Rui Costa Pereira, associado coordenador da MFA, alerta que é necessário esclarecer de que forma e com que condições orçamentais e financeiras se dará o incremento da assessoria jurídica do Estado.
Rui Costa Pereira, associado coordenador da área de Penal e Contraordenacional da MFA Legal, destacou alguns pontos positivos da Agenda Anticorrupção, como a densificação e dissipação de dúvidas de aplicação prática de regimes processuais, o fomento de uma cultura anticorrupção a partir do ensino básico e nas escolas, ou até a ampliação da informação a existir no Portal BASE.
Ainda assim, alerta que é necessário esclarecer de que forma e com que condições orçamentais e financeiras se dará o incremento da assessoria jurídica do Estado, assim como dos quadros e dos recursos humanos do MENAC, do GRA e do GAB.
O advogado admite concordar com a ministra da Justiça no ponto em que será necessária uma nova era para o Ministério Público (MP). “A forma como o Ministério Público atua e como a sua atuação é perspetivada pelas pessoas depende muito da forma como é liderado, particularmente pela pessoa que integra o topo da hierarquia, que é o(a) Procurador(a)-Geral da República”, disse.
O que falta na Agenda anticorrupção apresentada pelo Governo?
Não tenho a ousadia, o atrevimento ou a arrogância de considerar que teria capacidade de pensar melhor que o Governo, os seus membros e todo o conjunto, com certeza alargado, de pessoas que intervieram no processo que culminou nesta Agenda. Por isso não vou responder dizendo o que falta à Agenda. Respondo dizendo o que não vi na Agenda e que talvez fosse também pertinente ser considerado, à luz do que a mesma apresenta, pelo menos.
No que respeita ao processo criminal e, particularmente, às fases de inquérito e de instrução, a Agenda parece focada em temas que têm estado na ordem do dia, como são os megaprocessos ou a delimitação da fase de instrução. Sendo temas que, aqui e ali, estão em contacto com o tema mais amplo – que é o propósito da Agenda – do combate à corrupção, não são, ainda assim, questões exclusivas a esse tema mais amplo. Diria até que o transcendem. Mas a verdade é que o Governo os decidiu considerar na Agenda, apesar de um certo alheamento ou posição lateral em relação ao combate à corrupção.
Se assim foi feito, talvez também tivesse igual utilidade alargar a ponderação sobre outros institutos e ferramentas do processo penal, das fases de inquérito e de instrução, e se procurasse identificar com maior exatidão quais os que se têm apresentado como entraves ao combate à corrupção e quais os que se podem potenciar para também fortalecer essa estratégia mais abrangente. Porque não há nada, não há um único dado, objetivo, científico, ou até mesmo empírico, que me diga que os megaprocessos ou a fase de instrução constituem fatores negativos sobre esse combate, pelo menos com um impacto significativo que justifique, por essa razão, dizer-se que o combate à corrupção impõe a sua reponderação ou redefinição. Os megaprocessos são um problema? São. Mas é porque existem que o combate à corrupção é menos eficaz (e a tónica da eficácia vem sendo muito repetida pelo Governo)? Não haverá outros problemas no processo e na investigação, de frequência ou repetição sobremaneira superior, que minam muito mais esse combate, como é a ineficiência e a deficiência de gestão de recursos, logísticos e humanos? Serão os megaprocessos ou a existência da fase da instrução como a conhecemos que serão nomeadas por quem faz a investigação da corrupção no terreno como causa de menos ou mais demorados resultados? Tenho as maiores das dúvidas.
Não tenho dúvidas que o quadro normativo atual consagra soluções suficientemente equilibradas e expressivas da estrutura hierárquica do Ministério Público e não perspetivo, por isso, qualquer necessidade de alteração legislativa a esse nível.
Pontos positivos dessa mesma agenda?
Sem qualquer ordem crescente ou decrescente de importância e apelando à minha memória: o propósito de densificar e dissipar dúvidas de aplicação prática de regimes processuais, como o respeitante ao da perda de vantagens (aqui não entrando na discussão sobre o alargamento das suas possibilidades) que, de facto, levanta muitas dúvidas práticas, seja pelas lacunas que existem, seja pela intervenção da aplicação subsidiária de regimes processuais díspares e dispersos; positiva a ideia de fomentar uma cultura anticorrupção a partir do ensino básico e nas escolas; ampliação da informação a existir no Portal BASE, nomeadamente com inclusão de contratos de ajuste direto simplificado; pegada legislativa no processo legislativo governamental, aproximando-se assim do que já acontece no processo legislativo parlamentar (o que é particularmente importante e ousado num contexto em que se afirma que o Governo irá fomentar ao máximo possível a produção legislativa executiva, em detrimento da parlamentar); mais que positivo propósito de publicação das decisões judiciais de primeira instância.
O que necessita de ser esclarecido?
Entre outras questões, de que forma e com que condições orçamentais e financeiras se dará o incremento da assessoria jurídica do Estado, assim como dos quadros e dos recursos humanos do MENAC, do GRA e do GAB.
A fase da instrução pode vir a sofrer alterações. Acha isso um bom sinal?
Como já tive oportunidade de dizer à Advocatus, a lei dá já hoje, especialmente na fase de instrução, poderes extraordinariamente amplos ao juiz de instrução para evitar quaisquer expedientes dilatórios. O propósito de revisitar a estruturação da fase de instrução parece-me, por isso, desnecessário, além de desajustado ao âmbito da Agenda, que é o combate à corrupção.
Volta a estar em cima da mesa a ideia da justiça premial. Estamos a ir por um caminho perigoso?
Não é aspeto da Agenda que me suscite preocupações, sobretudo após a publicação do relatório técnico sujeito à consulta pública, onde há detalhe muito superior aos objetivos que foram anunciados no lançamento da Agenda, a 20 de junho. Não só não me suscita preocupações, como acho que é um caminho certo a seguir, precisamente na lógica anticorrupção. A solução admitida de ponderar pelo Governo é de ampliação da aplicação de regimes já existentes e vigentes, sem que se anunciem quaisquer pretensões de alteração radical desse quadro normativo que já existe.
A AD e o PS devem estar alinhados nas soluções para a Justiça?
Enquanto representantes da maioria dos eleitores, naturalmente que é preferível que quaisquer alterações que se preconizem no quadro legal, nos códigos, na estrutura da Justiça, o que for, se façam com o consenso possível e ideal entre os partidos que asseguram uma maior estabilidade e durabilidade dessas soluções.
Que perfil deverá ter o próximo PGR?
Apesar do borburinho provocado ou querido provocar por alguns por causa de uma concreta expressão utilizada, mas que foi amiúde descontextualizada por essas pessoas, o perfil adiantado pela Senhora Ministra da Justiça na última entrevista que concedeu à rádio Observador parece-me o perfil ideal.
Sem prejuízo do que haja de positivo a dizer quanto ao que aconteceu nos últimos seis anos e neste mandato que está a findar, dificilmente encararei como positivo o saldo final. E, por isso, sim, só posso concluir que é necessária uma liderança substancialmente distinta da que agora findará.
A autonomia do MP é uma ‘desculpa’ da magistratura para não prestarem contas?
Não tenho resposta para esta questão.
São necessárias alterações legislativas para repor o poder hierárquico do MP?
Mas o poder hierárquico foi deposto? Não foi. Existe, tem ampla consagração legal, incluindo constitucional. O facto de poder não ser idealmente exercido na prática é outra questão. Não tenho dúvidas que o quadro normativo atual consagra soluções suficientemente equilibradas e expressivas da estrutura hierárquica do Ministério Público e não perspetivo, por isso, qualquer necessidade de alteração legislativa a esse nível.
A ministra disse que será necessária uma nova era para o MP. Concorda?
Concordo. A forma como o Ministério Público atua e como a sua atuação é perspetivada pelas pessoas depende muito da forma como é liderado, particularmente pela pessoa que integra o topo da hierarquia, que é o(a) Procurador(a)-Geral da República. Recordemos os mandatos de Cunha Rodrigues, de Souto Moura, de Pinto Monteiro, de Marques Vidal e de Lucília Gago e facilmente constatamos as diferenças entre cada liderança e como essa liderança se expressa na atuação do Ministério Público como um todo. Sem prejuízo do que haja de positivo a dizer quanto ao que aconteceu nos últimos seis anos e neste mandato que está a findar, dificilmente encararei como positivo o saldo final. E, por isso, sim, só posso concluir que é necessária uma liderança substancialmente distinta da que agora findará. Com essa nova liderança, uma atuação que se apresente mais consentânea com a defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos. É verdade que a ação penal existe para essa tutela, mas será sempre esquizofrénica se para a defesa de uns preterirmos ou aniquilarmos outros. É importante ter uma liderança que assegure tempestiva e oportunamente que medidas de investigação fortemente potencialmente danosas para os direitos fundamentais dos investigados só são desencadeadas pelo Ministério Público em situações justificadas. Os últimos tempos têm sido recheados de exemplos de excessos nessa atuação.
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“O Ministério Público necessita de uma liderança substancialmente distinta”
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