Exclusivo “Lisboetas precisam de um presidente, não precisam de candidatos”

Descentralização em Portugal foi “mandar os problemas para baixo, mandar sem recursos”, acusa Carlos Moedas, presidente da Câmara de Lisboa em entrevista ao ECO magazine, edição de novembro.

Um presidente de câmara não pode estar com grandes filosofias. Vou resolvendo os temas, de forma pragmática”, diz Carlos Moedas, presidente da Câmara de Lisboa, numa entrevista ao ECO publicada na edição mensal em papel, e realizada no início de outubro. Para mais que “hoje um presidente da Câmara é um ministro da Segurança Social… para ajudar as pessoas”, diz o autarca. “Complementa o Governo e, às vezes, na realidade, também o substitui.” E em áreas como saúde e educação, fazendo duras críticas à forma como foi feita a descentralização de competências. “Temos um défice de 20 milhões de euros por ano em relação ao que o Estado paga para a educação e o que a câmara gasta. A descentralização em Portugal foi mandar os problemas para baixo, mandar sem recursos.” Na saúde, “não aceito, enquanto não garantirem, por documento contratual do Estado, que todo o dinheiro que gastarmos nessa descentralização seja pago pelo Estado”.

Turismo, aeroporto de Lisboa, habitação, imigração e o futuro da cidade foram outros dos temas da conversa com o autarca da maior cidade do país, mas ainda não candidato a um futuro mandato.

Estamos praticamente a um ano das próximas eleições autárquicas. Vai ser candidato a um novo mandato?

Eu nunca gostei dos políticos que estão sempre a viver no futuro e também da ideia de que quando a pessoa está a cumprir um mandato já está a pensar para onde é que vai. Isto é sincero e genuíno, estou focado no trabalho em Lisboa. Ainda temos muitas coisas para fazer, ainda temos um ano pela frente, e até de um ponto de vista político, isso não era positivo para os lisboetas. Portanto, não há nem haverá nenhum anúncio nos próximos tempos sobre essa decisão. Nunca o fiz, nem farei. Cumpri sempre os mandatos até ao fim.

Qual foi o calendário de anúncio há três anos?

Esse era um contexto diferente, mas creio que anunciei no dia 3 ou 4 de março. Era o contexto de um candidato que se lança em relação a um incumbente. Agora, o que é que os lisboetas precisam? Precisam de um presidente da Câmara, não precisam de candidatos à Câmara.

O que é hoje Lisboa?

Lisboa é uma grande cidade, em grande transformação. Há uma transformação social em Lisboa, uma transformação cultural, uma transformação na área da inovação… É uma cidade em transformação.

É uma transformação dolorosa?

Todas as transformações têm um preço, é, no fundo, a dor em certos aspetos. Obviamente, quando temos as maiores obras que alguma vez tivemos na cidade… No Plano Geral de Drenagem, teríamos que ir muito, muito atrás, para encontrar uma obra de intervenção destes túneis que, aliás, são obras que as pessoas apreciam porque foram 20 anos a andar para trás e para a frente. São as obras do Metro, essenciais para Lisboa, mas também criam, obviamente, dificuldades no trânsito e temos que conseguir viver com isso. São as obras. O facto é que houve muita coisa que não foi feita. Eu tive aqui uma fase em que muita gente me falava sobre os buracos na rua, uma coisa que me preocupa imenso. O que as pessoas não se deram conta é que, durante anos, ninguém investiu em tapar buracos na rua. Entre 2019, 2020 e 2021, investiram-se oito milhões a tapar buracos, nós já investimos 24 milhões no mesmo período. Ou seja, neste ciclo, são cerca de três vezes mais. Dei-me conta, são 63 intervenções já feitas e mais 25 ainda por fazer. Durante anos, anos e anos não se fez, o que é que acontece? As pessoas estão a culpabilizar muitas vezes aquele que está a resolver, e eu estou aqui para as ouvir.

Dou outro exemplo, a situação da higiene urbana. Em 2022, contratei 200 pessoas entre motoristas e cantoneiros. Neste momento, estamos a contratar mais 200. São 400. Nunca tinha havido uma contratação para a higiene urbana desta dimensão, há um investimento na higiene urbana como nunca houve.

Temos um défice de 20 milhões de euros por ano em relação ao que o Estado paga para a educação e o que a câmara gasta.
A descentralização em Portugal foi mandar os problemas para baixo, mandar sem recursos.

É um dos temas mais difíceis?

Se formos ler as capas de jornais em 2009 em relação ao presidente António Costa, sobre a higiene urbana eram as mesmas que as de 2017 com o presidente Fernando Medina.

Porquê?

Houve erros que foram cruciais e estruturais, que não consigo mudar em quatro anos. A meu ver, a descentralização não foi bem feita, nem nesta área da higiene urbana, nem na área da educação. As freguesias são postas a limpar à volta dos ecopontos e os ecopontos são recolhidos pela Câmara, o que é que acontece? Quando as pessoas da Câmara vão aos ecopontos, tiram os sacos, mas não limpam à volta, o que é que os vizinhos dizem? ‘Estes tipos não têm brio’. Tudo isto são coisas estruturais que, a meu ver, não foram bem feitas, mas tenho de viver com elas porque não consigo, nem seria sensato, estar a mexer nessa estrutura neste período de tempo. Posso, estrategicamente, pensar a longo prazo, como se faz… Neste momento, aquilo que muitas vezes faço, e é bom que os lisboetas saibam…

Pode entender-se com as juntas de freguesia?

Mais, o [departamento] de Higiene Urbana da Câmara Municipal tem ordem para resolver os problemas mesmo que sejam da responsabilidade das freguesias, e isso não acontecia antes. Mas a descentralização… Temos um défice de 20 milhões de euros por ano em relação ao que o Estado paga para a educação e o que a câmara gasta. A descentralização em Portugal foi mandar os problemas para baixo, mandar sem recursos.

Agora vem aí a saúde.

Sim, agora temos a saúde. Eu não aceito, enquanto não garantirem, por documento contratual do Estado, que todo o dinheiro que gastarmos nessa descentralização seja pago pelo Estado. Depois, fico sempre com a culpa.

Carlos Moedas, presidente da CM Lisboa, em entrevista ao ECO Magazine Fotografia: Luís Francisco Ribeiro/ECOLuís Francisco Ribeiro/ECO

Na prática, a descentralização é administrativa apenas, e não política.

O Rui Moreira dizia que as câmaras eram tarefeiros do Estado Central, e eu concordo. Por exemplo, na educação…

Que competências tem a Câmara de Lisboa?

Contratar os assistentes operacionais e, depois, tratar da manutenção dos edifícios. Isso não é a descentralização. Somos os serviçais. A descentralização tem de ser revisitada. Eu sou municipalista, não sou um regionalista, nem acredito no regionalismo. Até porque acho que as câmaras podem ter esse papel regional se tivessem uma verdadeira descentralização. Aliás, sou um presidente de Câmara atípico, normalmente são a favor da regionalização. Nós não precisamos de mais uma camada de poder em Portugal. Se tivéssemos mais uma, ainda poderia ser mais complexo resolver as situações que encontramos. É muito mais interessante para o país aprofundar o municipalismo e o poder das câmaras do que propriamente aprofundar ou criar uma regionalização.

Seria útil referendar a regionalização?

Eu não sou um entusiasta dos referendos, as pessoas, normalmente, não respondem à pergunta do referendo, tomam a sua posição em relação à situação política e ao contexto. Estão contentes com o Governo, não estão contentes com o Governo… Não sei se isso nos levaria muito longe.

Portanto, ‘não’ ao referendo

Eu tenho a minha posição e acho que é a posição da maior parte dos portugueses. Portanto, sim, poderá haver um referendo, isso é uma decisão do Governo, mas os referendos têm sempre uns efeitos colaterais muito estranhos em relação àquilo que é o próprio referendo. A Democracia tem eleitos e esses eleitos representam a vontade do povo. Também, às vezes os políticos — e alguns já se deram muito mal, é o caso do brexit — decidem o referendo para não decidirem.

E qual é o balanço destes três anos de presidência?

Tivemos muita dificuldade com a oposição, houve muita coisa adiada… Nem sequer me vou queixar, sobretudo quando há impacto na vida das pessoas, e o que existe é a pequena política. Dou um exemplo, e só falo nesse para as pessoas perceberem. Há uns edifícios abandonados na Av. Fontes Pereira de Melo, havia uma permuta com um promotor, um litígio durante anos, conseguimos um acordo para que esse promotor construísse uma creche, essa decisão estava tomada, o PS achou que não era bem uma creche como queriam, e bloquearam a proposta. E não se pode fazer nada, é de uma injustiça muito grande. A verdade é que, em três anos, quando olho para as condições que tinha e aquilo que conseguimos fazer de mudanças, verdadeiramente grandes na cidade…

Escolha uma, estrutural, que mude Lisboa.

A mais importante, que até se tem falado pouco, é o apoio a mais de 90 mil pessoas que não pagam transportes públicos em Lisboa.

O Governo ajuda.

Não, não, naquela altura o Governo [socialista] não ajudava, éramos só nós. Fomos pioneiros, influenciamos o Governo, até outras autarquias. Havia o exemplo de Cascais, mas de uma dimensão diferente. E hoje temos 90 mil pessoas, e metade nunca tinha tido passe. Ou seja, aumentarmos a procura do transporte público de uma maneira incrível…

E foram capazes de aumentar a oferta?

2023 foi o ano de maior investimento de sempre da Carris em autocarros. Foram, só nesse ano, 45 milhões. Desde o início do mandato, foram 76 milhões e ainda vai ser reforçado. Em autocarros, elétricos, mini-elétricos. Até 2024, foram 129 equipamentos, foi feito investimento em mobilidade como nunca houve. Isso sim foi uma mudança brutal na cidade. A outra mudança, aquilo que os lisboetas às vezes não veem, é a criação de postos de trabalho que foi a ‘Fábrica de Unicórnios’, com toda a piada que gerou.

Há hoje uma certa esquerda que não gosta da inovação, que aliás, não usa a palavra ‘empreendedorismo’, não usa a palavra ‘inovador’. Só se esquecem de uma coisa: A inovação é emprego, o emprego é riqueza e com esse dinheiro ajudamos os mais vulneráveis.

Arrependeu-se do nome que lhe deu?

Não. Tenho muito orgulho em ter dado esse nome. Vim para a política para trazer para as pessoas, para os lisboetas, sobretudo para os mais novos, audácia. Não terem medo de dizer as coisas, não terem medo de ter ambição A ridicularização que se fez da palavra ‘unicórnio’… ah, nós, portugueses, não podemos ser audaciosos, não podemos ir mais além. Não foram só os 12 ‘unicórnios’ [empresas com uma valorização superior a mil milhões de dólares — entretanto foi anunciada a entrada de um 13.º], trouxeram mais de 60 empresas tecnológicas que vieram atrás, 14 mil postos de trabalho, é muito posto de trabalho em Lisboa. E lembro-me que, quando houve o prémio Capital Europeia da Inovação, toda a gente mandava os técnicos das várias cidades para fazerem a apresentação parlamentar, eu fui o único presidente de câmara que lá foi. Fui vender o que estava a fazer, a ‘Fábrica de Unicórnios’, e isso foi muito valorizado na Europa.

A ‘Fábrica de Unicórnios’ é mais bem vista lá fora do que cá dentro?

Isso, ainda hoje… As pessoas do meio conhecem, mas depois há uma luta política, que é pequenina e ridícula. Verdadeiramente, mostra também que há hoje uma certa esquerda que não gosta da inovação, que aliás, não usa a palavra ‘empreendedorismo’, não usa a palavra ‘inovador’ e é uma esquerda que não valoriza nada do que tenha a ver com a economia. Há uma esquerda, sobretudo na extrema esquerda, isso é uma verdade. Os partidos da extrema esquerda, zero. Qualquer atividade nesse campo, não apoiam, nem querem saber. Só se esquecem de uma coisa: A inovação é emprego, o emprego é riqueza e com esse dinheiro ajudamos os mais vulneráveis.

No ranking das coisas que me ficam. A segunda foi o que fizemos em termos de habitação. Andámos de casa em casa nos bairros municipais a ver as que estavam fechadas, e eram muitas…

Contratos que já vinham do anterior executivo de Fernando Medina?

Das duas mil casas que entreguei, mil fomos nós que fizemos, encontramos as casas, casas da câmara que estavam fechadas. Fazíamos obras, de 30 mil ou quarenta mil euros, às vezes, e a casa ficava linda, impecável… Mais uma família. Foram 1.000 famílias. E as outras? Sim, algumas vinham de projetos, mas os projetos demoram muito tempo, estavam a começar a ser construídas, e ainda bem. Quer dizer, ser criticado pela oposição porque sei concluir projetos, é engraçado. Uma série de coisas estavam empacadas… Sim, estamos a resolver muitas coisas que não foram capazes de resolver. Muitas coisas estavam em muitas casas na cidade que não se resolviam há muitos dias. Todos os presidentes de câmara têm coisas que vêm de trás e coisas que deixam para o futuro.

Carlos Moedas, presidente da CM Lisboa, em entrevista ao ECO Magazine Fotografia: Luís Francisco Ribeiro/ECOLuís Francisco Ribeiro/ECO

Um ciclo de quatro anos é curto. O que é que é importante fazer no próximo ano, último ano de mandato? Por exemplo, a conclusão da obra dos túneis de drenagem.

Vai demorar mais… Eu não olhei para estas obras do ponto de vista eleitoral, porque não o deveria fazer, nem nunca o faria. A obra dos túneis de drenagem, supostamente, acabaria no fim de 2025. Mas, aí, também é preciso deixar aqui algumas mensagens, até ao Governo. Obviamente, devemos respeitar a arqueologia, é importante para o país, mas não podemos parar a obra dos túneis de drenagem, como já paramos várias vezes…

Já pararam?

Já. Por causa de peças arqueológicas que devem ser rapidamente retiradas ou tratadas. Mas não se pode ter uma obra daquela dimensão parada porque isso custa ao contribuinte e ao utilizador. Portanto, não acabarão em 2025, acabarão em 2026, para o fim de 2026. É a minha estimativa, mas como eu costumo dizer, nestas coisas das obras não vale a pena fazer promessas.

E para esses doze meses que faltam até às eleições, o que é então prioritário?

Tendo em conta os leitores para quem estou a falar nesta entrevista, aquilo que lançámos com a ‘Fábrica de Unicórnios’, o movimento, a dinâmica, a quantidade de estrangeiros de grande qualidade que hoje contratam também portugueses. E a ‘Fábrica de Unicórnios’ já não é só o Beato, é no Técnico, é em Alvalade, um hub web 3.0, é a Microsoft a querer fazer a fábrica de Inteligência Artificial em Alvalade connosco, é a Deloitte a fazer uma operação com 2.500 postos de trabalho no Largo do Rato, é a Mckinsey com 750 pessoas, é no fundo talento. Mas hoje um presidente da Câmara é um ministro da Segurança Social…

Como assim?

É um ministro da Segurança Social para ajudar as pessoas…

Para substituir o Governo?

De certa forma, complementa o Governo e, às vezes, na realidade, também o substitui. No caso do Plano de Saúde 65, 14 mil pessoas foram abrangidas, mas fui mais longe. Temos duas clínicas já, uma na Alta de Lisboa e outra em Marvila, com um médico, um enfermeiro e um nutricionista. São consultas às segundas, quartas e sextas, é só aparecer. As pessoas do bairro estão encantadas, não tinham acesso a médico de família. Não, não estou a substituir o SNS, estamos a dar um complemento, uma resposta de proximidade, que é o mais importante. Os presidentes de câmara, seja neste país, seja noutro, estão a resolver os problemas do dia a dia, e muitos deles dependem do Estado. Quando as pessoas me param na rua e me falam sobre a insegurança, eu sou o primeiro, desde que aqui cheguei, a dizer à polícia duas coisas: precisamos de mais esquadras, precisamos de mais polícia na rua. Preciso de mais polícias municipais, mas também é preciso mais PSP em Lisboa.

E o Governo ouve-o?

Pedi 200 polícias municipais ao anterior Governo, deram 25. Com este Governo, estou à espera, estão a chegar. Mas disse já ao Diretor Nacional da PSP. Houve meses em que não via polícia na rua, há umas semanas, estou a ver mais presença da PSP. Mas, é um exemplo. Quando há um problema na Avenida da Liberdade, sou o primeiro a receber mensagem, mas não sou responsável pela segurança pública. De qualquer forma, sou um político do pragmatismo. O que é que fiz? Com o novo comandante da Polícia Municipal, há uma coisa que temos de mudar. A Polícia Municipal era apenas uma polícia de fiscalização, de licenças. Mas a Polícia Municipal é PSP, aliás vêm da PSP, tem que ter aqui ação e poderes de detenção, têm competências para isso.

Mas não as usam.

Com o tempo, essas competências foram desaparecendo e, portanto, a Polícia Municipal, neste momento em Lisboa, está a atuar também ao nível das detenções quando há problemas nas ruas, e isso é bom para todos. Portanto, um presidente de câmara não pode estar com grandes filosofias. Vou resolvendo os temas, de forma pragmática. Também poderíamos dizer que a habitação era sobretudo um papel do Estado, mas é a Câmara que o está a fazer e vai para a frente.

Há uma coisa que nunca nos podemos esquecer: 25% do emprego em Lisboa é turismo, 20% da economia. Também é bom dizer que as tecnologias já valem 18% do emprego, ou seja, já estamos a diversificar.
O nosso problema não é a questão do turismo, o turismo é um setor muito importante para a economia, é que os outros setores não sejam ainda maiores.

Vamos ao turismo. Lisboa tem condições para ter mais turistas do que tem?

Vamos aos números. Quando olho para aquilo que são os números da cidade, temos 546 mil habitantes, OK? Todos os dias entram mais de um milhão de pessoas na cidade. Desse milhão de pessoas, em média, 38 mil são turistas. Portanto, se olhar para estes números sem olhar para as situações em concreto, diria que é razoável. O que não é razoável? Essas pessoas vão todas para o mesmo sítio à mesma hora. Portanto, as pessoas estão na Baixa, estão nas centralidades, daí que tenha pedido à ATL-Turismo de Lisboa é de diversificação, ter outros equipamentos fora do centro de Lisboa.

Dê-me um exemplo?

O que vamos fazer no Braço de Prata, por exemplo. Temos que fazer. Mas fui o primeiro a ter a coragem de fazer duas coisas. Aumentar a taxa turística de Lisboa para o dobro, quatro euros, com muitas queixas de muita gente, e pôr os cruzeiros a pagar uma taxa turística. Mas há uma coisa que nunca nos podemos esquecer: 25% do emprego em Lisboa é turismo, 20% da economia. Também é bom dizer que as tecnologias já valem 18% do emprego, ou seja, já estamos a diversificar. O nosso problema não é a questão do turismo, o turismo é um setor muito importante para a economia, é que os outros setores não sejam ainda maiores. Quando estou focado na inovação, na cultura, é como se alavancam esses setores. Se eles forem maiores, há um maior equilíbrio.

Mas não há uma excessiva dependência do país, e por maioria de razão de Lisboa, do turismo?

A diversificação é essencial. A questão aqui não é se há turismo a mais, mas se há outros setores a menos. Estamos a trabalhar nas tecnologias, estamos a trabalhar noutros setores industriais, mas não vale a pena estar a definir se há mais ou menos…

Portanto, Lisboa não vai tomar medidas de restrição do turismo, como foram tomadas noutras cidades europeias?

Aumentar a taxa turística para quatro euros é uma restrição. Depois, reduzimos o número de trotinetes para metade, para cerca de oito mil, estamos a fazer um sistema de estacionamento com autorização para os tuk-tuk, passar de mil para 500 tuk-tuk, ainda este ano. Tem havido uma regulação inteligente do turismo em Lisboa.

Quanto vale a taxa turística?

Os dois euros representavam, grosso modo, 36 milhões de euros, vamos dobrar, para cerca de 70 milhões de euros. Portanto, em 12 meses duplicou, e já é muito significativo, o que vai contra uma das várias coisas com que a esquerda, muitas vezes, me ataca e que acho que é muito positiva para a cidade. Já reduzimos o IRS em 4,5%, vamos fazer uma nova redução. Ou seja, quem vive em Lisboa paga menos 5% do que pagaria se vivesse fora de Lisboa. A duplicação da taxa turística permite fazer essa redução de IRS. Eu prefiro que sejam os turistas a pagarem impostos e não os lisboetas. O dinheiro não é nosso, é das pessoas. A cidade não pode estar constantemente a aumentar os impostos e vivemos durante anos e anos de aumentos de impostos a nível nacional. Tentei reduzir os impostos o mais possível e aumentar àqueles que não são de Lisboa, aos estrangeiros. Eu não conheci um turista que me criticasse por causa da taxa.

Não temos turistas a mais, temos turistas demasiado concentrados em determinados locais e temos outros setores a menos. E temos os turistas que gostaríamos de ter, com outro poder de compra?

Espero que o aumento da taxa turística de dois para quatro euros tenha algum efeito no perfil de turistas. Há um movimento anti-turismo. Temos os movimentos dos populismos. Vou simplificar para que todos percebam… Temos uma extrema direita que não gosta dos imigrantes pobres e uma extrema esquerda que não gosta dos turistas com capacidade financeira, dos turistas ricos. Isto é politicamente muito perigoso, os dois. A falta de humanidade da extrema direita em relação a quem mais precisa, mas também a falta de consistência e de coerência de uma extrema esquerda que só aceita o que está dentro do seu conceito de vida. Se for um turista com mais dinheiro, e quer investir em Portugal, se for um nómada digital, aí já não é bom. Acho isso inacreditável, até porque esses nómadas digitais trazem também investimento, trazem maneiras de pensar de forma diferente. É assim que o país evolui.

A Câmara autoriza a construção de hotéis. Não há projetos a mais, uma pressão hoteleira excessiva?

Aqui não há ‘achismos’. Há um Plano Diretor Municipal (PDM) que dá direitos de propriedade. Se queremos menos hotéis em Lisboa, temos que mudar esse PDM. Não é ao meu gosto. Há um exemplo, neste mandato, de um promotor que apresentou à Câmara um hotel para aprovação, levei a reunião de câmara e a oposição decidiu chumbar o hotel. O que aconteceu depois? A empresa levou a Câmara a tribunal e a Câmara teve que aprovar o hotel. Portanto, foi uma perda de tempo, porque isto não foi uma questão de gosto. Eu respeito a lei.

Pode alterar o PDM.

Posso alterar com quem? Com a maioria da Câmara a aceitar. E gostava de alterar o PDM por duas razões. Os PDM não refletem a rapidez das mudanças no mundo. Uma coisa em 2012 não tem nada a ver com as necessidades que existem hoje. Os PDM têm uma grande rigidez… mas gostava de referir que somos a única Câmara em Portugal que criou um Departamento de Transparência e Anticorrupção, liderado pela vereadora do Urbanismo. Os problemas de corrupção, hoje, muitas vezes, têm a ver com os planos municipais porque deixam demasiado a latitude.

Temos uma extrema direita que não gosta dos imigrantes pobres e uma extrema esquerda que não gosta dos turistas com capacidade financeira. Isto é politicamente muito perigoso, os dois. A falta de humanidade da extrema direita em relação a quem mais precisa, mas também a falta de consistência e de coerência de uma extrema esquerda que só aceita o que está dentro do seu conceito de vida.

Mas dar menos latitude também limita a flexibilidade da gestão urbanística de uma Câmara.

Essa latitude tem que ser dada com normas. Uma Câmara pode dizer “aqui é possível construir um hotel, escritórios ou habitação”, mas não é isso que os PDM determinam. São normas muito vagas. Isso não é correto. Agora, os planos diretores devem ter uma latitude para se adaptarem aos novos tempos e poder ter a capacidade de, anualmente ou de dois em dois anos, fazer um nova atualização.

E como é a política de aprovações da Câmara para o Alojamento Local?

Bom, isso é interessante politicamente. Eu sou visto muitas vezes pela oposição como um defensor da Alojamento Local. Eu não defendo o Alojamento Local, quem o defendeu durante muitos anos foi o executivo [camarário] anterior do PS. Em 2010 tínhamos 500 unidades de alojamento local, em 2019 tínhamos 19 mil. Portanto, alguém defendeu o Alojamento Local, mas não fui eu. Aliás, desde que chegámos, basicamente, o número de licenças diminuiu. Em Lisboa, neste momento, o licenciamento está congelado. Por cada dois e meio alojamentos locais, têm de ser licenciados 100 alojamentos ditos normais. E eu acho que deve haver esse travão. Agora, há uma coisa que é clara: 30% do alojamento em Lisboa de turistas é feito em Alojamento Local. Se fechássemos ou disséssemos que acabávamos com o regime de Alojamento Local, para onde iriam esses turistas?

Qual seria a alternativa?

Gostava que as pessoas, sobretudo na política, fossem ver outros exemplos. Estive recentemente em Nova Iorque… os preços dos hotéis em Nova Iorque dispararam…

Reduzir as licenças seria criar uma renda para os hotéis…

A questão, aqui, não é a proibição total do Alojamento Local, é a regulação, é reconhecer que, obviamente, há freguesias sob maior pressão. Em Santa Maria Maior, quando cheguei à Câmara, por cada 100 unidades de habitação, havia 65 de Alojamento Local.

Qual é o rácio, hoje?

Hoje mantém-se mais ou menos nessa dimensão, porque parou tudo, até deve ter diminuído alguma coisa. Fizeram-se fiscalizações, cancelaram-se licenças, era aquilo que deveria ter sido feito. Agora, também não é de um dia para outro que podemos fiscalizar tudo. Também gostava de dar uma palavra às pessoas que vivem do Alojamento Local, que são famílias como nós, que ficaram sem emprego durante a troika, que não tinham outra fonte de rendimento. Portanto, quando a extrema esquerda está a diabolizar o Alojamento Local, não está a atacar os grandes capitalistas, são famílias normais que encontraram no Alojamento Local uma alternativa de rendimento.

Carlos Moedas, presidente da CM Lisboa, em entrevista ao ECO Magazine Fotografia: Luís Francisco Ribeiro/ECOLuís Francisco Ribeiro/ECO

O Governo decidiu a localização do novo aeroporto de Lisboa em Alcochete, mas também foi decidido aumentar a capacidade de voos por hora no atual aeroporto de Lisboa. A Câmara de Lisboa concorda com esta decisão?

O Governo anterior, quando decidiu a localização do Montijo, já tinha decidido aumentar muito o número de voos em Lisboa. Aliás, há um acordo com a ANA, a concessionária de aeroportos, que prevê esse investimento na expansão da Portela. A ANA prometeu 200 ou 300 milhões de obras no aeroporto. Então, e agora, não queremos que essas obras sejam realizadas quando ainda temos dez anos pela frente para um novo aeroporto? Portanto, se alguém está a defender que essas obras não devem ser feitas, está estranhamente a favorecer a empresa concessionária privada. A ANA, obviamente, se puder, não faz as obras. Não percebo como é que o Partido Socialista na Câmara de Lisboa diz que é contra essas obras no aeroporto da Portela. São obras de melhoramento do próprio aeroporto.

Mas há outra questão. O número de voos.

Há uma realidade que é o número de voos. Não sou especialista, mas o número de levantamentos era muito superior à decisão anterior do PS relativamente ao que o atual Governo decidiu, mas quem sou eu para estar a defender o Governo. Agora, sou contra os voos noturnos…

Mas esses voos realizam-se.

Os aviões, depois, têm de aterrar. As companhias têm um número de voos (por semana) que pode ser ultrapassado, agora, não devem exceder essa margem. Portanto, gostava de perceber porque é que a oposição, aqui na Câmara, está contra as obras de melhoramento do aeroporto. A oposição está do lado da ANA e do seu acionista, a Vinci. Agora, eu disse uma frase que foi mal interpretada…

Qual?

Mas que, na verdade, reitero. Nós temos de ser compensados pela ANA e pela Vinci…

A Câmara de Lisboa?

Sim. Temos de fazer obras nas casas das pessoas para as proteger da poluição e do ruído, e por isso disse que temos de bater à porta da ANA e da Vinci.

A dez anos, o que podem vir a ser os terrenos da Portela?

Já falei com o ministro [Miguel] Pinto Luz, porque acho que temos aqui uma oportunidade de criar uma nova cidade. Fizemos isso no Parque Tejo, são 30 hectares verdes. Nos terrenos do aeroporto, temos que pensar, a sociedade lisboeta tem que pensar o que quer daquele espaço, que é enorme, absolutamente fantástico. Vamos ter que pensar a cidade. E obviamente, aí, convoco todos para começarmos a pensar o que vai ser ali a cidade. Temos tempo para definir o que é que vai ser ali a cidade. Cá está, é uma coisa que vamos iniciar e que será outro presidente de Câmara a executar.

Como é que está a ser feita a integração da imigração em Lisboa? Está a ser bem feita?

Bom… Eu fui o primeiro, e com algum custo político, há cerca de dois anos, a dizer numa entrevista à Rádio Renascença, que tínhamos de ter políticas de imigração, não existiam, e políticas com dignidade para as pessoas. Fui acusado de várias coisas, porque neste país domina esta retórica da esquerda de que não podemos pensar em imigração. Qualquer coisa que se faça é de extrema direita, isso não pode ser, é gravíssimo.

Carlos Moedas, presidente da CM Lisboa, em entrevista ao ECO Magazine Fotografia: Luís Francisco Ribeiro/ECOLuís Francisco Ribeiro/ECO

Como avalia as novas orientações do Governo para a imigração?

Saúdo o Governo e o ministro Leitão Amaro por terem acabado com as chamadas ‘manifestações de interesse’. Agora, temos neste momento problemas de pessoas sem-abrigo que não consigo ajudar porque não têm papéis. A operação de análise no Centro Hindu é muito importante, para conseguirmos ajudar as pessoas. Agora, vamos ser claros. Um país como Portugal, uma cidade como Lisboa, com aquilo que é a natalidade em Portugal, precisa de imigração. Como funcionaria hoje os restaurantes em Lisboa sem imigração? E como é que certos setores poderiam desenvolver a sua atividade? Mas tem de ser a imigração que também queremos. Não pode haver este tabu…

Há um tabu?

Não se pode definir prioridades profissionais da imigração. Porque é que não digo que preciso de mil engenheiros? Sim, porque é que isso é grave? Se calhar há mil engenheiros que ficariam muito felizes em ter a oportunidade de vir para Portugal e neste momento não podem. Ou, então, vão para a fila de espera como todos os outros. Não podem apontar-me o dedo, fui emigrante, sou casado com uma imigrante, filha de imigrantes.

Mas que papel é que uma Câmara, nomeadamente de Lisboa, pode ter na integração de imigrantes?

A integração é feita de tantas maneiras. Temos duas escolas no Parque das Nações, uma que construímos, é nova, mas tinha sido prometida em 1996, e a Escola Infante Dom Henrique… Visitei algumas das salas, têm 50% dos miúdos estrangeiros. Portanto, há algo que está a ser bem feito através das nossas escolas, através dos nossos programas, através de programas de integração.

E qual deve ser o papel das câmaras na promoção do crescimento económico?

O centro da economia no mundo, hoje, são as cidades.

Mas a governação política e económica não reflete essa relevância das cidades?

Sim, é verdade, por isso sou tão municipalista. Se os municípios tivessem maior autonomia, mais poder, mais capacidade de fazer, seríamos muito mais relevantes. O caso de Portugal é paradigmático. Cerca de 36% ou 37% do PIB é gerado na região de Lisboa, a partir daqui está tudo dito. A região Norte tem uma importância enorme, mas um terço é Lisboa.

É uma vantagem, mas também uma desvantagem para a cidade.

É, é. Por exemplo, temos 10 mil pessoas em situação de sem-abrigo e há cinco mil vagas de acolhimento em Portugal. Dessas, três mil são no município de Lisboa. Mas chegam a Lisboa sem-abrigo de todo o país, não são apenas imigrantes. Isto é um problema que tem que ser resolvido com todas as autarquias, nomeadamente aqui à volta. Lisboa tem três mil vagas, mas as outras autarquias não têm. Agora, as cidades são o grande motor económico, são o sítio onde as políticas económicas podem ser traduzidas ao nível das pessoas. Ou seja, quando fazemos os transportes públicos gratuitos, estamos a adotar uma medida de sustentabilidade que se traduz no bolso das pessoas.

O modelo de governação tem que ir em que sentido para promover esse papel das cidades?

O ponto é repensar a descentralização, que seja mesmo efetiva. O Governo deveria olhar para os municípios e descentralizar na totalidade determinadas funções que o Estado, por estar mais longe, não consegue fazer e as pessoas estariam mais agradecidas. Apesar de todos os problemas que tem havido nas autarquias durante anos e anos, as pessoas continuam a confiar nos presidentes de câmara, são os autarcas que resolvem problemas. Mais municipalismo é mais economia e mais emprego. E quando estamos muito dependentes do Estado, não conseguimos desenvolver a economia da mesma forma. Isso é claríssimo para mim. Eu próprio, quando estava em Bruxelas, defendia que a Comissão Europeia deveria estar mais ligada às cidades do que aos Estados centrais. Os primeiros ministros estão em concorrência com o presidente da Comissão e, portanto, querem ter crédito. Os presidentes de câmara, quando vão a Bruxelas, adoram dar o crédito ao presidente da Comissão. Ou seja, as cidades gostam da União Europeia, as cidades então com a União Europeia.

*Com fotografia de Luís Francisco Ribeiro/ECO

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“Lisboetas precisam de um presidente, não precisam de candidatos”

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