Muda: “Portugal pode ser um país digital by default”

O Muda é um movimento "pela utilização digital ativa" e quer que Portugal seja, por defeito, um país digital. Alexandre Nilo da Fonseca, responsável do movimento, explicou tudo ao ECO.

Têm sido vários os alertas para a necessidade de uma economia mais digital. O Muda, Movimento pela Utilização Digital Ativa, é uma das organizações que está a tentar isso mesmo. Nomeadamente, quer que o país seja digital por defeito e que o papel seja, meramente, uma opção. A ideia é ambiciosa e exige uma mudança de cultura e de leis, até porque algumas já estarão desatualizadas a este nível.

Ao ECO, o responsável e diretor executivo do Muda, Alexandre Nilo da Fonseca, explicou o conceito da iniciativa e que passos estão a ser dados para lá chegar. O gestor reconheceu que “Portugal tem estado na linha da frente” em muitas vertentes do digital, mas a iliteracia de uma parte da população ainda é uma barreira. De qualquer forma, mantém acesa a esperança de que o país pode mesmo ser digital by default e “liderar” a revolução digital em curso.

O que é a iniciativa digital by default, promovida pelo Muda?

O Muda é um movimento pela utilização digital ativa. Nasce de uma análise ao mercado português sobre a necessidade de termos um país em que todos os cidadãos possam beneficiar dos serviços digitais que as empresas e o Estado proporcionam — sendo certo que, nos últimos dez anos, muito tem sido feito em prol da digitalização do país. Em variadíssimas vertentes, Portugal tem estado na linha da frente no que concerne à digitalização do país.

No entanto, existem duas áreas em que nós não estamos particularmente bem. Nomeadamente, ao nível de literacia e da utilização que os portugueses fazem da internet. Cerca de 25% da população nunca usou a internet e cerca de 40% dos portugueses, sendo utilizadores da internet, o fazem de uma forma muito básica. Somente 30% da população tem competências digitais avançadas e está a tirar partido de tudo aquilo que é possível fazer: usam o que é mais básico, mas fazem também compras eletrónicas, usam o home banking e fazem uma utilização do digital na sua totalidade.

Tem de haver uma responsabilidade por parte dos cidadãos, no sentido de dizer que se calhar não vale a pena continuar a receber as faturas ou extratos em papel.

Alexandre Nilo da Fonseca

Diretor executivo do Muda

Digital by default pressupõe que, pelo menos ao nível do Estado, uma notificação seja feita por via eletrónica e não em papel, por exemplo. Mas essa falta de literacia não faz com que isto venha a marginalizar certas camadas da sociedade?

Temos de ter a noção de que não temos um país todo à mesma velocidade. E há algo que é muito importante perceber na relação entre as empresas e as empresas, as empresas e o Estado e as empresas e os consumidores, que é uma utilização muitíssimo grande de papel. Hoje temos uma sociedade que é, no essencial, paper by default. Quando temos de assinar um contrato, é-nos pedido que assinemos uma versão em papel. Continuamos, de uma forma geral, a receber faturas em papel, a receber os extratos dos bancos em papel. Isso é preocupante. Uma parte do país ardeu nos últimos meses, o que quer dizer que vamos ter de o reflorestar. Temos de fazer um investimento fortíssimo nessa área e, ao mesmo tempo, estamos a gastar papel que deitamos para o lixo assim que ele chega a casa.

Tem de haver uma responsabilidade por parte dos cidadãos, no sentido de dizer que se calhar não vale a pena continuar a receber as faturas ou extratos em papel e que tem de aderir às versões eletrónicas deste género de comunicação. Mesmo na administração pública, tem de haver um esforço que nós acreditamos que passa por uma mudança de alguns aspetos da legislação. Hoje, a legislação é essencialmente favorável à utilização do papel. E isso tem de mudar.

Mas isto é apenas numa lógica de redução do uso do papel?

Tem muito mais do que isso, mas diria que há um princípio importante que tem a ver com a redução da utilização do papel. O papel também é muito ineficiente. Há todo um processo de perda de eficiência e com custos completamente substituível por outro tipo de sistemas. Continuamos a ter a necessidade de as empresas manterem arquivos durante cinco ou dez anos que poderiam perfeitamente ser arquivos digitais. Temos um plano de ação no qual apresentamos um conjunto de medidas que passam pela alteração da legislação. Noutros casos, são recomendações de boas práticas que tanto as empresas como o Estado devem adotar.

"Continuamos a ter a necessidade de as empresas manterem arquivos durante cinco ou dez anos que poderiam perfeitamente ser arquivos digitais.”

Alexandre Nilo da Fonseca

Diretor executivo do Muda

Mas digital by default não quer dizer digital only. Por defeito, as pessoas vão passar a receber, por exemplo, faturas eletrónicas ou extratos digitais. Os portugueses que não queiram, nesta fase, adotar o digital, podem continuar a receber em papel. No fundo, o que estamos a dizer é que, por defeito, o envio será digital. E provavelmente muitos portugueses ficarão satisfeitos de poder ter esse tipo de ferramentas todas digitalizadas. Aconteceu com os cheques e com as listas telefónicas, em que houve um período de transição do papel para o digital.

Ainda não me respondeu se isto não vai marginalizar pessoas que já estão marginalizadas, quer pela iliteracia digital, quer pela falta de acesso a equipamentos.

Uma das coisas que temos de assegurar quando fazemos este tipo de mudanças é garantir que todos os portugueses têm acesso à internet. Temos a convicção que o acesso ao digital deve ser um direito, mais do que uma oportunidade. A verdade é que, hoje, os portugueses que não usam o digital estão, de certa medida, afastados de uma realidade a que nós hoje todos temos acesso.

"Temos a convicção de que o acesso ao digital deve ser um direito, mais do que uma oportunidade.”

Alexandre Nilo da Fonseca

Diretor executivo do Muda

O Muda está focado em providenciar um conjunto de ações: começámos com um roadshow, mas a próxima ação que consideramos muito importante vai ser a criação dos voluntários Muda. A maior parte dos jovens sabe criar um email, sabe abrir uma conta numa rede social, sabe fazer o essencial da utilização de ferramentas de comunicação. Vamos desafiar os jovens a serem atores principais nesta mudança. Acreditamos que podem ajudar os pais, os avós, os familiares, amigos e vizinhos a fazerem, precisamente, essa transformação. E vamos ajudá-los também a fazer esse processo. Temos um conjunto de tutoriais que podem ensinar como ajudar os não digitais a serem mais digitais.

O setor público está a acompanhar esta transição a uma velocidade satisfatória ou está, de alguma forma, atrasado?

Portugal é hoje uma referência mundial em termos da oferta de serviços públicos digitais. Isto é inequívoco. Estamos particularmente à frente, quer na Europa, quer até a nível mundial. A questão que se coloca é: se nós oferecermos um conjunto de serviços digitais, mas depois não tivermos uma população que os saiba utilizar, vamos continuar a ter essa dissonância entre os que sabem usar e os que não sabem usar.

"Portugal pode ser um país digital by default e, mais uma vez, liderar essa revolução.”

Alexandre Nilo da Fonseca

Diretor executivo do Muda

Do ponto de vista do Muda, há algo muito importante que precisa de ser feito. Nós temos uma legislação 1.0, quando precisávamos de ter uma legislação 4.0. Precisamos de uma legislação que tenha a capacidade de acompanhar os tempos e perceber que os tempos mudaram muito. Hoje, muita da legislação fala no suporte em papel e no microfilme, quando já não estamos nessa época.

O que era muito importante era que houvesse uma revisão. O Muda fez um levantamento extensivo nas mais variadas áreas, para apurar qual é a legislação que está desatualizada e que precisa de ser adaptada aos dias de hoje. Mas há aqui um trinómio: saber fazer, querer fazer e, depois, poder fazer. Portugal pode ser um país digital by default e, mais uma vez, liderar essa revolução.

  • Paula Nunes
  • Fotojornalista

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