A EDP Renováveis vê em 2024 "um ano de entrega" de projetos. No entanto, tecnologias emergentes como o hidrogénio verde atravessam um momento "mais desafiante" e, no caso das baterias, faltam apoios.
Depois de um ano de 2023 “menos positivo”, com os resultados da EDP Renováveis a caírem para metade, o CEO da EDP Renováveis na Europa e América Latina, Duarte Bello, espera que 2024 se afirme como “um ano de entrega” de vários projetos.
Olhando a tecnologias mais emergentes, contudo, este responsável reconhece que no hidrogénio verde “o desafio é maior do que era há algum tempo”, tendo em conta o contexto económico, embora considere este contratempo “normal”. Uma coisa é certa: o projeto de hidrogénio verde que a empresa de energias limpas tem para Portugal não deverá ser um dos entregues este ano, sendo um projeto mais de médio-prazo.
Já no que diz respeito às baterias, para já, “não têm uma receita que lhes consiga justificar o investimento”, pelo que Duarte Bello considera importante que o Governo dê “sinais” ao mercado como subsídios ou apoios ao investimento e às receitas.
Numa altura em que espera que a transição energética deixe de ser “só monotecnologia”, o líder da EDP Renováveis na Europa e América Latina que inovar nos modelos de negócio que mistura tecnologias (hibridização) e afirma que a empresa quer pôr “as suas fichas” em tecnologias que aproximem o seu perfil de geração ao perfil de consumo dos clientes.
Por fim, diz não pretender lançar-se noutros mercados, mas sim aprofundar aqueles nos quais a empresa está presente. No entanto, seja qual for a geografia dentro da Europa, deixa um desejo: que a regulação que pretende impulsionar as energias renováveis seja aplicada, rapidamente, a um nível mais local.
A EDP Renováveis teve em 2023 um ano menos positivo em termos de resultados, pois caíram para metade. Quais são as perspetivas que existem para este ano e como espera contrariar esta tendência dos resultados anteriores?
2023 foi um ano menos positivo do que gostaríamos. Temos que perceber o contexto: um ano que foi o resultado dos desafios que houve no mundo nos anos de 2021 e 2022. Os nossos projetos não se fazem num dia e, portanto, diria que alguns dos desafios acabaram por estabilizar no ano de 2023. O mundo como um todo mudou em 2023. Mesmo as taxas de juro terem mudado da maneira que mudaram, para um setor como o nosso tem obviamente impacto nas expectativas de rentabilidade, de custo de financiamento, entre outros. Isto para dizer que, em 2024, é um ano de entrega. Estamos muito focados em entregar o que temos estado a comunicar ao mercado. Como em todos os setores, mas também nas renováveis, é um ano muito focado na rentabilidade e, portanto, também nos projetos e nas nossas operações. Temos uma escala já global. Este período vai ser um ano de olhar um bocadinho também para dentro no sentido de conseguir melhorar se calhar a rentabilidade do que temos aqui dentro de casa.
Através de que estratégias? A rotação de ativos?
Um bocadinho de tudo. Através da melhoria da nossa eficiência no CAPEX, no investimento, na operação… a estratégia de rotação de ativos tem sido um sucesso e espero continue a sê-lo este ano.
Um fator importante nos resultados foram os atrasos na Colômbia. Queria tentar perceber como é que estão em termos da possível resolução. Quais são as perspectivas que tem para esses projetos, de momento?
O foco na Colômbia atualmente é conseguir adiantar ao máximo o licenciamento. Este ano esse é o maior foco, que foi uma das razões pelas quais tivemos o atraso. Depois hão de haver os próximos passos.
Não conta então que volte a ser um problema num próximo exercício.
Agora estamos focados em conseguir licenciar o projeto, é o que está nas nossas mãos.
E é difícil prever prazos, para já, para a resolução?
Gostava que fosse durante este ano.
O desafio [do hidrogénio verde] é maior [agora] do que era há algum tempo. Mas, nas renováveis, acho que esse desafio é normal.
Passando à parte da inovação, em particular do hidrogénio verde. Já têm um projeto em operação no Brasil. Já conseguem tirar algumas conclusões dessa experiência que possam trazer para cá, para o projeto que têm em Sines?
Eu diria que o hidrogénio é um mercado novo, e como todos os mercados novos, está a descobrir-se como é que se tem um caso de negócio rentável. Uma componente é a parte tecnológica, e o Brasil dá-nos sobretudo essa capacidade, de perceber quem são os nossos fornecedores, quem é que pode fazer tecnicamente bem um projeto de hidrogénio.
Mas isso é uma pequena parte deste puzzle. Porque depois temos que ter quem nos compre a energia, quem nos compre o hidrogénio… E essa é uma componente complexa, sobretudo quando estamos no contexto atual. Nos vários países, sobretudo na Península Ibérica, onde se calhar estamos a avançar mais do que noutras áreas, estamos a tentar montar casos de negócio que também têm apoios da União Europeia e vários fundos nacionais e internacionais para conseguir acelerar isso. Realisticamente…
Está mais difícil agora.
Realisticamente, o desafio é maior do que era há algum tempo. Mas, nas renováveis, acho que esse desafio é normal.
Atrasa se calhar um pouco as vossas perspetivas em relação aos projetos cá em Portugal?
Os projetos cá em Portugal estão numa fase inicial. São projetos a médio prazo. Desse ponto de vista, não se alteram materialmente os prazos.
Mas tem alguma ideia de quando é que seria viável a entrada em operação em Portugal?
Não. No Brasil já entrou, mas é um piloto.
Os projetos espanhóis estão mais ou menos avançados do que aqui em Portugal?
Não estão muito diferentes. Todos têm desafios parecidos. Podem ter algum financiamento potencial ou assegurado, em muitos casos, há alguns acordos, mas que não estão finalizados, com quem são os offtakers do hidrogénio.
Em que fase, mais concretamente, está agora o projeto em Portugal?
Não é um projeto iminente para este ano.
As baterias não têm uma receita que lhes consiga justificar o investimento.
Continuando na inovação, mas passando às baterias. Também é uma tecnologia para a qual têm olhado. Têm projetos no Reino Unido, América do Norte, na Ásia… Porquê nestes países e não em Portugal? O que é que, na sua opinião, falta para criar este mercado por cá, já que também se tem falado muito disso no país?
Acho que, sobretudo, tem que haver uma aceleração — e isso é geral para a Europa continental — de abrir às baterias acesso a receitas. Receitas a que elas podem ter acesso mas que, ao dia de hoje, estão limitadas, não por um ponto de vista técnico, mas por ponto de vista regulatório, incluindo mecanismos de capacidade. É preciso que os governos e as entidades energéticas consigam acelerar a abertura a isso. Porque as baterias não têm uma receita que lhes consiga justificar o investimento.
Há um conceito que nós chamamos revenues tacking, que é conseguir combinar várias receitas ao mesmo tempo. Ao contrário de um parque eólico ou solar, em que produzo energia e vendo a energia, tenho um cliente que alguma forma me compra a energia, eu aqui tenho que ir a vários mercados. Alguns a fazer arbitragem durante o dia; outras vezes é ter só a bateria de reserva para o sistema quando precisar… Há vários tipos de receitas. Nós vimos leilões em países em que tivemos, como a Grécia ou a Polónia. Neles existem alguns leilões, como existe para a energia no solar, mas também para mecanismos de capacidade, ou para subsídios ao investimento nas baterias. Estamos num período em que também é preciso dar esses sinais. Para dar alguma visibilidade, pelo menos numa parte dessas receitas, ou pelo menos algum apoio ao investimento.
Alguma medida regulatória em concreto que lhe pareça essencial para espoletar aqui o mercado?
Mecanismos de capacidade. Remuneração pela capacidade, por exemplo. É uma das medidas que está a ser discutida em Espanha e em Portugal. E que tem que ser robustecida e implementada. Em Espanha, temos um projeto que está com um financiamento parcial da bateria. Em Portugal fala-se sobre ter algum apoio através do PRR [Plano de Recuperação e Resiliência]. As baterias, para conseguirem descolar, vão precisar de algum apoio inicial, mas é benéfico para o consumidor porque evita, se calhar, fazer novos projetos.
Conseguir aproximar o perfil de geração ao perfil de consumo, tendencialmente, é onde nós temos que pôr as nossas fichas.
Este ano a EDP já apresentou várias iniciativas também dentro da inovação, desde a hibridização de um parque à solução das baterias térmicas. No capítulo das novas tecnologias, o que é que podemos esperar da inovação este ano? Há algumas áreas em que vão ter novidades em breve?
Eu não menosprezava o tema da hibridização. Acho que temos que inovar nos casos de negócio. Temos que conseguir aproximar o que nós produzimos das necessidades do cliente. Este tema das baterias térmicas vai um bocadinho a esse encontro. A hibridização vai também ao encontro de termos um ativo, as redes, que estão subaproveitadas. Acho que podemos fazer mais acerca disso, porque podemos pôr as baterias em cima disso, tentar desenvolver projetos mais rapidamente ou tentar ter acordos com clientes em que conseguimos abordar várias das necessidades seja por um PPA [sigla inglesa para Contrato de Aquisição de Energia] de longo prazo, com painéis, com baterias… A transição energética vai deixar de ser só monotecnologia. Não sei se é este ano, mas vamos ter essa tendência e estamos a trabalhar para isso. A inovação não é só na parte tecnológica, mas também na parte como nós abordamos as necessidades dos clientes.
Em termos de parcerias com start-ups. Alguma área em particular que seja mais promissora?
As renováveis tinham dois problemas há 15 anos, o custo e a intermitência. Hoje em dia somos a energia mais barata, mas quanto à intermitência, o problema não está resolvido. Tecnologias que possam tornar a nossa curva de produção mais estável, sejam baterias ou outras, acho que é uma tendência que vamos continuar a ver. Portanto, conseguir aproximar o perfil de geração ao perfil de consumo. Tendencialmente é onde nós temos que pôr as nossas fichas.
Tendo em conta o que acabámos de falar, de que há muita inovação a acontecer. Temos o hidrogénio verde a pensar no médio prazo, temos a energia eólica offshore também em desenvolvimento… Isso tem custos. Os casos de negócio estão também mais complicados, como referiu. E então a minha pergunta é: tendo em conta este este quadro, em que estamos a investir bastante em novas tecnologias, porque precisamos da transição, mas onde a inflação também é relevante, podemos esperar que os preços da energia em Portugal encareçam a médio prazo?
Não. Acho que fazer renovável vai sempre ser a melhor solução, porque é a energia mais barata.
Mesmo com estas inovações? Normalmente é mais barata, mas a inovação tem custos.
Mas a inovação tem é que ser implementada de uma forma progressiva. Se eu tiver um projeto que tem um custo marginalmente maior, quando distribuído por todos, não tem muito custo. O que interessa é que a maior parte da nova geração que está a ser feita em Portugal eólica e solar tem um custo de energia muito mais barato que qualquer outra tecnologia. E esses projetos tem muito mais dimensão que um projeto ou outro que se possa chamar de inovação. Desse ponto de vista, o que interessa é nós conseguirmos permitir que se acelere o desenvolvimento dos projetos que já existem. Todos temos de contribuir para acelerar os timings de licenciamento.
Queremos aprofundar os mercados mais relevantes que temos. Não estamos a ver novos países.
Quanto à expansão geográfica. Adquiriram a Kronos, que vos abriu bastantes portas. Estão a considerar novas aquisições desse género? Isto é, que sirvam de motor de crescimento tanto aqui na Europa como na América Latina, as zonas de que é responsável.
Agora nós queremos aprofundar os mercados mais relevantes que temos. Estamos nos sítios em que queremos. Acho que isso foi um ganho enorme dos nossos planos estratégicos anteriores. Não estamos a ver novos países.
Mas têm particular interesse nalguns desses mercados?
Temos quatro ou cinco mercados que são chave pelo histórico que temos. Os mercados ibéricos, os Estados Unidos, o Brasil, obviamente, depois na Europa temos Itália, e agora temos a Alemanha. Hoje em dia é um mercado que representa pouco, porque acabámos de entrar, mas é o maior mercado europeu e, portanto, desse ponto de vista, é um mercado que obviamente tem um foco importante, mas no estágio de entrada.
O negócio das renováveis é, em geral, um negócio muito local e, portanto é importante que se consiga chegar à localidade, aos decisores locais.
Em termos de regulação. Têm saído várias peças legislativas na Europa a promover as energias renováveis. Tem sentido o impulso desta regulação, ou é preciso mais?
O negócio das renováveis é, em geral, um negócio muito local e, portanto é importante que se consiga chegar à localidade, aos decisores locais. O empurrão que se está a dar às renováveis é um processo longo. Os projetos demoram cinco, oito, nove anos a serem desenvolvidos. Tivemos a introduzir medidas de aceleração de licenciamento há um ano ou dois. É natural que não surjam muitos resultados hoje. Porque o processo é longo. É bom que a União Europeia coloque limites de tempo para fazer o licenciamento. Três, cinco anos para determinados projetos, acho que isso é positivo. Mas também temos de ter consciência que isso depois demora algum tempo a declinar para os governos nacionais, depois estes têm de conseguir declinar isso para as entidades e localidades. E acho que temos que empurrar isso. Hoje em dia, o nosso desafio, mais do que ter mais legislação, é conseguir implantar no terreno essa legislação de uma forma eficaz.
A jornalista deslocou-se a Bilbau a convite da WindEurope
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Mercado de baterias precisa de “sinais” como apoios para arrancar
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