso também cria oportunidades de investimento, que geram crescimento. É um ciclo. Não temos de ter receios, temos de ser inclusivos. Os imigrantes são mesmo precisos.
Esta taxa de desemprego [baixa] também é a prova de que a economia está a acomodar os imigrantes.
Referiu há pouco que a taxa de desemprego é baixa. Tem estado em torno dos 6,4%. Como é que lê este número? Ainda seria possível descer mais?
A nossa taxa de desemprego é baixinha. O FMI projeta uma taxa de desemprego 6,5% em 2024 e uma redução para 6,4% em 2025. Até 2029, a taxa de desemprego deve cair para os 6,2%, apesar da taxa de crescimento de 2%. Podemos dizer que estamos em pleno emprego. Dificilmente descemos abaixo disso, porque, muitas vezes, há um desencontro entre as qualificações e aquilo que a economia precisa e há pouca mobilidade. Posso estar desempregado em Trás-os-Montes e não quero ir para um emprego que existe no Algarve.
A crise imobiliária veio agravar essa rigidez?
A falta de professores e outras profissões em Lisboa tem muito que ver com o problema da habitação. Sendo professor, não quero ir para Lisboa, porque o meu salário como professor não chega para suportar o custo da habitação. Por outro lado, esta taxa de desemprego também é a prova de que a economia está a acomodar os imigrantes.
Num artigo de opinião no ECO, referia também, a propósito da redução do desemprego, a rigidez da lei laboral e dizia que é mais fácil despedir um conjunto de trabalhadores do que fazer um despedimento individual. Está preocupado com a subida recente dos despedimentos coletivos? Como se pode explicar esta trajetória?
Como é mais fácil fazer despedimentos coletivos do que despedimentos individuais, empresas que estão em situação de necessidade fazem despedimentos coletivos. Podemos considerar que a nossa taxa de desemprego em pleno emprego anda à volta dos 6%, enquanto que, por exemplo, nos Estados Unidos é muito mais baixa, por causa de não haver tanta rigidez na lei laboral e também por questões culturais. A mobilidade é muito maior nos Estados Unidos.
Faria sentido tornar o despedimento coletivo mais difícil em contrapartida a alguma flexibilização do despedimento individual?
Sou sempre a favor da flexibilização. Não sei se tornar mais difícil ajuda [a reduzir o número destes processos]. No contexto de despedimento individual, sou favorável, porque traria muito mais dinâmica à economia.
O Governo diz que quer revisitar a lei do trabalho. Deveria, então, aproveitar para fazer estes ajustes, uma vez que o mercado de trabalho está agora numa situação de relativa estabilidade?
É uma das áreas que deve ser revista. Obviamente que em sede de concertação social, mas é uma boa altura para fazer ajustamentos à lei laboral. É melhor agora do que, depois, em situações críticas.
Além dos despedimentos, que outras áreas da lei do trabalho beneficiariam de maior flexibilidade?
Tudo o que seja para introduzir flexibilidade no mercado de trabalho, sou sempre a favor. Claramente nos despedimentos, sim. No resto, acho que não é tão prioritário.
Retirou-se a necessidade de o beneficiário do IRS Jovem ter formação superior. É um erro.
Há pouco falava sobre o desencontro entre as competências dos trabalhadores e as necessidades efetivas das empresas. Como é que se resolve esse problema?
Existem muitos jovens desempregados. Mesmo entre os jovens com formação superior, a taxa de desemprego é significativa. Deve haver uma maior ligação da oferta formativa às necessidades do país. Uma maior aposta em áreas que são mais procuradas, nomeadamente ligadas à inteligência artificial, à robótica, e às tecnologias. Os currículos das diferentes universidades devem ser adaptados.
No caso da FEP, de que modo é que têm ajustado o currículo?
Estamos a introduzir uma componente muito significativa de inteligência artificial. Por exemplo, temos um chatbot próprio, salas equipadas para lecionar essas matérias, e estamos a ajustar os planos de curso para incorporar unidades curriculares que tenham que ver com a inteligência artificial. Temos uma parceria com a Microsoft. Já demos formação aos docentes. Ajustar os currículos é fundamental como forma de aumentar a empregabilidade e a própria produtividade do país. Também tem se apostar no upskilling e reskilling para melhorar as competências existentes e adquirir novas. Com isso, criam-se empregos mais qualificados e mais bem pagos.
Sobre os jovens, sei que não lhe agrada a reformulação que está a ser feita ao IRS Jovem.
Retirou-se a necessidade de o beneficiário ter formação superior. É um erro. Até poderia ser para todos os jovens, mas beneficiar mais quem tivesse uma licenciatura, quem quisesse mestrado ou um doutoramento. Com isso, favorecia-se a meritocracia e até podíamos substituir o programa Regressar e IFIC+, que veio substituir o programa de residentes não habituais. Voltando à formação, poderia haver incentivos fiscais para promover a formação profissional e a requalificação. Os sindicatos e as entidades patronais podem também desempenhar um papel importante, coordenando-se no sentido de se saber quais são as qualificações que interessam e os benefícios fiscais serem direcionados para aí, de maneira a aumentar a produtividade, a reindustrialização, e a competitividade do país.
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“Imigrantes não retiram empregos aos trabalhadores nacionais. Ampliam mercado interno”
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