Em entrevista ao ECO, o deputado socialista defende a nomeação de Mário Centeno para governador do Banco de Portugal e prevê que este não tenha de pedir escusa em temas do Novo Banco.
Após ter feito esta proposta quando Carlos Costa foi reconduzido, o PS mudou de ideias entre 2015 e 2020 e já não defende que seja o Presidente da República a nomear o governador do Banco de Portugal. Isso é confirmado por João Paulo Correia em entrevista ao ECO na qual também revela que não prevê que Mário Centeno venha a ter de pedir escusa, se for confirmado como governador, em decisões relativas ao Novo Banco, sobre o qual decidiu, entre outras coisas, a venda em 2017 ao fundo norte-americano Loan Star.
O PS propôs em 2014/5 que o Presidente da República passe a nomear o governador do Banco de Portugal em vez de ser o Conselho de Ministros, sob proposta do Ministério das Finanças. Dado que corre um processo legislativo sobre esta matéria, pondera apresentar essa proposta, apesar do problema constitucional que possa existir?
Não. De facto há dois grandes obstáculos para que seja o Presidente da República a nomear o governador do Banco de Portugal. O primeiro é que teríamos de avançar com uma revisão constitucional para meter no perímetro das suas competências e atribuições a nomeação do governador do Banco de Portugal. Esse é um momento que não está para breve e por si só já derruba essa hipótese. O estatuto da independência do governador face aos órgãos de soberania está instituído nos estatutos do Banco Central Europeu e é muito claro esse artigo que diz que o governador do Banco de Portugal está proibido de solicitar orientações aos órgãos de soberania, ou receber orientações destes. A partir do momento em que adotássemos um modelo em que era o Governo a propor e o Presidente da República a nomear, estaríamos aqui a intrometer mais um órgão de soberania na nomeação e estaríamos a fazer depender ainda mais o governador daqueles que o nomearem.
Há quem argumente o contrário. Não estaria a diluir essa dependência entre vários órgãos de soberania?
Mas isso acaba por intrometer outro órgão de soberania num processo de nomeação, o que ainda faz diminuir mais o grau de independência do governador. O Governo dialoga com o senhor presidente da República sobre a escolha que tem para governador do Banco de Portugal. Isso é um sinal mais que claro. Como também informou os partidos políticos. [Voltando à proposta] não só do ponto de vista constitucional essa hipótese está temporariamente arrumada, como também do ponto de vista daquilo que é a manutenção do grau de independência do governador isso seria fragilizado. E também tenho dúvidas se o próprio BCE iria reagir positivamente a essa matéria.
Então o PS mudou de opinião face ao projeto de lei de 2015?
Na altura, em 2015 não se esqueça que mudamos as regras de nomeação do governador do Banco de Portugal. Essa proposta que tínhamos na altura esbarrou com a necessidade de mudança constitucional. Depois, com a experiência que ganhamos, de 2015 até 2020, e muito aconteceu de lá até agora… Aliás, há um ano o Governo apresentou à Assembleia da República uma proposta de reforma do sistema de supervisão financeira. Essa proposta trazia algumas novidades relativamente à nomeação e à exoneração do governador do Banco de Portugal. O que é que justificou a evolução entre 2015 e 2020? Primeiramente a questão constitucional, que afastou a hipótese do Presidente da República, e depois pelo facto de percebermos que isso não faria a diferença, pela experiência que ganhamos, por tudo o que aconteceu. Isso não ajudaria a melhorar o grau de independência do governador.
Disse que Mário Centeno é “um dos cidadãos portugueses mais bem colocados para ser governador do BdP”. Não é também um dos portugueses que, neste momento, poderá ter mais conflitos de interesse nesse cargo?
Quando há dez o Governo do PS na altura procurou um cidadão independente que foi recrutado do setor financeiro, que era um puro financeiro, e foi apresentado como uma figura independente. À partida o que todos esperariam ao longo destes anos é que não só ele mantivesse esse elevado grau de independência face aos órgãos de soberania como também fosse competente nas suas decisões. Passados dez anos, não há um grupo parlamentar que o defenda, que lhe dê um voto de confiança.
Foi um erro nomear Carlos Costa em 2010?
Não diria que foi um erro nomeá-lo em 2010. Foi um erro maior reconduzi-lo em 2015 depois do que se sabia da sua gestão. Em 2010 não se sabia que Carlos Costa não iria estar à altura das decisões mais importantes desse período, entre 2010 e 2015.
O que me está a dizer é que aprenderam a lição e que não querem ninguém do sistema bancário?
Nós assumimos que somos contra instituir um período de nojo entre funções públicas e funções públicas. Ou seja, quem exerce funções públicas está imbuído automaticamente da responsabilidade de defender o interesse público. O senhor ministro das Finanças não tutelou o Banco de Portugal porque o Governo não tutela o Banco de Portugal. Os ministros das Finanças tinham sobre as suas decisões a defesa do interesse público. Se for tentar encontrar, qualquer que seja a sua escolha, não vejo que exista um universo muito alargado de cidadãos muito bem colocados para serem governador do Banco de Portugal e não haverá nenhum que não se tenha cruzado no seu percurso profissional com algum dossiê que não esteja no âmbito das funções do Banco de Portugal. Eu dei o exemplo do dr. Carlos Costa que foi recrutado na altura por ser um puro independente e um puro profissional do setor financeiro e o próprio teve de pedir escusa. Se vamos estar à espera de recrutar um governador que nunca se tenha encontrado ou cruzado com um dossiê que esteja no âmbito das atribuições do BdP, então o processo de recrutamento será extremamente difícil ou recrutaremos alguém que não está à altura das responsabilidades. O dr. Mário Centeno tem a seu favor os resultados da sua governação.
Mas não são duas coisas completamente diferentes: os resultados da governação e os resultados que poderá vir a ter como governador?
Não, não são. O Banco de Portugal emite previsões macroeconómicas e, portanto, influencia a atividade económica do país através das suas previsões macro. Influencia também aquilo que são as decisões dos investidores internacionais e dos organismos internacionais sobre a atividade económica e as contas públicas nacionais. Mário Centeno já deu provas de elevada competência naquilo que é matéria de previsões macroeconómicas e previsão orçamental e por isso essa é uma das atribuições do BdP importantes e relevantes porque quando o BdP…
Mas não é a parte que causou problemas nos últimos anos, ou é?
Não, mas é sempre notícia e é sempre relevante quando o Banco de Portugal tem previsões desalinhadas com o Governo. É sempre dado como exemplo que as previsões do BdP são mais pessimistas que as do Governo, mas dificilmente tem acertado. É aí que eu quero chegar também. Para nós é muito importante também que o BdP evolua também nessa atribuição de ser um ator vivo…
Para ter as mesmas previsões que o Governo?
Não. Não é para ter as mesmas nem para ter diferente. É para ter previsões que coincidam mais com [a realidade que se vem a concretizar].
O Banco de Portugal está integrado no sistema europeu de bancos centrais, fazendo previsões com critérios que são partilhados entre todos os bancos centrais da Zona Euro…
Ao longo dos anos aqui no Parlamento nunca vi ninguém a verificar se as previsões do BdP, FMI, OCDE, BCE, bateram certo ou não bateram certo. Na vida política preocupam-se unicamente por saber se as previsões do Governo deram certo ou não. Uma coisa lhe garanto: esse é um trabalho que eu faço por responsabilidades no grupo parlamentar e por estar na COF [comissão parlamentar de orçamento e finanças] e posso assegurar que sei da importância que isso tem para a atividade económica do país, não só no plano da atividade económica dos setores de atividades, como também no plano financeiro, no investimento estrangeiro. Se tivermos à frente do BdP alguém que já deu provas da sua enorme competência quanto aquilo que é o tratamento das previsões macroeconómicas e orçamentais e também da concretização dessas previsões, o BdP tem muito a ganhar e o país também.
Mas Mário Centeno não vai ser o diretor do gabinete de estudos do BdP. O que trará de diferente nessa área como governador?
Não será o diretor do departamento de estudos do BdP mas será o governador. Quando ouço o BdP a falar do cenário macroeconómico do país, não ouço o diretor do departamento de estudos, ouço o governador. Ainda há dias o governador fez declarações à imprensa importantes sobre a atividade económica e sobre o setor financeiro. Nunca ouvi o diretor do departamento de estudos. Se o governador discordar, obviamente que não dá a cara, no mínimo. O facto de o dr. Mário Centeno ter pertencido ao Governo e agora transitar para o BdP acontece devido à sua enorme competência e provas dadas. Não só dentro de portas como fora de portas. É dos cidadãos melhor preparados para exercer essas funções. A possibilidade de enfrentar uma escusa num processo que se cruzou com ele quando foi ministro das Finanças é uma probabilidade que está presente com 3 ou 4 nomes que colocaram em cima da mesa, ou como consultores de entidades bancárias, atuais administradores do BdP, qualquer nome já se cruzou com dossiês que o obrigariam a pedir escusa. Não é por isso que fica desqualificado.
Admite que Centeno terá de pedir escusa em decisões relativas à CGD e ao Novo Banco?
Não admito porque o próprio é que tem de decidir.
Neste caso, é do conhecimento público a intervenção do ex-ministro nesses bancos. A assinatura dele está em documentos…
Quantas vezes é que o senhor Carlos Costa pediu escusa em matérias do Novo Banco?
Não lhe sei responder…
E quem é que foi a entidade de resolução? Foi o Banco de Portugal, através do Fundo de Resolução. Quem liderou a venda falhada de 2015? Carlos Costa. O dr. Sérgio Monteiro [ex-secretário de Estado dos Transportes do Governo PSD/CDS] foi contratado pelo BdP para ser o operacional da venda do Novo Banco, mas o dr. Carlos Costa obviamente teve de acompanhar e participar nas decisões todas. Não foi por causa disso que pediu escusa.
Foi mau [não ter pedido escusa]?
Não sei se foi mau, não temos elementos para dizer que foi mau não pedir escusa. Sei é que essa auditoria [da Deloitte ao Novo Banco] vai-nos dar algumas respostas que na altura me darão argumentos para responder a essa pergunta.
Se Carlos Costa deveria evitado decidir, porque não terá Mário Centeno de o evitar?
Só o próprio é que pode responder se acha que está inibido de participar em alguma decisão por ter participado em decisões que foram tomadas… Aliás, quem vendeu o Novo Banco foi o Banco de Portugal.
Certamente com o aval do Ministério das Finanças? Isso é público.
Com os dados fornecidos pelo BdP. Não vamos estar aqui a esconder que a responsabilidade — a esmagadora maioria — foi toda do BdP. Foi o BdP que resolveu o BES, que constituiu o balanço inicial do NB, que criou o FdR, que falhou a venda em 2015, que vendeu o NB. E é o BdP, através do FdR, que dá a última palavra para a alienação de carteiras de créditos e de imóveis que estão a ser feitas através do mecanismo de capital contingente.
Mas como soubemos até pela polémica deste ano é o ministro das Finanças quem passa o cheque para o FdR…
Sim, mas com os dados fornecidos pelo BdP. Desse ponto de vista, não vejo como provável que o Mário Centeno tenha de pedir escusa nessa matéria porque são decisões tomadas com informação fornecida totalmente pelo BdP.
Essa afirmação mantém-se para a CGD?
A CGD foi uma operação de sucesso…
A escusa não tem a ver com o sucesso ou com o fracasso da operação. Ou tem?
Quando falo em sucesso, quer dizer que não descortino erros que possam ser descobertos para a frente porque foi feito um escrutínio muito grande à recapitalização da Caixa. Foram feitas duas CPI [comissões parlamentares de inquérito] e eu estive presente nessas duas. Da parte do Governo não parece que tenha ficado por responder ou por esclarecer qualquer tipo de decisão.
A questão não é o sucesso, mas os potenciais conflitos de interesse.
Em relação à CGD, esperemos que esse momento nunca chegue. Caso se confirme que o processo seja concluído favoravelmente ao dr. Mário Centeno, que seja ele o governador do BdP, e se vier a enfrentar uma decisão sobre pedir ou não escusa sobre uma situação da Caixa será uma péssima notícia para o país, não por causa dele, mas porque a Caixa precisaria novamente de uma intervenção. Espero que esse momento nunca chegue a acontecer.
A AR não tem uma palavra vinculativa a dizer neste processo, mas o PS vai ignorar uma maioria negativa que existe contra a nomeação de Centeno para governador?
Quando não cabe ao Parlamento decidir se é ou não é Mário Centeno a ir, dizer que há uma maioria parlamentar que rejeita é sempre muito falível porque se por ventura forem chamados a votar poderia essa maioria não ser constituída de forma tão fácil como é verbalizado. Aliás, na última semana os desenvolvimentos têm sido na direção de termos uma visão mais equilibrada. Há uma semana havia uma maioria para instituir um período de nojo entre funções públicas e funções públicas, mas já não há. Havia uma maioria para estas regras entrarem já em vigor e agora já não há uma maioria para isso. Se regressarmos à conversa daqui a uma semana — o PS manteve sempre as suas posições — terá alguns novos desenvolvimentos acerca da matéria.
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“Não vejo que Centeno tenha de pedir escusa” por causa do Novo Banco, diz João Paulo Correia
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