Tal como o BE, também o PAN queixa-se da demora do Governo nas negociações do OE2021. Em entrevista ao ECO, a líder parlamentar, Inês Sousa Real, diz que as medidas continuam a esbarrar nas Finanças.
A demora nas negociações do Orçamento do Estado para 2021 (OE 2021), assim como na concretização de medidas negociadas no orçamento anterior, está a causar fricção entre os partidos, nomeadamente o PAN, e o Governo. Apesar de compreender as limitações e dificuldades criadas pela pandemia, Inês Sousa Real alerta o Governo que não cabe aos partidos da oposição “aceitar qualquer coisa” que lhes seja apresentada. Em entrevista ao ECO, a líder parlamentar do PAN diz que pouco mudou no Ministério das Finanças com a saída de Mário Centeno e a entrada de João Leão.
Teme uma crise política por causa do OE 2021?
Neste momento está tudo em aberto porque não só não conhecemos o orçamento como instrumento final como também ainda não fechamos aquilo que são as negociações relativamente aquilo que são as propostas do PAN para o orçamento. Parece-nos que neste momento acrescentar uma crise política a uma crise económica… o país não tem nada a ganhar com isso. Isto não significa que tenham de ser única e exclusivamente os partidos da oposição a viabilizar o orçamento na medida em que tenhamos de aceitar qualquer coisa que o Governo nos apresente, mas tem de ser feito um esforço por parte do Governo para ouvir as demais forças políticas e para acolher as suas preocupações no Orçamento. Este Governo não é um Governo de maioria absoluta.
Isto não significa que tenham de ser única e exclusivamente os partidos da oposição a viabilizar o orçamento na medida em que tenhamos de aceitar qualquer coisa que o Governo nos apresente.
As pontes não se constroem só no momento do Orçamento do Estado. Nós já tivemos oportunidade de fazer esta crítica com aquilo que se tem passado recentemente com as alterações do ponto de vista democrático nos debates quinzenais, os debates de preparação do Conselho Europeu e na própria participação cidadã na Assembleia da República. Não vale ser só em estado de emergência ou no orçamento que os parceiros são considerados. É de facto fundamental que ao longo da sessão legislativa possa haver um maior diálogo e uma maior consideração daquilo que são as preocupações das forças políticas, incluindo o PAN, porque obviamente representamos os nossos eleitores e há matérias estruturais para o país e não estão consideradas nem no Orçamento nem no plano de recuperação económica e que gostaríamos de ver integradas.
Houve mais demora nas negociações deste Orçamento face às dos anos anteriores, como se queixa o BE?
Parece-nos desde logo que existe uma maior demora na capacidade de resposta a nível negocial. Há ainda esta demora no cumprimento das medidas do próprio Orçamento de 2020 e para nós seria fundamental chegarmos ao final do ano e termos a certeza e a garantia de que aquilo que ficou previsto no OE 2020 é executado e é cumprido por parte do Governo.
Quantas e que medidas estão por concretizar?
Daquilo que apurámos, só cerca de 27% das nossas medidas é que tinham de ser executadas. No caso de medidas estruturais como o housing first só cerca de três casas tinham atribuídas no universo de 7,5 milhões de euros que têm der ser investidos para alargar o projeto housing first a todo o país. E parece-nos que esta é uma medida essencial sobretudo neste contexto. (…) Aí sim já entramos no campo das linhas vermelhas. Fazemos questão que o Governo dê resposta porque o combate à pobreza neste contexto é absolutamente essencial. A par desta medida há outra que foi uma medida bandeira para nós que é a licença para as vítimas de violência doméstica e aquilo que aconteceu foi a mera criação de um grupo de trabalho. Isto não é materializar aquilo que é a proposta do PAN.
Terá de haver progressos nessas propostas para concretizar para que viabilizem o OE2021?
Terá de haver progressos nessa área. Já transmitimos isso ao Governo. Obviamente que compreendemos que a crise sanitária trouxe-nos um contexto absolutamente excecional, mas tem de ser feita a avaliação das medidas. Já a solicitamos para perceber o que se consegue garantir a execução até ao final do ano, o que não seja executado até ao final do ano para que seja espelhado para 2021 a par das medidas que estamos agora a negociar. Uma medida como o housing first não pode cair jamais sobretudo num contexto socioeconómico complexo como o que vivemos.
Não vê que isso vá ser um problema?
Esperamos que isso não vá ser um problema. Em relação a medidas como o housing first, parece-nos que o Governo está alinhado com esta nossa preocupação até porque uma das coisas que defendemos para o OE2021 é que seja criada uma estratégia nacional de combate à pobreza e que é uma visão que não está, por exemplo, no plano de recuperação económica. É sobretudo uma visão empresarial de investimento, mas falta a visão mais humanista que o plano também tem de trazer consigo, nomeadamente do combate à pobreza infantil e na ajuda às mulheres ou à população idosa.
As negociações estão a ser de facto mais morosas, compreendemos que é um exercício mais complexo este ano.
As negociações estão a ser de facto mais morosas, compreendemos que é um exercício mais complexo este ano, mas tem de haver sobretudo uma maior transparência naquilo que vai ser o uso dos fundos europeus e uma maior capacidade de participação quer das forças políticas quer dos próprios cidadãos que também têm o direito de saber e de escolher onde é que o seu dinheiro vai ser investido.
Estes atrasos nas negociações sinalizam que o Governo está a preparar-se para uma crise política?
Seria um erro estratégico absolutamente grave por parte deste Governo se abrir um precedente de uma crise política no meio de uma crise sanitária e económica como a que estamos a viver. Começamos desde muito cedo ouvir António Costa a falar nessa possível crise política e a dizer que não queria negociar com o PSD um OE. Parece que estamos aqui a criar uma falsa sensação de crise política que não é benéfico para o país, que não gera confiança nas pessoas. Acima de tudo tem de haver espaço para conversar, para o diálogo, para negociar as medidas e para em conjunto criarmos uma visão para o país.
Se isso [acordo] não existe, aí terá de ser o próprio Governo a responsabilizar-se pela ausência de capacidade de diálogo que até aqui demonstrou ter.
Se isso não existe, aí terá de ser o próprio Governo a responsabilizar-se pela ausência de capacidade de diálogo que até aqui demonstrou ter. Portanto, não basta proclamar e dizer que estamos disponíveis para dialogar. Isto tem de se materializar em medidas concretas. Mais do que nunca o exercício que foi feito no estado de emergência deveria ser um exercício natural em democracia: todas as forças políticas colaborarem. Em política o facto de nós divergirmos do ponto de vista ideológico não significa que tenhamos de estar sempre em estado de guerra.
Não gostou de ver o PS a aprovar propostas com o PSD?
De todo. Parece-nos que há aqui um tique quase autocrático em que António Costa está a ceder à pressão de Rui Rio. É absolutamente lamentável que não só o Governo como o maior partido da oposição estejam de alguma forma a reduzir a participação democrática das restantes forças políticas. Não é saudável em democracia que isto aconteça. Que venha do principal partido da oposição… mas que não a tem feito claramente caso contrário não propunha isto. Não é saudável em democracia como tem tiques de autoritarismo que não conseguimos compreender. Já fomos bastante críticos em relação a isso na discussão das propostas, incluindo a limitação ao direito de petição e discussão em plenário. Há um reverter daquilo que devem ser os valores democráticos e uma aceitação daquilo que é a pluralidade democrática.
Nós hoje temos outra realidade. Os parlamentos não apenas em Portugal mas ao nível de toda a Europa estão a transformar-se. Existem hoje em dia outras forças políticas com outra expressão. É saudável. O contrário é que seria perigoso. Nós termos sempre os mesmos partidos, o PS e o PSD, a oscilar entre o Governo é que é perigoso do ponto de vista democrático. Quando temos sempre os “suspeitos do costume”, como se costuma dizer, a oscilar na esfera do poder de governação é que de facto temos um problema de democracia. A democracia não se pode esvaziar em duas forças políticas. Este é um equilíbrio que tem de ser de facto garantido e aberto à participação política das restantes forças que têm representação na Assembleia da República.
Medidas do PAN colhem simpatia no Governo, mas esbarram no Ministério das Finanças
O secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, Duarte Cordeiro, disse que houve “avanços concretos” em temas relacionados com a lei laboral e precariedade. Confirma?
A nossa perspetiva é que ainda não existem avanços muito concretos nessa matéria. A proibição dos despedimentos do ponto de vista abstrato pode até ser às vezes contraproducente. A preocupação do PAN é que existam neste momento medidas de apoio direto às empresas, como a extensão do lay-off, ainda que agora possa ter outro nome. Aqui estamos de facto a proteger aquilo que possa ser evitar a perda de emprego que é fundamental neste momento, garantir os tais apoios sociais para quem perdeu os seus rendimentos e de alguma forma garantir também que exista uma maior eficácia na fiscalização da ACT para que não haja despedimentos abusivos.
Então o PAN não quer mudanças na lei laboral?
Quando se legisla em cima do joelho e num momento complexo como este corremos às vezes o risco de até estar a ter o efeito exatamente contrário ao que se pretende que é a proteção laboral. Com isto não queremos dizer que não se tem de proteger os trabalhadores, muito pelo contrário. Mas isso vai-se fazer precisamente com os apoios do Estado. Nesta esfera não nos parece que seja fundamental mexer. É mais importante mexer nos meios de fiscalização que a ACT tem para combater o despedimento abusivo. A seu tempo, se houver medidas a fazer ao código laboral face a este contexto, nós por exemplo em sede de teletrabalho iremos fazê-lo precisamente para garantir que não há o uso abusivo de ferramentas, a invasão da vida privada, não há uma devassa do teletrabalhador.
Uma das propostas do PAN para o OE2021 é o fim da isenção do ISP para a aviação e o transporte marítimo. Que receita daria ao Estado?
Em termos de aumento de receita, em 2019 tínhamos feito estas contas e ascenderia 522 milhões de euros. Seria aquilo que era a receita expectável em 2019 face ao contexto que tínhamos do ponto de vista da circulação e do tráfego aéreo. Atualmente estamos num contexto diferente. Mas se logo em 2019 — porque eu recordo que esta é uma medida que o PAN já vem defendendo há muito — tivéssemos de facto posto fim a estas isenções não apenas no tráfego aéreo mas também marítimo, que também é uma fonte de poluição significante, teria permitido ao Estado encaixar nos seus cofres estes 522 milhões de euros. Por outro lado, defendemos que seja estendida a taxa de carbono porque não nos podemos esquecer e era importante também falarmos a respeito do plano de recuperação económica naquilo que tem de ser uma visão mais ambiciosa para o país e disruptiva com o modelo em que vivemos, seja ao nível do crescimento económico seja ao nível do desenvolvimento. Nós precisamos de aproveitar esta oportunidade que temos dos fundos europeus e é de facto muito dinheiro — neste momento estão garantidos cerca de 9 mil milhões de euros.
O Governo ainda está atrasado na transição climática?
O Governo está a ser muito pouco ambicioso na visão que apresentou. E por algumas razões: desde logo porque continua no plano a ter um modelo de crescimento assente naquilo que é produtivismo, o extrativismo e que olha até de forma um bocadinho cega para aquilo que são áreas protegidas. Nós apresentamos esta matéria como uma linha vermelha para o PAN e uma preocupação que queríamos que não estivesse de facto no plano definitivo. Esperamos que o Governo assim acolha e que olhe para o nosso património natural e perceba que é um valor que não é muitas vezes mensurável. Se pensarmos que o dinheiro da UE deve ser utilizado – e esta tem sido uma crítica das ONG do ambiente — não só para a recuperação dos habitats e ecossistemas degradados, mas para proteger também aqueles que ainda não estão degradados. Se olharmos para locais como os Açores, que têm um património natural único, procurarmos fazer um exercício sobre se podemos aumentar ou não áreas marinhas protegidas que são autênticos santuários para a biodiversidade. Portugal tem tudo para ser um exemplo na transição para a economia verde. Temos é de saber aproveitar estes fundos e saber dar este passo. E neste sentido falta ambição ao Governo.
Que impacto na receita fiscal teria a descida do IVA no veterinário e dos produtos de origem vegetal, como propõem?
Já pedimos números ao Governo. O IVA está a 23% para os animais de companhia e a 6% para os animais de pecuária. Se temos que aliviar, que se aliviem as famílias em detrimento das atividades perversas que efetivamente não só são poluentes como não são o caminho de futuro para o país. Temos algumas empresas portuguesas que já se dedicam a produzir este tipo de produtos [processados vegetais] e que estão numa situação manifestamente concorrencial desequilibrada. Quem está no mercado e coloca os seus produtos, nomeadamente as carnes e outro tipo de produtos, tem um IVA a 6%. No caso dos processados 100% vegetais, o IVA está a 23%, o que gera uma situação do ponto de vista concorrencial manifestamente desigual. O próprio consumidor, quando nós falamos da importância de reduzir o consumo da carne por questões de saúde e ambientais, se existe um produto que é manifestamente mais caro, não há aqui um incentivo ao consumo de produtos que possam ser mais saudáveis do ponto de vista daquilo que é a saúde alimentar de cada um de nós.
Normalmente as medidas esbarram sempre ali no Terreiro do Paço. Nos outros Ministérios até podemos acolher alguma simpatia.
Neste momento estamos a trabalhar no sentido de calcular o impacto financeiro, mas a bola está do lado do Governo. Além daquilo que possa ser a simpatia por parte do próprio primeiro-ministro — ele próprio brincou que teria todo o interesse também em consumir estes produtos mais baratos –, estamos a aguardar por parte das Finanças. Aliás, normalmente as medidas esbarram sempre ali no Terreiro do Paço. Nos outros Ministérios até podemos acolher alguma simpatia.
Sente que nada mudou com a saída de Mário Centeno e a entrada de João Leão?
Não nos parece que tenha mudado muito, pelo menos significativamente. O que tivemos até agora foi a reunião com a secretária de Estado do Orçamento e o das Finanças. Também já pedimos uma reunião com o ministro para perceber até que ponto é que está ou não disponível para acomodar financeiramente as medidas do PAN. Não basta colher a simpatia de quem a tutela das diferentes pastas, como é o caso da proteção animal, com luz verde, à partida, tanto do primeiro-ministro como do ministro do Ambiente… É preciso o dinheiro.
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PAN queixa-se de “maior demora” do Governo nas negociações do OE2021
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