A democracia representativa está desacreditada especialmente entre os jovens. O populismo tem usado a arma da democracia directa. Mesquita Nunes reflecte sobre o que devem fazer os políticos.
A democracia representativa está desacreditada especialmente entre os jovens. O populismo tem usado a arma da democracia direta. Mesquita Nunes reflete sobre o que devem fazer os políticos.
O que diria Adolfo Mesquita Nunes a um jovem descrente na política e nos políticos? Em resumo que com a atual sociedade aberta tem o mundo aos seus pés. Nesta parte da entrevista o vice-presidente do CDS recorda que a democracia representativa é a que melhor assegura valores como o respeito pelo outro e por quem pensa de forma diferente. “É feita para proteger as minorias”.Para combater os populistas é preciso não cair na tentação da democracia direta.
Já tivemos o Brexit, já tivemos a vitória de Trump nos Estados Unidos, os populismos estão a crescer, de direita e de esquerda, em defesa de sociedades cada vez mais fechadas na economia e nos costumes. Como é que explica esta tendência? E o que é que diria a alguém que se deixou seduzir por estes discursos?
Parece-me que as sociedades fechadas têm aparecido como resposta a um momento de crise. Os populistas têm sempre em comum algo que é o de encontrar um inimigo externo. E o inimigo externo que foi encontrado pelos populistas é, ou a globalização, ou a União Europeia, que não representa outra coisa que não uma ideia de globalização. Isso tem permitido juntar pessoas que estão desencantadas, desiludidas, por motivos muito diferentes, muitas delas incompatíveis entre si, e que necessitam de alguém que lhes diga que reconhece que elas foram prejudicadas por este movimento e que lhes dê uma resposta sobre como é que elas podem melhorar as suas condições na vida. O sucesso dos populistas tem sido uma federação de descontentes que parece oferecer uma explicação fácil para os problemas. “Se nós fecharmos as fronteiras o problema está resolvido”, dizem. E essa é uma tática que qualquer populista usa e têm estado a usá-la bastante bem.
O sucesso dos populistas tem sido uma federação de descontentes que parece oferecer uma explicação fácil para os problemas. “Se nós fecharmos as fronteiras o problema está resolvido”, dizem.
O que eu diria a um jovem é: em que mundo é que quer viver? Num mundo em que não pode ser ele a escolher o que é que vai vestir, que não pode ter a mesma oferta que tem sobre aquilo que quer consumir, que não pode viajar e trabalhar no estrangeiro se assim o quiser, que não pode contratar um estrangeiro para trabalhar para si se for o melhor? Quer viver num mundo em que não é possível ter acesso aos outros, um mundo onde não é possível crescer mais do que aquilo que nos deixa o nosso país, viver num país onde não temos acesso ao que de melhor os outros fazem, viver num país que se deixa atrasar? Numa sociedade aberta se um jovem quiser viver em comuna pode com certeza viver em comuna, numa sociedade fechada se ele quiser ser livre não o poderá ser.
Num dos seus artigos recentes defendeu que a democracia direta é um dos maiores aliados dos populistas, as pessoas não sabem o que querem, é isso?
Um referendo é permitir que uma maioria conjuntural, num determinado dia, decida sobre um assunto. Há muitas matérias sobre os quais é perfeitamente natural fazer um referendo, matérias que nenhum programa político sufragou em eleições, matérias que têm a ver com aspetos circunscritos e cujas consequências são conhecidas por todos. Outra coisa é passarmos a utilizar a ferramenta do referendo para que uma maioria conjuntural, num determinado dia, decida sobre a vida de todos os outros, inclusivamente sobre a vida dos que votaram no sentido contrário ao referendo.
Numa sociedade aberta se um jovem quiser viver em comuna pode com certeza viver em comuna, numa sociedade fechada se ele quiser ser livre não o poderá ser.
Sabe que a democracia é feita para proteger as minorias, não é para proteger as maiorias. É por isso que a democracia tem o estatuto de oposição, pressupõe pluralismo partidário e tem regras e procedimentos, que o orçamento é votado na assembleia e não pelo Governo. Isto é para que nós tenhamos uma sociedade que pondera as suas decisões, que demore o seu tempo, que todas as partes sejam ouvidas, e que, tanto quanto possível, seja possível haver uma preocupação com aqueles que estão do lado de lá, que não concordam connosco. O referendo é a negação de tudo isto, quando utilizado pelos populistas. E aquilo que me preocupa não é que os populistas defendam o referendo, faz parte do seu código genético. O que me preocupa é que nós, na tentativa de responder aos desafios que os populistas levantam, isto é, na tentativa de nos aproximarmos dos cidadãos, sejamos levados na tentação de começar a achar que temos que começar a caminhar para a democracia direta e permitir que tudo seja decidido em referendo.
Sabe que a democracia é feita para proteger as minorias, não é para proteger as maiorias.
Para lhe dar um exemplo, – foi vencido nas primárias francesas – , mas o Sarkozy prometia já dois referendos e dizia ele, convicto, que era o dique que separava a Le Pen de todo o espetro político francês. Dizia, “nós temos que dar a palavra de novo às pessoas porque é aquilo que os populistas estão a dizer”. Dá trabalho, demora tempo mas penso que é possível aproximar-nos dos cidadãos sem ser através dos mecanismos de democracia direta. Porque eles pressupõem quase sempre que a democracia representativa não é suficiente para dar legitimidade democrática.
Mas a democracia representativa está desacreditada, como sabe. Se ouvir os mais jovens, sobretudo aqueles que não participam nos partidos, têm uma enorme desconsideração pela classe politica. Como é que se combate isso?
É uma desconsideração para a qual a classe política terá contribuído com certeza, mas para a qual contribuiu também muitos fatores que transformaram a classe politica na única causa de todos os problemas do país. Esquecem-se que a classe política é, não poucas vezes, o reflexo da sociedade que temos.
A democracia representativa tem ritos e procedimentos, destinados precisamente a acomodar a tolerância e a representatividade dos vários interesses, e que demoram tempo. É natural que uma boa decisão demore algum tempo a tomar, que se ponderem determinadas questões, que a sociedade reflita sobre elas, etc. Ora nós vivemos num tempo em que se exige ao político a resposta no próprio dia. Há uma pequena e fugaz polémica nas redes sociais e, se o político só responde no dia a seguir, já se está a dizer e a comentar que o político respondeu tarde. É este choque de tempos, o tempo das indignações, o tempo das provocações, o tempo das polémicas, que é muito veloz e que é inimigo de decisões sensatas, ponderadas e que tenham em conta, por um lado, o bem comum e, por outro, o médio e o longo prazo.
A democracia representativa é aquela que melhor assegura valores que para mim são essenciais. Desde logo o respeito pelo outro e por aquele que pensa diferente de mim. Aquilo que temos que trabalhar é nos tempos, é nos canais de comunicação, é na transparência da informação. E temos também que reabilitar, de facto, aquilo que é a classe política.
O risco que nós corremos, e para o qual eu não tenho uma resposta clara, mas sobre o qual gosto de refletir, está naquilo que temos que fazer: trabalhar nos tempos e não trabalhar nos métodos.
A democracia representativa, daquilo que conheço dos vários sistemas, é aquela que melhor assegura valores que para mim são essenciais. Desde logo o respeito pelo outro e por aquele que pensa diferente de mim. Aquilo que temos que trabalhar é nos tempos, é nos canais de comunicação, é na transparência da informação. E temos também que reabilitar, de facto, aquilo que é a classe política. Mas, para isso, precisamos que as pessoas e que a informação seja levada de forma a que as pessoas possam perceber os dois lados da questão. Em que o político não seja preso por ter cão e preso por não ter, em que o político está sempre mal, responda o que responda. E quem diz políticos diz instituições, as instituições reguladoras, as instituições financeiras, os órgãos de soberania, a imprensa, somos todos agentes de uma democracia representativa de modelo liberal.
Ainda vamos a tempo, e com as atuais tecnologias, de “salvar” a democracia representativa?
As tecnologias são neutras, são um método, são um canal. Quem faz o bem e quem faz o mal são as pessoas, não são as máquinas. Eu acredito nas pessoas, estamos sempre a tempo. Eu não culpo as redes sociais, eu não culpo as tecnologias, são as pessoas, é nas pessoas que temos que trabalhar.
E vamos a tempo, na sua opinião?
AMN – Com certeza que vamos a tempo. Estamos cá há milénios e acho que vamos por cá continuar.
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O que diria Adolfo Mesquita Nunes a um jovem? Numa sociedade aberta pode ser tudo
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