Vasco Pedro, fundador da Unbabel, explica como funciona o Halo, uma das grandes atrações desta edição da Web Summit na área da inteligência artificial. Fundos do PRR aceleraram o projeto.
Subiu ao palco na noite de abertura da Web Summit e, no primeiro dia completo da cimeira, protagonizou uma das apresentações que tiveram mais impacto na edição deste ano. Na Altice Arena, Vasco Pedro, fundador e CEO da Unbabel, demonstrou uma nova tecnologia que, em linhas gerais, permite comunicar com o pensamento recorrendo a inteligência artificial generativa e a grandes modelos de linguagem natural.
Em entrevista ao ECO, o empreendedor explica como funciona a solução, a que chamou de Halo, e revela que só foi possível apresentar esta tecnologia nesta Web Summit porque o projeto foi acelerado pelos fundos europeus do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). A intenção é separar esta área de negócio em 2024 e, para isso, deverá contar com novos investidores. A conferência, que termina esta quinta-feira em Lisboa, foi o sítio ideal para os encontrar.
No fundo, o Halo [parece telepatia]. E é o que cada vez mais vai, de facto, ser.
O que é e como funciona o Halo?
O conceito do Halo é o aumento cognitivo do cérebro humano através do uso de inteligência artificial. Esse é o objetivo a longo prazo. O que nós criámos foi uma interface neuronal não invasiva, em conjunto com o Large Language Model, para conseguir permitir o que nós chamamos de comunicação silenciosa.
Nesta primeira versão, de que fiz a demonstração na terça-feira, o modelo é treinado com informação do paciente de forma a ter muitos conhecimentos sobre as suas preferências, relações, o que costuma fazer… N coisas diferentes. Depois, quando recebo uma mensagem, o que acontece é que o modelo está a tentar criar três ou quatro potenciais respostas, em linha de resposta diferentes (“sim”, “não”, “talvez”).
Nós estamos a usar a interface neuronal para navegar nas opções do Large Language Model. Essa é a versão base. Como as respostas são bem formadas, o Large Language Model é bastante eficiente e, na prática, para pacientes ELA, 80 ou 90% das interações deles são previsíveis, porque são coisas de escolha.
Depois, a próxima versão, que nós já temos em laboratório mas ainda não foi lançada junto do paciente, já permite ao próprio paciente iniciar a comunicação. Por exemplo, basta conseguir escrever uma palavra e o Large Language Model consegue pegar nisso e expandir para uma resposta baseada nessa palavra.
Pretendem lançar este produto para consumidores?
Neste momento, o que nós percebemos é que, na fase em que nós estamos, já é extremamente útil para pacientes de ELA e de outras doenças. Se nós pensarmos no Stephen Hawking, ele falava mais ou menos a duas palavras por minuto e conseguiu fazer o que fez.
Um paciente de ELA, neste momento, com as interfaces de eye tracking mais avançadas, está nas dez palavras, mais ou menos. Nós já estamos nas 15. Para chegar a um ponto que seja consumer, são 80 ou mais palavras. Neste momento, de facto, já é um programa útil e com o qual achamos que conseguimos ter impacto.
Quando é que começaram a desenvolver o Halo?
A primeira ideia foi há cinco ou seis anos dentro da Unbabel. Foi um processo longo, que eu e o Paulo Dimas [vice-presidente de Inovação de Produto da Unbabel] debatemos bastante. No início tínhamos pensado num módulo de interação com inteligência artificial. Depois, quando começámos a trabalhar com modelos de linguagem, teve uma grande aceleração.
A demonstração dá uma aparência de que estamos a falar por telepatia.
É exatamente isso, e cada vez mais. No fundo, isso é o que parece e é o que cada vez mais vai, de facto, ser.
Apresentou o Halo num evento com muitos investidores presentes. Que tipo de receção tem recebido?
Foi incrível. Tenho uma série de reuniões marcadas, muita gente interessada.
Interessada em usar ou investir?
Em usar já existia muito antes. Para um paciente, isto é incrível. Mas interessada, potencialmente, em investir, em colaborar, em parcerias, disseminar…
O objetivo é fazer o spin-off do projeto?
É essa a ideia. Porque, apesar de ter bastante a ver com a Unbabel, no sentido de que é descodificação de linguagem, na prática, é um projeto que vai precisar dos seus próprios recursos e do seu próprio espaço. Portanto, a nossa expectativa é, no próximo ano, fazermos o spin-off.
Com capital privado?
Sim, provavelmente. Ainda não temos a estrutura.
E a Web Summit, de certa forma, está a permitir-vos juntar um grupo de investidores que possam entrar?
Sim, e é o tipo de produto que resulta particularmente bem numa Web Summit, porque tem uma componente emotiva, de consumidor, inteligência artificial…
A Unbabel lidera o consórcio que deu origem ao Centro para a IA Responsável, no âmbito das Agendas Mobilizadoras do PRR. Que balanço faz? Já perderam algum parceiro, como aconteceu noutras?
Até agora não, não perdemos nenhum parceiro. Este Halo já se enquadra dentro do PRR, já é um produto que está a sair do centro, e foi, no fundo, o Centro para a IA Responsável que também permitiu acelerar isto, porque, de repente, tivemos financiamento para um projeto novo, que estava um bocado a ser trabalhado de uma maneira incipiente, e pudemos ter recursos para acelerar.
Então esses fundos europeus aceleraram o projeto? Das 21 aplicações que pretendem desenvolver, o Halo é uma delas?
Exato. No próximo dia 25 vamos ter um evento do centro em que vai ser apresentado o estado da arte do consórcio.
Estamos numa situação política bastante atípica: ficámos sem Governo e vamos estar condicionados cerca de meio ano. Teme que a crise política que se instalou no país possa, de alguma forma, gerar entraves na libertação dos fundos do PRR, ou dificultar este tipo de projetos?
Espero que não. Espero que não, porque são fundos europeus que já estão alocados e a estrutura de gestão dos fundos não desapareceu. Se estivéssemos a falar de concursos que ainda não tinham sido acabados, havia mais potencial. Neste momento, é mais a gestão e execução. Estou com esperança de que isso não aconteça. Mas é possível que aconteça.
Ainda não têm os fundos todos, pois não?
Não, é pago por fases. Portanto, espero que não aconteça. Percebo que não é completamente impossível que seja afetado, mas esperamos que não.
Não teme que isso venha a acontecer? Esperar é uma coisa, temer é outra.
Não, não temo. Com os fundos do Governo, às vezes é mais uma questão de timing. Ou seja, é difícil ter uma expectativa de “isto vai ser pago no dia X”. Curiosamente, porque, ao nível de salários, têm de ser pagos sempre a horas. Quando se paga de fundos, às vezes, depois, são um bocadinho atrasados.
São mais questões burocráticas. Pelo menos tem sido a minha experiência… Mas até houve alturas em que houve coisas que foram libertadas mais cedo do que se previa. Não tenho visto nenhum problema nisso.
E sobre a questão política em si, para uma empresa como a Unbabel, tem algum impacto? Como é que os investidores externos olham para o país assim?
Confesso que os investidores externos não ligam muito a isso. A instabilidade política, mesmo vindo da situação que veio, os meus investidores não mencionaram nada. Se pode ter impacto na Unbabel? Até agora, seja com um governo de esquerda, de direita ou de centro, nos últimos dez anos, pelo menos, tenho sentido uma grande positividade e apoio a tecnologia, a startups, ao crescimento económico. Espero que continue assim. Estamos cá para trabalhar com quem estiver.
Não tem tido nenhum contacto, nem para saber “o que é que se passa aí”?
Não. Aliás, as pessoas ficam surpresas quando eu falo da “questão do Governo” e perguntam “qual questão do Governo?”.
Recentemente, o centro que lideram publicou uma carta a sugerir alterações à regulamentação do AI Act, que está a ser preparada na União Europeia. Uma delas é que a legislação deve permitir testar aplicações de “alto risco”. Porquê, dado que são de alto risco?
Em certos cenários. Não é em todos os cenários. O que nós achamos é que a regulamentação da inteligência artificial estava a classificar algumas aplicações como “alto risco” um bocadinho mais restritivo. Ou seja, há aplicações que podem ser de alto risco mas que podem ser de alto retorno e ter um impacto social particularmente importante. Portanto, eu acho que é importante haver um framework qualquer que permita testar essas aplicações de um modo controlado. Não indiscriminadamente, mas com justificação e dentro de protocolos mais restritos.
A Unbabel já anunciou múltiplas aquisições este ano. Têm mais alguma em carteira?
Não temos nenhuma que devamos anunciar neste momento, mas a nossa estratégia de aquisições vai continuar.
E no sentido inverso? Tendo em conta que a inteligência artificial acelerou imenso com o lançamento do ChatGPT há um ano, tiveram alguma proposta para serem adquiridos?
Nenhuma que considerássemos…
Então tiveram.
Não vou comentar.
O vosso produto na área da tradução é sobretudo usado por empresas. Como está o negócio, dado que há muitas mais empresas disponíveis e abertas a adotar este tipo de soluções?
Posso dar um número talvez interessante. Algo que, recentemente, temos estado a analisar e até a mim me surpreendeu. Nós, neste momento, se olharmos para as empresas todas que adquirimos e a Unbabel, temos mais ou menos 2.800 logos (número de clientes).
Esses clientes gastam com a Unbabel menos de 100 milhões de euros. Não vou dizer exatamente o número, mas são menos de 100 milhões por ano de receitas nossas. Se formos ver quanto é que gastam em tradução no total, quanto é que diria? Tem alguma ideia?
Não sei, nem arrisco.
1,1 mil milhões [de euros].
Com tradução? Os vossos clientes gastam 1,1 mil milhões de euros com tradução e menos de 100 milhões com a Unbabel?
O que quero dizer é que só com esses clientes, esse é o potencial de receitas, de mercado. Essa é a nossa capacidade de capturar. Portanto, quando nós falamos de “como é que está a correr”, temos uma capacidade de crescimento enorme e de expansão enorme nesses nossos clientes.
Então e o que é que falta? Porque é que não são maiores?
Porque nós começámos a concentrar-nos num vertical, que é customer service, e agora estamos a começar a expandir para outros verticais. A aquisição das empresas que estamos a fazer é exatamente para permitir que isso aconteça.
No mercado de tradução, existem tipicamente empresas a usarem muitos fornecedores, e as empresas que comprámos têm fatias pequenas de Share of Wallet [o montante que um cliente dedica regularmente a uma marca em particular em detrimento das marcas concorrentes na mesma categoria]. Mas o que está a haver cada vez mais é consolidação, acho que é isso que vai acontecer.
Porque é que uma empresa tem muitos fornecedores de tradução? Porque nenhum deles tem a escalabilidade, a capacidade de lidar com os use cases todos… Nós estamos rapidamente a chegar a um ponto em que conseguimos fazer isso tudo.
Quantas pessoas trabalham atualmente na Unbabel?
Penso que 450.
No Covid fizeram um despedimento polémico, porque foi através de uma chamada no Zoom. Qual foi a evolução do negócio desde essa altura e qual é a política de recursos humanos?
Temos crescido praticamente 100% ao ano, todos os anos.
Houve muitas tecnológicas que despediram no ano passado. A Unbabel também seguiu esse caminho?
Não particularmente. É normal que haja reajustamentos por várias razões. Seja por questões de eficiência, seja por realinhamento de estratégias, por entradas e saídas de mercados, novos produtos… Isso é normal e está-se a ver isso a acontecer. Também a maior parte das pessoas que estão a entrar são por aquisições. E depois há redundâncias, algumas já aconteceram, outras vão acontecer, são processos normais.
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Nova tecnologia da Unbabel parece telepatia. “E é o que cada vez mais vai ser, de facto”
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