Cabeça-de-lista do PCP às eleições europeias diz que Portugal deve fazer rutura com políticas da União Europeia e que não deve temer isolamento se isso corresponder "à defesa de um interesse vital".
Em entrevista ao ECO, o cabeça-de-lista do PCP às eleições europeias lembra que Portugal foi dos países que menos cresceu no mundo nos últimos 20 anos. João Ferreira defende uma “dissolução organizada da União Económica e Monetária” para restituir a soberania monetária a cada estado: cada país a emitir a sua própria moeda. Já a saída do país da União Europeia não está em cima da mesa dos comunistas, garante o eurodeputado comunista, que defende, ainda assim, uma rutura com as políticas e orientações europeias. Medo de ficar isolado? “Portugal não deve ter problemas em ficar isolado sempre que isso corresponda à defesa de um interesse vital”, diz.
Quais vão ser as bandeiras do PCP para a campanha das europeias?
Nós atribuímos sempre grande importância à defesa dos setores produtivos nacionais. Teremos com toda a certeza propostas emblemáticas no domínio da agricultura, da indústria e das pescas. Atribuiremos grande importância às áreas sociais e do emprego em que temos um conjunto de propostas pelas quais nos temos batido no Parlamento Europeu e que vão estar no programa com que nos vamos apresentar a estas eleições.
Propostas no sentido da convergência no progresso das normas sociais e ambientais na Europa, para contrariar a tendência para nivelar por baixo essas normas. Pelo contrário, convergir no progresso, elevar a outros patamares os direitos sociais, os níveis de proteção social, os rendimentos da população. Teremos como eixo fundamental, a necessidade de afirmação da soberania nacional. Acabar com estas relações de subordinação política existentes no seio da União Europeia. Eu diria combater a dependência económica e a subordinação política e garantir a cada país o direito de implementar as políticas que sejam mais conformes às suas necessidades.
Que balanço faz da atual legislatura?
Durante este período 2014-2019, vimos serem concretizados os efeitos de um quadro legislativo montado até 2014: o Tratado Orçamental, a legislação sobre governação económica, o Pacto de Estabilidade revisto. Ou seja, todo um edifício que a União Europeia ergueu na chamada resposta à crise e cujos efeitos nos foram dados a ver neste período.
A expressão maior disso foi o processo de que Portugal foi alvo pelo suposto incumprimento de metas do défice em que esteve sob ameaça de sanções. No momento em que iniciada uma nova fase na vida política nacional se puseram em causa algumas das medidas da troika, foi desencadeado a partir da União Europeia um processo de ameaça, pressão e chantagem sobre o país, no sentido de procurar reverter, ou pelo menos conter, esse caminho de devolução de direitos e de rendimentos e de reversão de algumas das medidas mais negativas implementadas durante o período da troika. Foram anos em que sentimos os efeitos da aplicação de todo um edifício profundamente constrangedor e intrusivo na ação dos Estados. Vimos a intromissão nos processos de elaboração dos orçamentos de Estado e a avaliação aos programas de estabilidade e aos programas nacionais de reformas.
Não tivemos revisões de políticas comuns mas sentimos o efeito das reformas determinadas na legislatura anterior. Estou a pensar na última reforma da PAC que determinou o fim dos instrumentos de regulação da produção, nomeadamente as quotas leiteiras. Sentimos os efeitos desastrosos das reformas da PAC feitas anteriormente. O mesmo podemos dizer em relação à Política Comum de Pescas ou à Política Comercial.
Critica este modelo que considera de “chantagem” e “ameaça” da União Europeia. Qual é o modelo alternativo que o PCP defende?
O PCP defende desde há muito um projeto de integração e de cooperação solidária entre estados em que estes conservem plena soberania em relação à definição das políticas económicas, monetárias, orçamentais e comerciais mais conformes às suas necessidades. No processo que defendemos como alternativa à União Europeia, o poder de cada estado escolher os caminhos mais conformes às suas necessidades e à vontade do seu povo não é posto em causa, como na União Europeia. Neste projeto não há lugar há imposição por parte de uns países a outros de políticas contrárias aos seus interesses.
A soberania monetária passa por Portugal sair do euro?
Não referi apenas a soberania monetária inclui-a num conjunto de outras áreas: económica, monetária, comercial, orçamental. No que toca a soberania monetária existem várias soluções.
Quais?
Desde 2006 que o PCP defende, como caminho preferencial, uma dissolução organizada da União Económica e Monetária que restitua a cada estado a soberania monetária, o poder de emitir moeda e de o fazer segundo as condições específicas da sua economia. Os últimos 20 anos foram reveladores sobre o que significa um país sobreviver com uma moeda desfasada das suas necessidades, da sua estrutura produtiva, dos seus salários. Portugal foi neste período um dos países que menos cresceu no mundo. Divergiu sistematicamente da média da União Europeia. O que propomos é a dissolução organizada da União Económica e Monetária e um processo organizado de reconstituição das moedas nacionais.
O PCP defende, como caminho preferencial, uma dissolução organizada da União Económica e Monetária que restitua a cada estado a soberania monetária, o poder de emitir moeda. Os últimos 20 anos foram reveladores sobre o que significa um país sobreviver com uma moeda desfasada das suas necessidades, da sua estrutura produtiva, dos seus salários.
Não há o risco de os portugueses pagarem um preço muito elevado com esse processo?
O processo que defendemos garante que o país, os portugueses e os trabalhadores deixam de pagar o preço de viver com uma moeda desfasada das suas necessidades. E eles têm visto qual é esse preço: estagnação dos salários, ataque aos serviços públicos e às funções sociais do estado, níveis insuficientes de investimento. Trata-se de deixar de pagar este preço. E de criar condições para uma moeda ajustada aos fundamentos da economia nacional, para o país responder a problemas estruturais : o problema do investimento, da falta de crescimento, a elevação de rendimentos da generalidade da população com aumento de salários e pensões, o problema do devido financiamento das funções sociais do estado. A recuperação da soberania monetária faz-se para responder a estes problemas.
Completando a resposta de há pouco. A nossa solução preferencial seria a dissolução organizada da União Económica e Monetária. Já propusemos aqui [no Parlamento Europeu] criar um programa que, não havendo solução da UEM, enquadrasse uma saída negociada do euro dos estados-membros que o entendessem por considerarem que a sua permanência os conduziu a uma situação insustentável. Um programa que devia prever medidas de compensação pelos prejuízos causados durante a permanência no euro. Defendemos um processo negociado sendo que, em última instância, o país não pode ficar dependente das decisões que outros tomem e tem o direito de se preparar para essa eventualidade.
São fundamentalmente dois cenários?
Em rigor são três. Ou uma dissolução organizada da UEM que permitiria a cada país reconstituir as suas moedas. Ou, na ausência desta dissolução, pelo menos a saída do euro dos países cuja permanência se tenha revelado insustentável. E aqui admitem-se duas soluções: uma, preferencial, negociada no quadro da UE prevendo as necessárias compensações e outra, digamos, unilateral no sentido de que os estados não fiquem dependentes de decisões de terceiros.
Em relação a esse cenário, pode haver um custo elevado para os países que saiam?
Insisto, tem-se feito pouco a contabilização dos custos da permanência. Uma saída faz-se não para acrescentar aos custos da permanência outros custos. Mas pelo contrário para poupar ao país e ao povo português os custos da permanência e para resolver os problemas estruturais. Problemas que não têm encontrado resposta de todo ou que encontraram, nos últimos três anos, resposta limitada. E nós precisamos de avançar, de ir mais além na resposta a esses problemas.
Quando um problema estrutural não se resolve, a maior parte das vezes agrava-se. Em 2018 temos mais uma vez, por sete anos consecutivos, um nível de investimento no país que não compensa sequer o desgaste de capital fixo. Isto significa que o aparelho produtivo nacional está a obsolescer, quando devia alargar-se, fortalecer-se.
E em relação à União Europeia? O PCP defende a saída ou a permanência mudando o atual modelo a partir de dentro?
Uma eventual saída da União Europeia é algo que não está em cima da mesa e não consta das propostas do PCP. Não o propusemos até hoje, não o propomos neste momento. O que não significa que não entendamos que o país deva empreender um processo de rutura com as políticas e orientações da União Europeia. Essa rutura deve ser vista como um processo, e não como um ato súbito, em que o país deve progressivamente fazer prevalecer as políticas de que precisa sobre as políticas e orientações da União Europeia contrárias aos seus interesses e necessidades.
Dou-lhe um exemplo. Neste momento estamos a sentir os efeitos de um quadro extremamente intrusivo na vida dos estados no que se refere ao Pacto de Estabilidade que, existindo desde 1997, foi mais recentemente revisto criando critérios muito mais apertados e problemáticos. Ora, os valores impostos a partir do Pacto revisto e do Tratado Orçamental estão neste momento a ser abertamente desafiados e não cumpridos por vários Estados-membros. Caso da França e da Itália. É um exemplo de uma situação.
Portugal deve aproveitar para contrariar essas imposições sobretudo quando limitam a capacidade de resposta do país a problemas que não estão a ter resposta, e que já referi. Ora, se o país não está a responder devidamente a estes constrangimentos deve ir à fonte dos constrangimentos, sobretudo numa altura em que no quadro europeu se criam condições para os por em causa juntamente com outros países. Infelizmente, a opção do governo minoritário do PS tem sido sempre de ir além desses constrangimentos em lugar de aproveitar uma situação que poderia ser favorável para desafiar e contrariar esses constrangimentos.
Mas há o risco de Portugal ficar relativamente isolado.
O país não deve ter problemas em ficar isolado sempre que isso corresponda à defesa de um interesse vital. Ponto um. Ponto dois: estou a dar-lhe um exemplo de uma situação em que a defesa do interesse nacional não implicaria sequer esse isolamento. Pelo contrário, neste momento existem outros países a por em causa essas imposições nomeadamente no que toca ao défice e à dívida. Ora, era do interesse nacional definir uma articulação com outros países para reforçar esse confrontar dos constrangimentos. E não aceitá-los por inteiro e ainda ir além deles.
O país não deve ter problemas em ficar isolado sempre que isso corresponda à defesa de um interesse vital.
Nem que fosse com um governo populista e nacionalista como o italiano?
Deu o exemplo do italiano mas pode dar também o do francês. Creio que não utilizaria o mesmo qualificativo para o descrever. Aliás, o governo francês está neste momento a ir muito além do governo italiano que acabou em parte por ceder a imposições da Comissão Europeia. Encontrou-se um meio caminho que está para lá daquilo que a União Europeia queria obrigar a Itália a fazer mas também aquém do que o governo italiano queria fazer.
Do lado francês o que aconteceu foi simplesmente o governo chegar e dizer o que ia fazer. Sem que até hoje tenhamos ouvido no Conselho Europeu ou no Eurogrupo qualquer referência a sanções por incumprimento. Aliás, deixou-se de falar em sanções por incumprimento no momento em que a França anunciou que não ia cumprir as regras do défice. Foi disso que se tratou.
Mas Portugal não deve ter problemas em ficar isolado sempre que isso corresponda à defesa do interesse vital. Mas deve sempre que possível procurar alianças e uma articulação com outros países com interesses convergentes. Independentemente dos governos em questão. Neste caso, existem outros países com governos até diversos cujo interesse pode ser conjunturalmente convergente com o interesse nacional, e estamos a desaproveitar essas alianças.
Parece-lhe impossível replicar a solução portuguesa [a “geringonça”] no Parlamento Europeu?
No Parlamento Europeu, temos uma experiência concreta nos últimos cinco anos. E essa experiência aponta, ao contrário do que sucede no plano nacional, para uma convergência e um alinhamento totais entre o PS e o PSD e o CDS em tudo o que de mais decisivo aqui foi votado. Não encontra meia dúzia de votações estruturantes, de grande relevância, decisivas, com impacto no plano nacional em que o PS tenha votado de forma diferente do PSD ou do CDS.
A convergência que existe no Parlamento Europeu – desfaçam-se quaisquer ilusões sobre isso – é entre o PS, o PSD e o CDS. Foi assim nos últimos cinco anos. Mas é assim desde há muitos anos. Esta realidade não se alterou nestes últimos três. Creio que se alguma coisa era importante fazer-se nestas eleições – no sentido de abrir caminho a políticas à esquerda – era diminuir a representação agregada desses três partidos e reforçar a presença da CDU.
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