“Nas baterias estamos no início do jogo e a China já marcou, mas podemos dar a volta”

A Europa ficou "acomodada" nas matérias primas para as baterias, enquanto a China foi "astuta", diz o CEO da Savannah Resources. Há sinais encorajadores recentes, mas temos de acelerar, vinca.

Descoberto na Suécia por Johan August Arfevdson em 1817, o nome deriva da palavra ‘pedra’ em grego. Mas na verdade o lítio é um metal e é atualmente um dos mais importantes para a transição energética, nomeadamente para baterias. “Neste momento é muito difícil fazer qualquer transição sem ter acesso a matérias-primas críticas e uma delas é o lítio“, diz Emanuel Proença, CEO da Savannah Resources, no podcast do ECO ‘À Prova de Futuro’.

O líder da empresa britânica – que vai investir perto de 415 milhões de euros para começar a extrair lítio em Boticas (Trás-os-Montes) em 2028 – reconhece que a Europa está atrás na mobilidade elétrica, incluindo na produção de lítio e que a China foi “astuta”.

Proença salienta, no entanto, “mudanças muito consideráveis na forma como vários atores europeus olham para este tema”, incluindo a Comissão Europeia e o Banco Europeu de Investimento. Mas será que conseguiremos concorrer com a China na questão dos preços? “A curva de redução de custos das baterias, a curva de aumento de eficiência dos produtos que estão a sair desta fileira, sejam eles carros, drones, robôs e tantas outras coisas, está em otimização fortíssima”, responde.

Admite que há trabalho a fazer, porque a Europa é um espaço que tem standards muito elevados de trabalho e esses são bons, mas associado a esses standards criou por vezes sistemas demasiado burocráticos e lentos na tomada de decisão e de ação. “E para recuperar atraso temos de andar um bocadinho mais rápido”, aconselha. “No 1 a 0 em que estamos a perder nós temos de assumir as despesas do jogo e acelerar, claro”.

Emanuel Proença, CEO da Savannah Resources, em entrevista ao podcast do ECO “À Prova de Futuro”Hugo Amaral/ECO

Estamos aqui para falar da sustentabilidade, nomeadamente a propósito do Dia Nacional da Sustentabilidade no dia 25 de setembro, portanto vamos começar com uma pergunta larga. Qual é o papel do lítio na sustentabilidade?

É uma pergunta muito aberta e de resposta bastante direta e bastante fácil. Para se transformar a mobilidade, para se transformar a forma como produzimos, armazenamos e gerimos energia, para se transformar a forma como interagimos com gadgets, com drones, com robótica e por aí adiante, precisaremos de matérias-primas que são aquelas que vêm substituir o petróleo e os seus derivados, o gás natural e por aí adiante, que foi aquilo que sustentou a economia e a mobilidade ao longo destas últimas décadas e ainda a sustenta. Eu trabalho em transição energética, na mobilidade de uma forma ou de outra há 15 anos e, portanto, acompanho este tema muito de perto. Essas matérias-primas críticas, uma das primeiras, uma das mais estratégicas e mais necessárias é precisamente o lítio. Não há hoje forma de produzir baterias sem ter lítio, tirando em situações muito excepcionais de nicho e que não têm aplicação em massa e em escala. E é por isso que o consumo de lítio de 2020 a 2050 se multiplica por 40 vezes, um mercado que passa a ser 40 vezes maior, e é por isso que quem quer trabalhar bem a transformação industrial, a transformação económica e a transformação da sustentabilidade que estamos a viver nos nossos tempos, precisará de ter acesso a lítio. Portanto, nós estamos aqui para ajudar a que isso aconteça a partir da Europa com um projeto de mina ultra-sustentável, seguindo os padrões mais desafiantes de compromisso para com também o meio ambiente local e a entrega de sustentabilidade local, para que a Europa tenha também as suas ferramentas para trabalhar neste mundo.

Sem lítio neste momento não há transição?

Neste momento é muito difícil fazer qualquer transição sem ter acesso a matérias-primas críticas e uma delas é o lítio.

Falava dos dados. A Comissão Europeia estima que a União Europeia precisa de 18 vezes mais lítio em 2030 do que consumiu em 2020 e cerca de 60 vezes até 2050. São metas muito altas.

São necessidades muito altas.

A economia chinesa antecipou esta necessidade. Fala-se sempre quando se vê grandes transformações, lembramos dos momentos Kodak, dos momentos Nokia e por aí adiante, esses momentos normalmente são mais difíceis de seguir por incumbentes e a Europa, de certa forma, nesta temática, era incumbente

Procura muito elevada, como vemos pela profusão de carros elétricos. Mas com os projetos atuais, acredita que estas necessidades são passíveis de serem satisfeitas ou temos mesmo que carregar no pedal, usando uma expressão automóvel, já agora, para chegarmos lá?

Temos de fazer muito mais ao longo dos próximos anos, mas a indústria e a economia vão responder a essa necessidade adicional. Portanto, eu não tenho dúvida que com o trabalho ao longo desta geração vamos conseguir chegar aos objetivos necessários para ter uma mobilidade mais sustentável, uma economia mais pujante e mais forte e um futuro mais interessante. Mas para fazer isso, a grande questão é quem o fará e quem é que conseguirá acrescentar valor no sistema fazendo isso. Quem conseguirá não ser só consumidor, quem conseguirá ser também produtor dessas soluções. E aí o mercado chinês foi astuto. A economia chinesa antecipou esta necessidade. Fala-se sempre quando se vê grandes transformações, lembramos dos momentos Kodak, dos momentos Nokia e por aí adiante, esses momentos normalmente são mais difíceis de seguir por incumbentes e a Europa, de certa forma, nesta temática, era incumbente. Ainda tem uma indústria de produção de veículos a combustão interna muito forte e, portanto, tem mais dificuldade em antecipar a nova onda que aí vem. A China não tinha isso e, portanto, 10 ou 15 anos antes da Europa, começou a trabalhar esta temática com muita força e capacidade. E hoje tem uma vantagem em alguns dos temas mais críticos para que se tenha sucesso enquanto economia nestas novas indústrias que se estão a montar. A Europa tem um papel muito importante a desempenhar nestes temas e tem de o desempenhar. São 15 milhões de empregos na mobilidade que hoje existem na Europa, na produção e venda de veículos pela Europa fora, mais outros milhões de empregos noutras indústrias que são transformadas pelas baterias e, portanto, evidentemente que temos de estar à altura de transformar o nosso tecido industrial e económico para que consiga trabalhar neste novo paradigma que se está a criar.

Uma questão é a indústria automóvel europeia finalmente acordar e mudar para gamas de veículos elétricos, com algum atraso, provavelmente com mais custos do que a China, porque a China tem fabrico de baterias em massa crítica que nós não temos. Já tivemos aqui neste palco algumas pessoas a dizerem que não vale a pena, é muito tarde, tentarmos criar fábricas de baterias na Europa porque não vale a pena, o melhor é comprar e usar. Mas há outros, que dizem que cuidado, porque há aqui uma guerra comercial. Já nos veículos elétricos já há uma guerra comercial e vivemos num ambiente de guerra comercial a nível global. Pode ser perigoso ter essa dependência. Como é que vê o mercado internacional?

Quando vemos frases de ‘não vale a pena’, há uma tentação para haver aí um pragmatismo. Há também uma tentação para haver aí uma posição acomodada. E a verdade é que é desafiante fazer este caminho. Mas a Europa ficou acomodada em muitas coisas ao longo dos últimos anos e não se saiu bem desse acomodar. E hoje é um bom dia para me fazer essa pergunta, eu estou a sair do final da conferência de matérias-primas críticas para baterias que está a acontecer em Lisboa, no Convento do Beato, e portanto estive nestes últimos três dias a falar com cerca de 350 atores desta temática, portanto empresas que trabalham na fileira das matérias-primas críticas, na fileira do lítio, na fileira das baterias, na fileira dos carros elétricos e por aí adiante. Agora, nestes dias, estiveram cá 350 desses representantes de empresas deste setor em Lisboa a falar esse tema. E todos dizem que há muito trabalho a fazer, mas que esse trabalho é para fazer. E quando é para fazer, aquilo que eu digo é nós somos parte da solução e há outros que são parte da solução a partir de Portugal. E se conseguirmos fazer mais ainda a partir de Portugal para servir esta transformação, beneficiaremos todos. Beneficiará pela sustentabilidade, beneficiará a economia, beneficiará Portugal que consegue atrair empregos qualificados e bem pagos porque é aquilo que estas indústrias que transformam o mundo fazem. E conseguiremos todos ter uma solução muito mais interessante para a frente. Não tenho a menor dúvida que há muito trabalho a fazer, também não tenho a menor dúvida que esta revolução das baterias está no início do jogo. Eu já fiz a analogia a um jogo de futebol. Se nós estivéssemos num jogo de futebol, nós provavelmente estávamos no minuto 20 do jogo e a China tinha marcado um golo. Mas vamos à luta e podemos dar a volta. E não podemos só dar a volta. Eu acho que no final do jogo, o mundo melhorou. O mundo terá melhorado. O mundo terá uma economia, no seu geral, mais sustentável, mais interessante para as próximas gerações. A questão é quanto é que nós participaremos nesse mundo futuro e quanto é que nós beneficiaremos. E nós estamos cá para assegurar que teremos um papel chave.

Nós estamos dispostos a pagar por isso? Naturalmente há questões de escala e preço. Quando eu vou comprar um carro, o preço é um dos fatores cruciais.

Evidentemente, mas a resposta é sim e não. Eu não antecipo que a médio e longo prazo uma transformação destas aconteça com perda de eficiência económica no global. A ideia de que as pessoas vão pagar sustentadamente mais por um carro porque ele é um bocadinho diferente, essa ideia não tem aderência à prática. Nas curvas de adoção de qualquer tecnologia acontece que há alguns que fazem a adoção inicial por moda, por interesse, por gosto de experimentar, mas a massa só é alcançada com eficiência. E, portanto, esta indústria, aquilo que tem de transformador, é que ela traz soluções mais eficientes. Eu trabalhei bastantes anos na indústria dos combustíveis e dos combustíveis verdes, portanto conheço bastante bem as alternativas. E a curva de redução de custos das baterias, a curva de aumento de eficiência dos produtos que estão a sair desta fileira, sejam eles carros, drones, robôs e tantas outras coisas, está em otimização fortíssima. E da mesma forma que nós víamos o solar há 10, 15 anos atrás, dizia-se que era um bocado difícil, estava a crescer, mas ainda custoso e por aí adiante, no caso das baterias nós já estamos na fase de começo na adoção em massa. Nós já chegámos ao momento em que boa parte das soluções que saem desta fileira já são mais custo-eficiente do que são as alternativas, para além de serem mais sustentáveis.

A Comissão Europeia tem falado muito sobre apostar nestas áreas. Há dias fez um ano desde a a apresentação do relatório Draghi que falou muito sobre a transição energética, mas algumas notícias mostram que há muita conversa e das medidas ainda há pouco. Como é que vê a União Europeia a agir nesse sentido? Está a apoiar bem? O que é que precisa de fazer mais?

Quando vemos um setor industrial a arrancar e vemos um setor industrial similar no outro lado do mundo a concorrer e já está mais adiantado à velocidade a que trabalha, é fácil nós acharmos que, bolas, isto está difícil, está difícil de descolar, está difícil fazer a diferença. Mas ao mesmo tempo que isso está a acontecer, ao longo dos últimos 12, 18 meses, vi mudanças muito consideráveis na forma como vários atores europeus olham para este tema. O Banco Europeu de Investimento, nos últimos 30 anos, fez muito poucos investimentos na fileira. Ao longo destes últimos 12 meses fez dois investimentos no tema, um na Finlândia e outro em França. Achávamos há um ano, dois anos atrás, que as marcas automóveis europeias não conseguiram trazer produtos fortes para o mercado. Este ano, 2025, está a demonstrar o contrário, está a demonstrar que estão a começar a trazer soluções fortes. Temos na nossa sub-área de especialidade a Kelibre, na Finlândia, está há poucos meses de começar a produzir, já está construída e há poucos meses de começar a produzir. A AMG, com quem estive há bocadinho, tem a sua refinaria na Alemanha já a trabalhar. Temos vários outros projetos um bocadinho pela Europa fora a começar a gerar resultados. Temos a CATL, chinesa, mas no sul de Espanha, a preparar uma fábrica de baterias. Temos a LG Energy, a Hungria, já a produzir. Temos uma série de outras que são ou europeias ou multinacionais a trabalhar na Europa cada vez mais avançadas. E em Portugal isso também está a acontecer, connosco, com o projeto da Lifthium para a refinaria, com o projeto da CALB para Sines e com vários outros projetos pelo país fora neste tema. É importante mostrar também um bocadinho, dar um bocadinho de noção de escala de oportunidade aqui. E acho que vale a pena passar 30 segundos sobre isso. Só o nosso projeto, com aquilo que demonstrou ter de recurso, anunciámos uma atualização do recurso na segunda-feira [dia 15 de setembro], portanto, é informação fresca, evidentemente que já a vínhamos trabalhando há alguns meses, mas tornou-se formal. Só com aquele recurso nós conseguimos alimentar 19 milhões de veículos 100% elétricos ao longo dos próximos anos. Portugal tem, nas suas estradas, cerca de seis milhões de veículos. Conseguimos eletrificar toda a frota automóvel portuguesa três vezes e temos mais uma série de coisas a fazer. A fábrica da CALB é capaz de produzir riqueza equivalente a quase 4% do PIB nacional. As outras fábricas em conjunto, incluindo a nossa, já aquelas que estão anunciadas ao dia de hoje, poderão aproximar-se de cerca de 10% do PIB nacional. Para um país que precisa de desenvolvimento económico, que precisa de voltar a ser atrativo para as gerações futuras e que precisa de criar riqueza para gerar melhores empregos e mais bem pagos, esta é uma oportunidade de ouro. E é uma oportunidade que temos de agarrar.

É encorajador e é bom ver que os agentes políticos, nacionais e europeus, compreendem a oportunidade, mas também a urgência

A Presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen, há poucos dias garantiu o apoio financeiro e licenças em tempo útil a iniciativas, e foi específica, parece que estava a falar dos vossos casos, do processamento de lítio em Portugal. Como é que viu estas palavras? Acredita que há mesmo vontade prática para, por um lado, apoiar financeiramente e, por outro tentar atenuar alguns dos obstáculos que têm sido criticados, como licenciamento, regras excessivas, metas que não fazem sentido?

Acho que há vontade, acho que há ação, acho que será necessário mais ação, mas evidentemente que as palavras da senhora presidente Von der Leyen ou também a menção no relatório Draghi ou vários outros sinais que fomos tendo ao longo destes últimos dois anos são encorajadores. Portanto, é encorajador e é bom ver que os agentes políticos, nacionais e europeus, compreendem a oportunidade, mas também a urgência. Esta fileira automóvel precisa realmente de se transformar rápido e precisa de mais apoio para o fazer, e esse apoio é também construir a fileira que a suporta, que era aquilo que, como bem dizia, os chineses têm de vantagem, porque montaram essa fileira e, portanto, são mais custo-eficiente, são mais capazes de trazer soluções novas para o mercado mais rápido. Há trabalho a fazer? Há. A Europa é um espaço que tem standards muito elevados de trabalho e esses standards são bons, mas associado a esses standards criou por vezes sistemas demasiado burocráticos e demasiado lentos na tomada de decisão e de ação. E para recuperar atraso temos de andar um bocadinho mais rápido. No 1 a 0 em que estamos a perder nós temos de assumir as despesas do jogo e acelerar, claro.

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