O que une a Amorim e a Nike? “Vamos lançar um novo material feito de ténis reciclados e cortiça”, revela António Rios Amorim

A Corticeira Amorim está a apostar na economia circular e assumiu o compromisso Act4Nature: vai reduzir o plástico e investir mais de 15 milhões em painéis solares para autoconsumo a partir de 2021.

As vendas estão em quebra e já é certo que a Corticeira Amorim vai encerrar o ano a cair nos resultados, depois de mais de uma década de crescimento constante. No entanto, António Rios Amorim, presidente do Conselho de Administração da Corticeira Amorim, sublinha a resiliência da empresa e destaca a aposta na sustentabilidade, que ficou patente pela assinatura recente do compromisso Act4Nature.

No terreno, a Corticeira Amorim está já a pôr em prática os compromissos assumidos: apostar mais na biomassa e nas energias renováveis, com a instalação de painéis solares para auto consumo, reduzir o plástico e reforçar as capacidades de sumidouro de CO2 da floresta de sobreiros em Portugal.

A economia circular é também uma grande aposta, por isso a Amorim bateu à porta da gigante americana Nike para produzir um novo material (que será usado como subpavimento) feito a partir ténis reciclados e cortiça portuguesa. Na mira estão exportações para os EUA, França e Alemanha.

“Criámos uma linha de produção para a economia circular, para ver como podemos valorizar os subprodutos ou resíduos de outras indústrias, combinando-os com as vantagens técnicas e ambientais da cortiça. Temos vindo a fazer esse trabalho já há algum tempo e com sucesso”, disse António Rios Amorim em entrevista ao ECO/Capital Verde.

Há estudos que mostram que os serviços de ecossistemas do montado de sobro geram benefícios de 1.300 euros por hectare, por ano, em Portugal. Chegam aos bolsos dos produtores?

Esses benefícios ainda não são remunerados. Neste momento, um produtor florestal que tenha uma herdade, o seu rendimento vem sobretudo da venda da cortiça. Numa espécie de crescimento lento, como o sobreiro, vamos estar sempre em desvantagem, porque demora 25 anos a ter a primeira extração de cortiça e depois é de 9 em 9 anos. Uma pessoa planta um eucalipto e ao fim de 10 anos já tem rendimento. Portanto, as pessoas gostam muito do sobreiro mas investem em espécies de crescimento mais rápido. O montado não dá só cortiça. Tem uma enorme capacidade de retenção de CO2 e a floresta não é cortada. O montado é um dos maiores hotspots de biodiversidade do mundo. É bom dizer que queremos muita biodiversidade, mas depois é preciso pagar por isso. O estudo do consultor António Costa e Silva identificou os serviços de ecossistemas como algo que tem de ser remunerado. A floresta de cortiça é daqui, é adaptada ao solo, ao clima, e pouco propensa a incêndios. As pessoas que investem numa árvore de crescimento mais lento têm de ser incentivadas. Se isso acontecer vamos ter mais investimento em novos montados e novas plantações de sobreiros, e assim sucessivamente.

Além das vantagens ambientais, a cortiça tem também vantagens económicas?

Ao falarmos em cortiça e sustentabilidade, falamos em vários pilares. O primeiro é o pilar económico. A nossa fileira industrial tem a vantagem de transformar a casca de uma árvore em valor económico. É em Portugal que temos mais de 70% dos trabalhadores (cerca de 3.200 pessoas) e é também aqui que geramos o valor acrescentado, sendo o país o maior produtor de matéria-prima. Também importamos cortiça de outras zonas geográficas vizinhas para ser transformado em Portugal. Depois há a questão ambiental. Ao contrário de outras espécies florestais, para extrair cortiça não se corta a árvore nem se destrói a floresta. Isso é importante porque a retenção de CO2 não é interrompida, continua ao longo de 150 ou 200 anos. Fizemos estudos com a PwC e a EY, de acordo com os quais cada tonelada de cortiça produzida retém 73 toneladas de CO2. Quando fazemos a extração da cortiça, a cada nove anos, todo este potencial de sustentabilidade está impactado nas pranchas que saem das árvores.

O que levou a Corticeira Amorim a assinar o Act4Nature?

Nas várias vertentes da sustentabilidade, o desempenho da cortiça é bastante melhor do que nas restantes fileiras. Porém, há trabalho de casa para fazer. O compromisso Act4Nature que assinámos é um pouco isso. Vamos assumir metas, como um maior consumo de energia proveniente de biomassa, neste caso, de biomassa florestal de cortiça. Cerca de 67% da energia consumida na Corticeira Amorim já provém da biomassa. Temos claramente uma determinação em aumentar o consumo de energia elétrica proveniente de fontes renováveis. Os nossos fornecedores de energia vão também ser selecionados pela quantidade de energia renovável, seja fotovoltaica, hídrica ou solar. Na componente da energia temos também aqui uma determinação interna de, a partir do próximo ano, investirmos em painéis solares para autoconsumo.

Onde vão ser instalados estes painéis solares?

O objetivo é que sejam instalados nas unidades industriais mais relevantes e com maior consumo de energia, primeiro a sul, onde a exposição solar é significativamente maior. Já fizemos os cálculos e são melhores para as fábricas na região sul do país. O nosso objetivo é, num período entre três a cinco anos, termos as nossas principais unidades industriais com uma parte de autoconsumo proveniente da geração de energia de painéis fotovoltaicos. Vamos começar esse investimento a partir do próximo ano.

Têm um valor para esse investimento?

Estamos a falar acima dos 15 milhões de euros. São valores muito significativos e, por isso, são investimentos com paybacks relativamente mais longos, portanto, vamos desfasar o investimento ao longo de alguns anos para que não seja um esforço financeiro demasiado grande para a empresa.

O montado é um dos maiores hotspots de biodiversidade do mundo. É bom dizer que queremos muita biodiversidade, mas depois é preciso pagar por isso. O estudo do consultor António Costa e Silva identificou os serviços de ecossistemas como algo que tem de ser remunerado.

António Rios Amorim, presidente da Corticeira Amorim

Por isso apostaram primeiro na biomassa?

A biomassa faz parte da nossa atividade desde sempre. Parte do processo industrial da cortiça necessita de calor. Como é que obtemos calor? Através da queima de biomassa florestal, o que faz com que aquela máxima “nada se perde, tudo se transforma” seja aplicável ao setor da cortiça. Para já a biomassa é fonte de calor mas não de energia elétrica (como faz a Altri e a Navigator), porque não temos a nossa produção concentrada num só local. As outras duas áreas onde gostaríamos de investir para que o nosso desempenho seja mais positivo têm a ver com a captura de CO2 e com a redução da utilização de plástico, nomeadamente a envolver as paletes de cortiça, nos sacos de rolhas ou nos pavimentos. E o último objetivo passa por aumentar a capacidade de captura de CO2. Portanto, a Corticeira Amorim quer também ter um papel a desempenhar na plantação de sobreiros, aumentando assim o sequestro de carbono da floresta de cortiça.

Falou nos pavimentos. Como é que pretendem reduzir a pegada ambiental nestes produtos?

No futuro, quando alguém disser “temos de substituir aqui esta borracha sintética, ou este plástico, por um produto natural”, a escolha vai ser a cortiça. Isso já está a acontecer. A Nike tem um projeto em que pega nas sapatilhas em fim de vida dos atletas ou dos desportistas e recicla-as. E nós temos uma parceria com a Nike. Vamos lançar um subpavimento que utiliza precisamente este novo material feito a partir de ténis reciclados e a nossa cortiça. Vai ser absolutamente fantástico do ponto de vista da pegada ambiental, do comportamento acústico e térmico. Estes resíduos, nas mãos certas, passam a ter valor económico. Foi isso que a Nike conseguiu fazer com a Amorim. Neste momento já temos o produto desenvolvido. Do ponto de vista legal, o processo nunca mais tem fim, mas já há uma intenção comercial dos dois lados.

É um exemplo de Economia Circular.

Sim, porque a Nike pega nas sapatilhas em fim de vida, tritura tudo, separa a parte têxtil das solas e das espumas. Envia-nos e nós misturamos aquilo com cortiça. Este compósito vai resultar num novo subpavimento para a construção civil. Neste caso somos nós que vamos produzir e vamos vendê-lo a várias cadeias internacionais, como a Leroy Merlin. Vamos exportar para os EUA, França, Alemanha.

Vai fazer parte do vosso portfólio?

Vamos ter um novo produto de baixíssima pegada carbónica que se vai chamar “Amorim-Nike”. Vai um dia ao Leroy Merlin ou ao Home Depot, nos Estados Unidos, para fazer obras em casa ou na garagem e quer meter um subpavimento. Vai pensar: conheço estas marcas, tenho aqui um produto que era realmente o que eu queria do ponto de vista técnico e ainda por cima estou a contribuir para o bem-estar do planeta e para uma economia circular. E o preço é competitivo, pois trabalhamos com subprodutos e o desempenho térmico e acústico da cortiça é bem conhecido no mercado.

Neste momento estamos a utilizar subprodutos da indústria portuguesa do calçado, a recuperar desperdícios das fábricas que, em vez de irem para aterros, são triturados e combinados com cortiça em aplicações diversas. Estamos a ir buscar subprodutos também à indústria automóvel que misturamos com cortiça para fazer pavimentos.

António Rios Amorim, presidente da Corticeira Amorim

Como surgiu esta parceria com a Nike?

Já andamos aqui a namorar o assunto há algum tempo. Começámos os contactos há um ano e meio. Trabalhámos com equipas deles de sustentabilidade em Seattle, depois o assunto foi para a Holanda. Criámos uma linha de produção para a economia circular, para ver como podemos valorizar os subprodutos ou resíduos de outras indústrias, combinando-os com as vantagens técnicas e ambientais da cortiça. Temos vindo a fazer esse trabalho já há algum tempo e com sucesso.

Há outros exemplos?

Neste momento estamos a utilizar subprodutos da indústria portuguesa do calçado, a recuperar desperdícios das fábricas que, em vez de irem para aterros, são triturados e combinados com cortiça em aplicações diversas. Estamos a ir buscar subprodutos também à indústria automóvel que misturamos com cortiça para fazer pavimentos. E também borracha reciclada para fazer alguns materiais nos Estados Unidos. Portanto, o nosso objetivo é fazer com com que a redução da pegada de carbono que resulta dessa economia circular possa também ter valor económico no mercado.

Na redução do plástico, o que estão a fazer?

Estamos a desenvolver novas soluções de packaging, porque não é fácil encontrar alternativas nas embalagens. Também estamos, por exemplo, a substituir o plástico das rolhas para que sejam substituídas 100% por cortiça. É a nossa guerra com os vedantes alternativos, de plástico, que existem no mercado.

Que guerra é essa?

No passado, os vinhos e espumantes eram sobretudo engarrafados com rolhas de cortiça. No final dos anos 90 entraram no mercado os vedantes de plástico para substituir as rolhas de cortiça. O argumento era, sobretudo, evitar os problemas técnicos que diziam que a cortiça tinha e também dar uma solução mais económica. Entre 2000 e 2009, a cortiça perdeu cerca de um terço da sua quota de mercado nas rolhas, para o plástico e para o alumínio. A partir de 2010, a cortiça tem vindo a recuperar quota de mercado: as rolhas de plástico passaram de 4 biliões em 2017 para 1,5 biliões hoje em dia. Não vamos descansar enquanto não chegar a zero. Não podemos ter um vinho ecológico engarrafado com uma rolha de plástico. Além de consumirmos menos produtos de indústrias poluentes, temos de investir em sumidouros de carbono. A cortiça, tem o melhor de dois mundos: pode substituir produtos poluentes, como as rolhas de plástico, e promove a necessidade de investir na plantação de montados de sobro capazes de fazer o sequestro de carbono.

Que diferença pode fazer uma rolha de cortiça numa garrafa de vinho, do ponto de vista ambiental?

Uma rolha de cortiça, que pesa quatro ou cinco gramas, pode reter até 392 gramas de CO2 por unidade. Já as emissões provocadas pela produção de uma garrafa de vidro são cerca de 400 ou 450 gramas de CO2. Ou seja, com uma rolha de cortiça conseguimos melhorar a pegada de carbono de uma garrafa de vinho em 30%. Temos vantagem técnica, ambiental e, obviamente, temos de ser competitivos em temos de custo para que as caves nos possam preferir.

Este esforço cabe também aos consumidores? De reaproveitar e reciclar a cortiça?

Temos há vários anos em Portugal, com o Modelo Continente e a Quercus, um programa de recolha de rolhas usadas. Vão para uma instalação certificada e são transformadas em pavimentos, isolamentos e outras aplicações de cortiça. Pagamos por esta matéria-prima e com esse dinheiro a Quercus vai plantar novas árvores. Em Portugal reciclamos por ano cerca de 168 milhões de rolhas. Mas se pensarmos que fazemos 26 milhões de rolhas por dia, isto é uma insignificância. Temos de ser melhores na parte da reciclagem. Se formos buscar rolhas aos alemães, franceses ou ingleses e as trouxermos para Portugal, que é onde existem fábricas transformadoras, vamos adicionar emissões e pegada de carbono por causa do transporte marítimo ou rodoviário, e vamos um custo muito grande. Recentemente, conseguimos trazer mais de vinte contentores de rolhas dos Estados Unidos, onde temos a parceria Recork America com casinos de Las Vegas.

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