Pedro Nuno Santos defende uma reforma do modelo de financiamento da Segurança Social, não exclui o regresso das Parcerias Público-Privadas na Saúde e diz que não há nenhuma bala de prata na habitação.
Pedro Nuno Santos mantém a intenção de devolver o tempo de serviço aos professores e não vê problemas no aumento a prazo da despesa no pagamento de pensões com esta decisão. Mas, na Segurança Social, defende uma reforma do seu modelo de financiamento. “Devemos fazer essa discussão, é uma discussão que está por fazer em Portugal“, afirma em entrevista ao ECO no dia anterior à votação dos militantes do PS nas eleições para secretário-geral do partido.
Admite devolver o tempo de serviço dos professores, uma decisão que poderá custar anualmente cerca de 300 milhões de euros, mas sinaliza que este esforço vai diminuir ao longo do tempo com a saída para a reforma. Diminui o valor da despesa com pessoal, mas carrega no orçamento da Caixa Geral de Aposentações.
Essa questão já foi colocada algumas vezes, mas é muito fácil de responder. As pensões são calculadas em função dos descontos.
Não há uma relação direta, como sabe. São os ativos a pagar as pensões com os respetivos descontos.
Não há uma relação direta, mas está construída em função dos descontos. Aliás, tem-se em consideração toda a carreira contributiva, mas está construída em função dos descontos e, por isso, se a pensão é mais elevada, é porque o salário também foi mais alto. Nós não salvamos a nossa Segurança Social pagando salários mais baixos.
Se for primeiro-ministro, vamos ver o que dirá o seu ministro das Finanças.
A recuperação do tempo de serviço dos professores não tem de ser uma preocupação da Segurança Social, porque é financiada com um conjunto de regras em função dos descontos. e isso não vai ser alterado. Neste momento, os cálculos que existem sobre Segurança Social dão-nos alguma segurança, mas não sabemos como é que vai ser a economia daqui a 20 anos, é um facto. Mas hoje não temos um grande motivo de preocupação. Isso não quer dizer que não possamos e não devamos olhar para a Segurança Social e discutir uma reforma até do seu próprio financiamento. A evolução e a mudança tecnológica colocou-nos aqui algum desafios que não podemos continuar a ignorar.
Temos setores de mão de obra intensiva, com um número de trabalhadores muito elevado, e como temos uma Segurança Social que é financiada em função do trabalhador, temos empresas do setor têxtil, vestuário, calçado que descontam por cada trabalhador e depois temos empresas tecnológicas, de capital intensivo e com poucos trabalhadores, que acabam por contribuir menos.
Neste momento, os cálculos que existem sobre Segurança Social dão-nos alguma segurança, mas não sabemos como é que vai ser a economia daqui a 20 anos, é um facto. Mas hoje não temos um grande motivo de preocupação. Isso não quer dizer que não possamos e não devamos olhar para a Segurança Social e discutir uma reforma até do seu próprio financiamento. A evolução e a mudança tecnológica colocou-nos aqui algum desafios que não podemos continuar a ignorar.
É preciso outra reforma do sistema?
Devemos fazer essa discussão, é uma discussão que está por fazer em Portugal, e devemos fazê-la porque os sistemas públicos, os serviços públicos e o sistema público de pensões em particular, não pode ignorar as mudanças tecnológicas e demográficas a que estamos a assistir. Uma reforma que passa pela diversificação das fontes de financiamento da Segurança Social, que não dependa exclusivamente dos descontos por trabalhador.
Considera, por exemplo, que empresas de capital mais intensivo possam pagar contribuições superiores às das empresas de mão-de-obra intensiva?
A modalidade tem que ser bem discutida…
Esta não é a oportunidade certa para fazer esta discussão?
Sim, é, mas não vamos fechar nenhum modelo, queremos discuti-lo com a sociedade portuguesa, com as organizações que representam as empresas, com as organizações que representam os trabalhadores.
Tínhamos uma boa oportunidade: A divulgação do relatório sobre a sustentabilidade da Segurança Social só vai ser feita depois das eleições. A razão invocada foi precisamente a das eleições.
Eu não conheço [as razões], se está pronto, não vejo nenhuma razão para que não seja público, isso poderia até ser interessante para o nosso debate. Agora, esta é a ideia. E não é só uma ideia vaga de diversificação das fontes de financiamento. E não é a nossa intenção privatizar parcialmente ou ‘plafonar’ a Segurança Social.
Por falar em privatização da Segurança Social, afirmou nesta campanha que que o Governo tem de conseguir que o Serviço Nacional de Saúde torne desnecessário o recurso aos seguros privados. O SNS receberá mais de 13 mil milhões de euros em 2024, como é que garante um menor recurso aos seguros sem fazer disparar a despesa pública?
Uma parte considerável desse dinheiro é para pagar a contratualização de serviços com os privados.
Estava a falar dos seguros de saúde. Como é que se garante esse objetivo sem aumentar o peso da despesa pública em saúde no PIB?
Desde logo, precisámos de uma reforma, de uma reforma da organização do próprio SNS que está a dar os seus primeiros passos, e que é muito importante…
Ao fim de oito anos?
A reforma que está a começar a ser implementada, e precisámos que amadureça para percebermos se produzirá os resultados esperados, esta aposta nos cuidados de saúde primários, na criação das unidades locais de saúde junto aos hospitais, na multiplicação das unidades de saúde familiar tipo B,..
…mas já não deveria ter sido feito?
Nós vamos tendo problemas para resolver ao longo do tempo. O Governo do PS foi dando resposta a muitos problemas, a diferentes crises com que nos fomos deparando. O Serviço Nacional de Saúde, ainda recentemente, esteve num grande esforço a dar resposta a uma pandemia, Agora está a ser implementada uma reforma a que é preciso dar tempo para que produza os seus resultados. E achámos que o investimento nesta reorganização vai aliviar os hospitais de uma parte considerável da procura, portanto esta transição é muito importante. A paz com o sector, nomeadamente com os médicos, é também muito importante…
…custou mais 90 milhões…
…para que a reforma dê resultado, isso também é muito importante. Depois, há a internalização de alguns dos serviços que são os contratualizados.
Mas se a contratualização for mais eficiente, não é melhor para o Estado?
Tenho dúvidas, e esse trabalho tem que ser feito. A racionalização dos próprios recursos do Estado implicam que o Estado assuma algumas das tarefas com hoje contratualiza.
E vai gastar mais dinheiro. Se não as faz hoje, por alguma razão será.
Isso não é certo. No primeiro Governo do PS de 2015, tínhamos uma sobreposição da despesa com a educação, porque tínhamos equipamentos públicos que funcionavam a 50% e do outro lado da rua tínhamos instituições de ensino que eram financiadas pelo Estado. Há uma racionalização que tem que ser feita, não só na reorganização, mas também na relação do SNS com o setor privado. O setor privado da saúde é muito importante, isso não está em causa.
Não está em causa?
Não, não há nenhuma razão para estar, era só o que faltava. As pessoas são livres de poder recorrer ao Serviço Nacional de Saúde ou ao sistema privado de saúde. Isso não está em causa.
Não quer esmagar o setor privado de saúde?
Não, a motivação não tem nada a ver com isso, era só o que faltava. O setor privado na área da saúde, como em qualquer área, tem todo o direito de fazer o seu trabalho, e deve-o fazer, servir bem os seus os utentes ou os clientes.
Utentes.
Utentes ou clientes, pessoas que recorrem a todos os setores, não estava a pensar só na saúde. Agora, o Estado tem que gerir bem aquilo que é da sua responsabilidade, e gerir com racionalidade aquilo que é da sua responsabilidade.
Considera que é possível reverter esta necessidade dos portugueses de subscreverem seguros de saúde para acederem a hospitais privados, mantendo o mesmo nível de despesa.
Eu julgo que há um caminho muito grande a fazer com o mesmo nível de despesa para conseguirmos que o SNS faça mais do que o que faz. Mas também é verdade, a propósito, de fazer mais do que o que faz, que o SNS produz hoje mais do que produzia em 2015, seja em termos de consultas, seja em termos de cirurgias. Estou a dizer é que o Serviço Nacional de Saúde tem de conseguir dar uma resposta valorizada, desde logo, pela classe média. O pior que pode acontecer ao país e aceitarmos um Serviço nacional de Saúde enfraquecido, apenas para os mais pobres e com a classe média toda com seguros privados. Nós queremos evitar esse cenário.
As Parcerias Público-Privadas (PPP) prestavam um serviço com mais eficiência e menos custos para o orçamento, de acordo com relatórios oficiais da Entidade Reguladora da Saúde e do próprio Tribunal de Contas. Admite o regresso às PPP na saúde?
Não há nenhum complexo ideológico com isso.
A ministra Marta Temido tinha…
…mas eu não tenho nenhum complexo com as PPP. Temos PPP na construção, e estamos a falar de três hospitais em mais de 100. Concentrámos um grande debate sobre três parcerias público privadas em dezenas de largas unidades hospitalares. Não há nenhum preconceito sobre essa matéria, e acho que as experiências de gestão privada em serviços públicos que não podem ser ignoradas por e com a qual devemos aprender. Não há nenhuma razão para que um hospital público ou uma empresa pública, seja em que setor for, não seja tão bem gerida quanto uma empresa privada ou um hospital privado.
E o contrário também. Um privado pode prestar um melhor serviço público do que o Estado a fazê-lo diretamente.
Correto, [mas] no caso da saúde, a situação é um bocadinho mais complexa. É fácil que os casos mais complexos e difíceis sejam canalizados para hospitais públicos, porque um hospital público nunca pode dizer que não. E isso é uma dimensão neste setor que torna mais difícil essa avaliação.
Se o acordo estiver bem contratualizado, se o Estado souber fazer os contratos, o risco…
Bem contratualizado, bem fiscalizado, começámos a colocar camadas de controlo que também são um custo. E o problema dessa contratualização externa é que vamos precisar de fazer um controlo que, quando é feito diretamente pelo Estado, não precisa.
Portanto, PPP, sim, eventualmente, mas logo veremos.
É isso.
A habitação é um tema que lhe é particularmente caro, foi ministro da tutela durante cerca de dois anos. Depois de vários programas, a verdade é que, ao fim de oito anos, temos um enorme problema, agravado e não foi só em Portugal, Os sucessivos programas, nomeadamente alguns que conduziu, falharam.
Não, não todos.
O que é que correu bem? De um exemplo do que correu bem, do que está feito?
O que está em curso teve que ser lançado nalgum momento, tivesse sido lançado há dez anos, e não estávamos como estamos. Em primeiro lugar, como disse, e bem, o problema da habitação não é um problema nacional, é um transversal, é um problema sério para todos os países, sejam eles governados pela esquerda ou pela direita, por governos mais intervencionistas e por governos mais liberais. Não há nenhum país governado pela direita que tenha conseguido resolver o problema.
o problema da habitação não é um problema nacional, é um transversal, é um problema sério para todos os países, sejam eles governados pela esquerda ou pela direita, por governos mais intervencionistas e por governos mais liberais. Não há nenhum país governado pela direita que tenha conseguido resolver o problema.
Há países com economias mais fortes e que suportam melhor a pressão dos preços, as pessoas têm rendimentos mais elevados.
Se tivesse ido às reuniões na Europa a que eu ia e a minha sucessora temos ido ao longo destes anos, percebia que o problema é severo em todos os países europeus, mesmo nos países mais ricos da Europa, mesmo até nos países que têm percentagens grandes de habitação pública. E isso deve-se a várias razões, uma delas uma economia ‘financeirizada’, em que a habitação se transformou num ativo de investimento, não só um ativo que cumpre a sua função residencial, mas um ativo que é procurado como refúgio para a liquidez que tem circulado nas nossas economias.
Muito por responsabilidade do BCE, à conta de taxas de juro zero e injeção de liquidez no mercado durante anos, e que todos os governos defenderam.
Teve consequências, não foi só isso, mas isso também teve consequências num inflacionamento dos preços em todos os países. E por isso Portugal também sofreu.
O ponto é a resposta portuguesa.
Já lá vamos, mas é preciso percebermos as causas para, depois, percebermos qual é a resposta adequada. E Portugal tem ainda um fenómeno que adensa o problema, que é obviamente a intensidade turística do nosso país e que contribui ainda mais, em cima deste fenómeno, contribui para aumentar os preços do setor imobiliário. A resposta simplista que a direita vai dando, de aumento da oferta, não resolve tudo.
Resolve alguma coisa?
Resolve alguma coisa, e quem é que, verdadeiramente, fez por isso? Nós, e foi durante o período em que eu fui ministro. Falava do 1º Direito. O 1º Direito é o maior plano de investimento público em habitação na história do país. Qual Plano Especial de Reabilitação (PER)…
Quantas casas foram construídas no programa do 1º Direito?
Eu fui ministro dois anos e a atual ministra, Marina Gonçalves, está lá há cerca de um ano. Os processos de investimento público demoram, infelizmente, muito mais do que o que gostaríamos. Agora, temos neste momento mais 18 mil em projeto, em construção e já entregues. Há um processo de investimento que envolveu e mobilizou quase todas as autarquias no país e está toda a gente a trabalhar para aumentar um parque público que representa apenas 2%…
Mas aumentar o parque público para 5% não vai mudar muito o problema da habitação.
Mas o António Costa, que é um liberal…
…sou jornalista…
…mas que torça para que a resposta seja essa. Depois, há a habitação privada, e aí o Estado também pode ter um papel. E o que é que o Estado está a fazer? O Governo, no Mais Habitação, definiu uma redução do IVA de 23% para 6% para a construção feita por privados quando é para arrendamento acessível, isto é, dirigido à classe média. Depois, há outra medida: O Estado vai disponibilizar terrenos públicos para investimento privado quando é para habitação dirigida à classe média.
Também acrescentou um conjunto de medidas que afastou o setor privado.
Não há nenhuma medida que afaste o investimento privado em Portugal. Isso é conversa. Tem havido investimento privado.
Este ano de 2023 o licenciamento caiu.
O imobiliário em Portugal tem um peso muito grande no investimento direto estrangeiro. Não tenho nenhum sinal…
Ninguém lhe disse que, com o pacote Mais Habitação, deixa de investir?
Não. Quando estamos a falar de aumento da oferta, seja daquela que é promoção pública, seja do investimento privado que vai ser estimulado com a redução do IVA, seja investimento privado que vai ser apoiado com terrenos públicos, a construção não é feita pelo Estado, não é o IHRU que vai construir. Agora, queremos construção dirigida à classe média portuguesa, não queremos apenas construção, que é o que temos tido nos últimos anos, apenas dirigida a segmentos mais altos, ainda por cima, que não são sequer de nacionais. Há aqui um esforço que está a ser feito, mas, infelizmente, não produz resultados imediatos. Não há nenhuma bala de prata para resolver no imediato a habitação. Entretanto, o Governo também tirou alguma pressão sobre a procura. Para lá da procura da casa própria para função residencial, foram retirados alguns estímulos, sejam os Vistos Gold, seja o regime de residentes não habituais.
O governador Mário Centeno admitiu publicamente que tinha a certeza que o fim do regime dos residentes habituais ajuda alguma a ultrapassar o problema da habitação em Portugal.
Está bem, mas eu não concordo. Se já temos uma procura com uma elevada pressão sobre o setor, retirar estímulos não resolve tudo isoladamente, mas, pelo menos, contribui… E depois há outra dimensão no regime de residentes habituais, a moral, que não pode ser ignorada quando fazemos política. Ter residentes não habituais, cidadãos estrangeiros, com rendimentos muito mais elevados do que muitos portugueses e que pagam menos IRS, isso não é aceitável.
O pacote Mais Habitação não precisa de nenhum tipo de ajustamento, novas medidas?
Podemos e devemos procurar medidas, apresentaremos mais medidas para a habitação no nosso programa eleitoral…
Se ganhar as eleições no PS.
Correto, apresentaremos e e achamos muito importante. Este é um tema central, mas não podemos perder de vista que é um conjunto de iniciativas que foi lançado que, não produzindo os seus efeitos imediatos, são a única maneira de nos darmos resposta. Senão, então, vamos dar espaço a exigências muito mais intervencionistas no mercado. Verdadeiramente, precisamos de aumentar a oferta dirigida à nossa classe média.
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