Em entrevista ao ECO, o secretário de Estado Adjunto e das Finanças, Mourinho Félix, diz que o Governo não tem "nenhuma obsessão em ir além dos objetivos".
Ricardo Mourinho Félix, o secretário de Estado Adjunto e das Finanças, recebeu o ECO no Ministério das Finanças no fim de semana que se seguiu à decisão da Standard & Poor’s de melhorar o rating da República. Será que esta boa notícia vai dificultar as negociações do Orçamento para 2018? Ricardo Mourinho Félix acha que não e tem uma explicação.
O ministro das Finanças veio dizer este sábado que temos a quarta maior dívida do mundo, como que a refrear o entusiasmo. Sentem que esta notícia pode ter algum efeito indesejado na negociação do Orçamento para 2018, sobretudo com os partidos mais à esquerda?
Este upgrade vem validar uma estratégia que foi seguida e decorre dessa estratégia. A estratégia é para ser mantida, assente num crescimento económico equilibrado, assente nas exportações, no investimento, e com um crescimento moderado do consumo privado, e em linha com aquilo que é a evolução do rendimento. O que não podemos agora é voltar a uma situação de consumo baseado num crescimento do crédito, que possa gerar níveis de sobre-endividamento. É preciso que a dívida do setor privado continue na trajetória descendente que tem tido, e o setor privado tem lá as famílias e também tem lá as empresas. Se alguém precisa hoje de investimento para investir e criar mais emprego, para poder exportar, para ser mais competitivo, são as empresas. O nosso foco é o financiamento e a canalização do financiamento para os melhores projetos, para as melhores empresas, e para as empresas que têm viabilidade.
A forma como entendemos este upgrade, é uma excelente notícia, mas do ponto de vista do Orçamento temos de manter a linha que temos tido, nomeadamente a consolidação orçamental numa base de ganhos de eficiência, uma linha de crescimento económico que não promova desequilíbrios externos.
Mas as importações têm dados alguns sinais de alerta.
As importações são algo que penso que têm de ser sempre interpretadas com bastante cuidado. A ideia de que é possível crescer exportando e importando pouco, é um algo que é um mito. Porque boa parte das nossas importações servem precisamente para exportar. Porque hoje em dia a economia mundial está organizada com cadeias de produção mundiais e, portanto, nós importamos, fazemos a nossa parte, e depois exportamos.
Mas a taxa de incorporação das importações pelas exportações é anormalmente alta. Se calhar porque damos pouco valor acrescentado aos produtos.
Eu não diria que produzimos pouco valor acrescentado. Diria que à medida que os níveis de formação, de capital humano, de capacidade de investimento interno aumentarem, podemos gerar mais valor. Mas não podemos esperar que uma pequena economia aberta, integrada numa união monetária, e que tem níveis e capital humano ainda reduzidos, em termos de população ativa,…
A ideia de que é possível crescer exportando e importando pouco, é um algo que é um mito.
Mas também temos que ter em atenção uma coisa: os novos fluxos são tão ou mais educados, chamemos-lhes assim, do que aqueles que estão nos países que concorrem connosco. Temos um stock, uma mão-de-obra que tem um determinado nível de formação. Não posso querer ter níveis de produtividade e de investimento com um grau de incorporação tecnológica tão elevado como o de outros países, sem ter uma mão-de-obra adequada. Qual é a forma que temos de o fazer? É através daquilo que se chama de ‘progresso técnico incorporado’, ou seja, empresas estrangeiras que exploram e utilizam os recursos que temos e que são cada vez mais educados, que importam parte daquilo que não é possível fazer cá, fazem cá a parte que é mais rentável e mais viável, e que depois exportam.
É natural que tenhamos esses processos. Depois há casos de setores específicos. Estou a falar, por exemplo, do setor energético, produção de produtos refinados, obviamente que têm uma componente de produtos exportados significativa.
Voltando à parte orçamental, o que se ouve na discussão pública são só medidas para mais despesas ou menos receitas: descongelamento de carreiras, descida do IRS… Esta notícia do rating não coloca ainda mais pressão nesse sentido?
Eu acho que coloca menos pressão no sentido em que a alteração do rating vem confirmar que esta é a estratégia correta, e que vai ter de ser prosseguida. Vamos ter de fazer essa discussão, dentro daquilo que são os limites orçamentais, os compromissos orçamentais que temos assumido, para cumprir um défice que é aquele que está no Programa de Estabilidade: 1,5% este ano e 1% no ano que vem. Portanto, tudo isto num quatro de grande responsabilidade, em diálogo obviamente com os partidos que suportam o Governo no Parlamento, e que têm tido ao longo deste período nas discussões um comportamento exemplar, e um contributo muito significativo. Portanto, diria que é muito importante, e ganhamos em ter esta configuração de Governo, em que a discussão é mais pública e em que há uma maior base de representação daquilo que é a base da vontade geral do povo português expressa nas eleições, nas decisões em que se consubstancia o Orçamento.
Os resultados na economia são melhores do que o esperado. É possível ir além de 1,5% este ano?
O objetivo para este ano é 1,5%. Nós estamos focados em cumprir esse objetivo, não temos nenhuma obsessão em ir além dos objetivos. No ano passado, por razões circunstanciais foi possível, e aconteceu. Obviamente que o défice que se tem no final do ano não é uma ciência exata, é sempre possível que haja ligeiros desvios, mas o objetivos mantém-se.
Nós estamos focados em cumprir esse objetivo, não temos nenhuma obsessão em ir além dos objetivos. No ano passado, por razões circunstanciais foi possível, e aconteceu.
Colocaram no Programa de Estabilidade 200 milhões para desagravar o IRS. Ficaremos por aí?
É nessa base que estamos a trabalhar. Se decidirmos politicamente ir além desses 200 milhões, há algo que vai ter de deixar de ser feito, ou há eficiências que vão ter de ser encontradas para compensar qualquer valor que esteja acima dos 200 milhões. Essa é a parte da discussão.
Está a pensar nalguma outra área específica para se cortar?
Não estou a pensar em nada específico. Estou só a dar aquilo que é a estratégia. Existem valores que estão determinados. Se quisermos ter mais despesas ou menos receitas em algumas das rubricas, então temos que compensar numa outra rubrica que permita manter o objetivo orçamental.
Os partidos que apoiam o Governo dizem que não querem que a baixa de taxa nos escalões inferiores beneficie os escalões mais elevados, pelo efeito da marginalidade do imposto. Mas o primeiro-ministro diz ao mesmo tempo que ninguém vai ter aumento de imposto. Como é que resolvem este problema?
É uma discussão que está a ser feita e que neste momento não esta concluída.
Mas, é preciso aumentar a progressividade no IRS?
É uma análise que está a ser feita. Não quero revelar o que poderiam ser opiniões pessoais, o que está em causa é uma política do Governo, não é só do Ministério das Finanças, e o que quer que venha a ser feito tem implicações em todo o Governo do ponto de vista dos plafonds e do que existe para todos os ministérios. Estamos a olhar, a estudar, a perceber o que é que é justo fazer. Obviamente, a progressividade do IRS é algo que é caro a um governo com a orientação política do Governo atual e com o suporte político que tem, mas temos a noção de que essa progressividade tem limites e tem efeitos sobre os incentivos das famílias e dos trabalhadores…
A progressividade não chegou ao limite quando 11% dos contribuintes pagam 70% do IRS?
É a análise que estamos a fazer. É uma ponderação política muito fina, sobretudo quando estamos a falar com montantes disponíveis para fazer essas alterações da ordem dos 200 milhões de euros.
Que é feito da poupança? Nas discussões sobre o Orçamento, não se fala em poupança, e a das famílias é agora da ordem dos 4% do rendimento disponível. Como é possível um crescimento económico sustentado e investimento sem poupança?
A poupança de que está a falar é a das famílias e é preciso ter a noção de que estamos a medir um fluxo e não um stock, ou seja, estamos a falar da poupança feita ao longo do ano e não da acumulada. Num país que passou uma recessão prolongada e em que as pessoas usaram parte das suas poupanças para fazer face a perdas de rendimento, não só as suas como das suas famílias.
Estamos agora a ter uma recuperação mais sustentada e, por isso, é normal que os níveis de poupança comecem a subir. Mas, para isso, é preciso que atinjamos níveis de rendimento em que as pessoas já tenham satisfeitas necessidades básicas e o serviço da dívida. Lançamos, de qualquer forma, as OTRV, que tiverem um nível de atratividade extraordinária, muito superior ao que se antecipava. À medida que a economia cresça e que surjam produtos de poupança do setor privado, e com taxas de juro um pouco mais altas, espera-se que a poupança aumente.
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
Mourinho Félix: “Se formos além dos 200 milhões no IRS, algo vai ter de deixar de ser feito”
{{ noCommentsLabel }}