O seu sonho é o contrato único, como já defendeu Mário Centeno. Para se acabar com um mercado de trabalho onde uns estão mais protegidos do que outros, defende Olivier Blanchard em entrevista ao ECO.
Esteve em Portugal a apresentar um trabalho que fez com Pedro Portugal em que analisam como se pode reforçar o crescimento da economia portuguesa. Apresentou-o numa conferência da iniciativa da Nova School of Business and Economics. Na entrevista que deu ao ECO conversamos sobre as prioridades de política económica que defende, sobre a dívida pública e revisitamos o passado da troika em Portugal e o seu próprio passado de investigação e análise à economia portuguesa. Este é o seu quarto trabalho sobre a economia portuguesa.
Defende basicamente que a política económica deve agora ter duas prioridades. A primeira é resolver o problema do crédito malparado da banca, mesmo que isso signifique aumentar a dívida pública. A segunda é avançar com reformas no mercado de produto — que permitam, por exemplo, que as empresas ganhem escala — e no mercado de trabalho. Mas neste momento o que Portugal precisa já não é tornar os despedimentos mais fáceis ou cortar salários, mas sim uma política de flexisegurança e que reduza a dualidade que atualmente existe em que uns — os mais velhos — têm os seus empregos mais protegidos dos que outros — em geral os mais novos. Reconhece que politicamente não é fácil, mas o seu sonho é que se consagre o contrato único, um modelo também defendido pelo atual ministro das Finanças.
A resolução do problema do crédito malparado é para Olivier Blanchard muito importante para garantir que os bancos concedem créditos a empresas viáveis em vez de estarem a financiar quem já está falido só para evitarem contabilizar as perdas. Limpar o malparado dos balanços dos bancos permitiria aumentar o crescimento, diz. E que garantias temos que os bancos não cometem os mesmos erros do passado e que mais crédito não signifique mais crescimento? Na sua perspectiva, mesmo que se cometam os mesmos erros é preferível resolver este problema.
A economia portuguesa cresceu 2,8% no primeiro trimestre deste ano. Mesmo assim pensa que o crescimento é frágil?
A recuperação é real e vai continuar. Mas quando uma retoma vem de um crescimento fraco e existe uma dívida elevada, o perigo de, a qualquer momento, os investidores se assustarem e de o ‘spread’ [dos juros da dívida] aumentarem está sempre lá. Penso que a tendência de crescimento deverá continuar e, em determinado momento, chegaremos a um ponto saudável. Exatamente quando, não sei. Mas ao longo deste caminho, os mercados vão continuar atentos e por isso pode ocorrer um qualquer incidente.
Não é agora suficiente para os investidores e para as agências ratings o facto de o crescimento estar mais alto?
O crescimento está mais alto neste [primeiro] trimestre mas o FMI está menos otimista. Por isso, não sei. A minha sensação é que o crescimento vai continuar muito baixo. É difícil perceber como é que o crescimento pode ser mais elevado com a evolução da produtividade que Portugal tem.
O que é pior: aumentar a dívida ou resolver o problema do crédito malparado? A preocupação deve ser com evolução da dívida em relação ao PIB. (…) Esse investimento público na resolução, do problema do crédito malparado da banca, terá efeitos positivos no crescimento
No seu trabalho com o Pedro Portugal “How to strengthen the portuguese economy recovery” defende que as políticas económicas devem ter como prioridade “limpar” o crédito malparado (Non Performing Loans – NPL) dos bancos e avançar com reformas nos mercados dos produtos e laboral, neste caso garantindo a microflexibidade. Vamos começar pelo sistema financeiro. Como é que podemos evitar um problema de confiança dos investidores se a política para o sistema financeiro provocar uma subida da dívida pública?
Há dois aspetos nessa questão. Primeiro, penso que os bancos têm de resolver o problema do crédito malparado (Non Performing Loans), quer precisem ou não de mais capital. Algumas pessoas consideram que a resolução desse problema vai exigir mais capital, outros acham que não. Mas vamos assumir, que precisam. Então devem, primeiro, tentar arranjar capital privado para não aumentar a dívida pública.
Mas vamos imaginar que, por alguma razão, precisam de capital do Estado. O que é pior: aumentar a dívida ou resolver o problema do crédito malparado? É aí que a sua questão se coloca. A preocupação deve ser com evolução da dívida em relação ao PIB. Se fizermos alguma coisa que aumente o PIB, a dívida em percentagem do PIB pode diminuir. Não acontecerá de imediato. No curto prazo haverá um aumento. Mas pode explicar-se essa subida da dívida pública aos investidores. Por vezes vale a pena gastar mais para aumentar o crescimento. Tem é de ser credível, tem de se convencer os investidores, que não são totalmente estúpidos. Podemos dizer que é dinheiro bem gasto. Se for necessário dinheiro do Estado, esse investimento público na resolução do problema do crédito malparado (NPL) terá efeitos positivos no crescimento. Assim sendo, não é louco de todo pensar nisso. Se for legal fazê-lo e se Bruxelas o aprovar, faz sentido do ponto de vista económico fazê-lo.
Mas porque é que pensa que a limpeza do crédito malparado será boa para o crescimento? No passado, o aumento do crédito em Portugal não foi bom para o crescimento.
Porque o crédito foi dado às empresas erradas. Quando há muito crédito malparado, as empresas que beneficiam de crédito não são as que deviam. Os bancos dão empréstimos às empresas porque não querem reconhecê-los como perdidos nos seus balanços. Muita da atual atividade bancária é feita a lidar com estes créditos. Se conseguir magicamente, ou não, eliminar estes créditos e dá-los às empresas que realmente precisam do dinheiro, terá um efeito no crescimento. Há uma série de relatórios académicos que sugerem que é esse o caso. Limpar o crédito malparado permite financiar empresas solventes e isso é positivo para o crescimento.
Limpar os balanços dos bancos agora, se for possível, é bom em si, mesmo que se voltem a cometer os mesmos erros do passado posteriormente. Enquanto o problema não volta é positivo. E mesmo que volte digamos daqui a cinco anos, lidarão com o problema nessa altura.
Mas porque é que desta vez será diferente e os bancos darão crédito a projetos rentáveis?
Não quero entrar em domínios políticos que desconheço. Limpar o crédito malparado não dá garantias de que os bancos não vão cometer os erros do passado. Mas limpar os balanços dos bancos agora, se for possível, é bom em si, mesmo que se voltem a cometer os mesmos erros do passado posteriormente. Enquanto o problema não volta é positivo. E mesmo que volte digamos daqui a cinco anos, lidarão com o problema nessa altura. Limpar os NPL pode não ser uma solução mágica eterna. Não existe uma solução mágica que resolva um problema para sempre.
No caso do mercado dos produtos, em que setores pensa que Portugal precisa de reformas?
Não sinto que saiba muito da estrutura micro. Mas trabalhei muito com Portugal, porque estive envolvido no estudo da McKinsey, um trabalho muito aprofundado sobre a produtividade por setores. Identificamos, por exemplo, que na construção a produtividade variava com as regiões. Um dos problemas que identificamos foi que cada município tem as suas regras e, como tal, não se pode, por exemplo, construir uma casa padrão [que funcione para o país como um todo]. Como consequência não é possível ganhar economias de escala. Há outros exemplos, mas não quero aqui ir ao detalhe. Mas peço que o Governo que volte a ler o relatório da McKinsey e veja o que está obsoleto e o que ainda é relevante. Em termos gerais, as reformas no mercado dos produtos devem procurar economias de escala, permitir que as empresas cresçam.
Criou-se na sociedade dois tipos de trabalhadores, uns mais protegidos do que outros. (…) O meu sonho é o contrato único, mas percebo os problemas políticos que levanta. Qualquer coisa que possa ser feita nessa direção, dando alguma proteção aos que entram e menos aos que já estão, é positivo.
Pode dar-me um exemplo acerca do que quer dizer com “micro flexibilidade” no mercado laboral?
Micro flexibilidade é basicamente a possibilidade de as empresas aumentarem ou reduzirem o emprego quando precisam. São todas as leis relativas à proteção do emprego que impedem que isso aconteça. É muito mais um tema de proteção no desemprego. É disso que Portugal precisa, mais do que macro-flexibiidade, relacionada com a redução de salários e despedimentos.
Está a referir-se à flexisegurança, de que se falou tanto?
Não é por se ter falado muito. Mas, sim, é flexisegurança. E alguns países fazem-no melhor do que outros. Penso muito na proteção das pessoas no desemprego. É muito importante e tem que existir. Os trabalhadores sofrem muito quando perdem o emprego. E gera muita incerteza, para ambos os lados, trabalhadores e empresas. É preciso leis mais claras, que permitam saber quanto é que se tem de pagar a alguém quando se vai embora, sem que os juízes tenham segundas opiniões. Saber com o que se conta, do lado do empregador e do empregado, já seria um progresso. A reforma que aconteceu em muitos países, incluindo o vosso, criou dois sistemas. Algumas pessoas estão protegidas [do desemprego] e outras não, nomeadamente nos contratos temporários. Isto criou duas classes de trabalhadores, o que é negativo.
É o caso dos funcionários públicos que são muito protegidos?
Mesmo no setor privado há esse mercado dual. Para as empresas não é um problema no curto prazo, porque têm os trabalhadores temporários. Mas criou-se na sociedade dois tipos de trabalhadores, uns mais protegidos do que outros. E as empresas não têm grande incentivo para investir em jovens trabalhadores, porque não vão mantê-los. Por isso não lhes dão formação.
Para os governos, manter o que existe é muito tentador, porque protege os existentes. Mas, no fim, o efeito é ainda pior. Em França, falou-se do contrato único. E o Governo de Macron está a ir nessa direção, embora não tanto quanto eu gostaria.
O nosso atual ministro das Finanças defende, ou defendeu, o contrato único. Acha que devemos fazê-lo?
O meu sonho é o contrato único, mas percebo os problemas políticos que levanta. Qualquer coisa que possa ser feita nessa direção, dando alguma proteção aos que entram e menos aos que já estão, é positivo. Itália fê-lo, logo pode ser feito.
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Olivier Blanchard: “Limpar o crédito malparado da banca é positivo para o crescimento”
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