Pires de Lima defende que "é fundamental que o debate político esteja centrado naquilo que importa aos portugueses e que no próximo ato eleitoral saia uma maioria política estável e previsível".
O presidente do Conselho Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável (BCSD Portugal), António Pires de Lima, aponta um histórico de poucas mulheres líderes, tanto na política nacional como no universo empresarial. O responsável do BCSD, que também é CEO da Brisa, considera que mais mulheres no poder podem ser sinónimo de menos crises.
Pires de Lima assinala que cargos como Presidente da República, primeiro-ministro ou presidente da Assembleia da República em raros casos foram ocupados por mulheres e, mais recentemente, “nenhuma mulher foi apontada” por “António Costa como potencial sucessora”. “Muitos dos problemas que estamos a viver talvez pudessem ter sido evitados se se tivesse apostado num Estado com uma relação mais simples com as empresas, e [fosse] menos administrativo, menos burocrático”, defende.
O antigo ministro da Economia no Governo de Pedro Passos Coelho não quer comentar a atual crise política e sublinha que “a única coisa” que deseja, “enquanto cidadão português, é que o debate político na próxima campanha eleitoral seja centrado naquilo que preocupa os portugueses”.
O BCSD tem a missão de ajudar as empresas a serem mais sustentáveis. Inclusivamente, lançaram uma ferramenta para se fazer um autodiagnóstico do seu grau de sustentabilidade. Já conseguem ter uma perceção do grau de maturidade das empresas portuguesas em termos de sustentabilidade?
É uma preocupação crescente das empresas portuguesas, basta ver que o número de associados do BCSD quase dobrou nos últimos quatro anos, apesar da crise do Covid e de outras crises que estamos a viver. Dito isto, por exemplo, nas pequenas e médias empresas, ainda é um desafio grande perceber como fazer para dar resposta a este desafio. Nomeadamente, agora que se anteveem ao nível do reporte e da taxonomia grandes exigências a partir de 2026/2027, e que chegarão também às PME ao longo desta década. Em resumo, é um tema cada vez mais central, na vida das empresas. Mas, para muitas empresas, pequenas, médias e às vezes também para as grandes, é ainda um desafio perceber que metas e objetivos definir e como se organizarem para depois darem resposta a esses desafios.
As empresas terão capacidade para dar resposta a esses novos desafios? Tem sido difícil?
As empresas terão de se preparar para dar resposta. Isto não é automático. No BCSD estamos preparados para ajudar as empresas neste caminho, que é muito exigente. Em primeiro lugar, as metas que temos traçadas são muito difíceis de alcançar. A descarbonização plena até 2050… Muitas empresas têm como objetivo atingir essa meta em 2030, 2040. O respeito pela biodiversidade e a proteção da natureza… São metas que estão calendarizadas, quantificadas, e que partem de pressupostos muito exigentes para as empresas. O mundo é muito diverso, é muito desigual, e para podermos ser úteis e construtivos, temos no BCSD de nos concentrar na realidade portuguesa, que está a evoluir positivamente, na direção certa, embora nem sempre em todas as matérias, à velocidade que seria desejável.
Em que matérias está a ser mais difícil avançar?
Somos ainda uma sociedade muito desigual e que tem ainda bolsas de pobreza, que é importante vencer. Estamos a cumprir os nossos objetivos de descarbonização da economia, acompanhando aquilo que está a acontecer na Europa. Mas há ainda setores da nossa economia, nomeadamente ao nível da mobilidade e da transição elétrica que me preocupam. 28% das emissões de dióxido de carbono em Portugal estão relacionadas com a mobilidade. E este é um tema onde ainda há muito por fazer ao nível das políticas públicas, para se poder fazer a transição para modos de mobilidade mais sustentáveis, mais elétricos, seja no automóvel ou noutras formas de mobilidade, como é o caso da ferrovia e dos comboios.
Do ponto de vista social, Portugal é um país típico da Europa do Sul e, portanto, também nesta matéria, ao nível da participação das mulheres na vida das empresas, nomeadamente em posições de poder, ou a participação de mulheres na vida política, temos seguramente gaps importantes para superar. Portugal seria um país mais equilibrado, mais justo e, se calhar com menos crises, se tivéssemos mais mulheres em posições de poder político e poder empresarial.
As entidades públicas, como o Governo, precisam de melhores mecanismos de governança?
É muito difícil falar no abstrato. Já não sou governante há muitos anos e estou completamente focado na minha vida empresarial. As empresas, de uma forma geral, têm feito um esforço muito significativo para adotarem modelos de governação que respondam melhor à complexidade de stakeholders a que têm que atender. Há modelos de governação mais transparentes e mais exigentes, e há uma preocupação muito grande. Isso também é revelado num estudo que fizemos recentemente no BCSD.
Tendo em conta que nas empresas vê um caminho interessante em termos de governança, considera também, à luz dos acontecimentos políticos recentes, que o Estado poderia aprender com as práticas de governança das empresas?
Não gostaria de dar lições nem fazer comentários com base na crise que estamos a viver, porque ela é muito incerta. Somos surpreendidos com notícias diferentes todos os dias, às vezes várias vezes durante o mesmo dia. Portanto, a única coisa que desejo e que espero enquanto cidadão português é que o debate político na próxima campanha eleitoral seja centrado naquilo que preocupa os portugueses. Nas propostas políticas para melhorar a qualidade de vida dos portugueses e a competitividade das empresas que investem e trabalham em Portugal. É fundamental que o debate político esteja centrado naquilo que importa aos portugueses e que no próximo ato eleitoral saia uma maioria política estável e previsível.
Muitos dos problemas que estamos a viver talvez pudessem ter sido evitados se se tivesse apostado num Estado com uma relação mais simples com as empresas, e [fosse] menos administrativo, menos burocrático.
Um Estado deveria ter mais maturidade em termos de governança? Por exemplo, Paulo Macedo, que gere a Caixa Geral de Depósitos, indicou que o Fit and Proper da banca poderia ser útil de se aplicar, de alguma maneira, ao setor público. Da mesma forma que as empresas estão a investir em governança, o setor público, o Estado em si, deveria também fazer mais esse caminho?
O que gostaria é que o Estado e a governação, nomeadamente quando estamos a falar de investimento, economia, fosse sobretudo um Estado mais simples. E acho que muitos dos problemas que estamos a viver talvez pudessem ter sido evitados se se tivesse apostado num Estado com uma relação mais simples com as empresas, e [fosse] menos administrativo, menos burocrático. Há muitos anos um político português dizia que tinha a sensação que, em Portugal, se criavam dificuldades para depois se venderem facilidades. E por isso penso que uma boa parte da solução para os problemas que temos, do ponto de vista de concretização de investimentos, de rapidez de investimentos, de atração de investimento, passa por termos regras mais simples, menos burocratizadas. Diria que esse é, a par do tema fiscal, talvez o tema que importaria mais importar das boas práticas empresariais. As boas empresas, as empresas mais competitivas, normalmente têm sistemas de governação diversos, transparentes e processos de decisão simples. Onde a burocracia normalmente não floresce.
Acredito que se tivéssemos um mundo onde a participação das mulheres, no topo das decisões políticas fosse mais observada, provavelmente teríamos um mundo melhor, com menos guerras, menos exibicionismos alfa a conduzirem muitas vezes a crises e guerras, que o universo das mulheres seguramente dispensaria.
Este ano, Portugal desceu três posições no ranking do World Economic Forum em termos de igualdade de género. O que está a correr mal?
Diria que também é preciso adotar uma postura construtiva, sobre esta matéria. São 170 países. Portugal está na 32.ª posição. Portanto, estamos enquadrados dentro dos 30 a 40 países desenvolvidos com melhor posição e onde as políticas de igualdade são mais respeitadas. Dito isto, acho que precisamos de maior ambição, porque temos uma participação claramente deficitária das mulheres quando se trata de posições de poder no mundo político e no mundo empresarial. Só cerca de 25% das funções de topo empresarial são ocupadas por mulheres. Só 14% dos CEO portugueses são mulheres.
Duas conclusões [do estudo do BCSD], fundamentais em termos de resultados: apesar de metade da população das empresas ser mulher, só um terço das promoções abrangem mulheres. Portanto as mulheres são discriminadas nas promoções. E têm qualificações iguais aos homens. É um gap que merece reflexão. Esta é uma tendência que é preciso, no meu ponto de vista, primeiro, analisar caso a caso, empresa a empresa, ganhar consciência dela, e depois traçar metas.
Mas o que justifica esse comportamento? Disse que precisamos de refletir sobre o assunto. Um dos motivos mais apontados geralmente é a maternidade, que distingue homens e mulheres. Será sobretudo isso? Existem outros fatores?
Existem dois fatores. Um é esse, a maternidade. Isso está estudado. A maternidade, de uma forma geral, acaba por ser um fator, às vezes um pretexto, para as mulheres ficarem para trás em termos de carreira profissional. As sociedades mais competitivas, e com melhores empresas, e melhor governação, são aquelas que ultrapassaram este tema, nomeadamente as sociedades, do norte da Europa. Portanto, aí há um caminho a fazer-se.
Mas para além desse tema, se calhar há muitos preconceitos ainda culturais vigentes na sociedade portuguesa que levam a que o mundo dos homens escolha mais homens do que mulheres quando se trata de sucessão. Até do ponto de vista político. Nunca tivemos uma presidente da República. Só por escassos 100 dias tivemos uma primeira-ministra. E, em muitos presidentes da Assembleia da República, só um foi mulher. Agora está-se a discutir a liderança do Partido Socialista. Não há mulheres candidatas à liderança do Partido Socialista. Nenhuma mulher foi apontada pelo Dr. António Costa como potencial sucessora. Portanto, de facto, culturalmente, continuamos a ser uma sociedade pouco aberta à participação da mulher em posições de poder, seja nas empresas ou na política. É preciso ter consciência disto para inverter este processo.
Que consequências negativas pode ter esse hiato entre as oportunidades que se dá aos homens, neste caso na política, e às mulheres?
Se a larguíssima maioria de funções de poder maior político ou empresarial é ocupada por homens, a probabilidade é que os homens escolham homens. E acredito, genuinamente, por experiência própria, que conselhos de administração onde a paridade é mais respeitada, são conselhos de administração mais competentes. São conselhos de administração menos cinzentos, se quiser. E o cinzentismo, a falta de diversidade não conduz, regra geral, a melhores decisões. As empresas mais competitivas são as empresas onde a paridade de género, a diversidade e a inclusão é mais respeitada. Acredito que se tivéssemos um mundo onde a participação das mulheres, no topo das decisões políticas fosse mais observada, provavelmente teríamos um mundo melhor, com menos guerras, com menos exibicionismos alfa a conduzirem muitas vezes a crises e guerras, que o universo das mulheres seguramente dispensaria.
Já existe esse conhecimento dos benefícios de ter mulheres em papéis de liderança e em discussões dessa grandeza. Então o que é que falta? O que é que se pode fazer para atuar nessa parte que é cultural?
Não há nenhuma Bimby que mude a cultura de um país em meia dúzia de anos. Mas temos feito um caminho importante ao longo das últimas décadas. Agora, é preciso primeiro ganhar consciência da realidade. Depois em função da realidade — e a realidade é diferente em cada empresa — estabelecer objetivos. Se não se estabelecerem objetivos e esses objetivos não assumirem a força de compromissos, a realidade demora mais tempo a mudar, não é? E, portanto, é, depois, preciso perseguir esses objetivos de forma a que tenhamos uma realidade diferente dentro de dez anos.
E depois acho que as próprias mulheres precisam de se organizar para alterar essas coisas, nomeadamente ao nível dos partidos políticos. Faz-me um bocado de impressão que as mulheres aceitem esta realidade, de que no final do dia, por muita qualidade que tenham, quem governa os partidos, quem é candidato à liderança dos partidos, sejam quase sempre homens. Passa também pelas mulheres ter um maior sentido de exigência relativamente à sua participação na vida pública em cargos de poder, seja nas empresas ou na vida política.
Vê alguma boa candidata que gostasse de ver na liderança do Partido Socialista?
Não, não entro nas questões de discussão da sucessão partidária. Limito-me a constatar o óbvio. Que me lembre, só dois partidos — enfim, o PSD também teve uma uma líder mulher durante um tempo –, recentemente tiveram líderes no feminino. E um ainda tem, o Bloco de Esquerda. No Partido Socialista, que é um partido crítico da nossa sociedade democrática, nunca a função de liderança foi ocupada por uma mulher. Nem creio que alguma vez tenha havido uma candidata a secretária-geral do Partido Socialista. Isto, apesar da enorme qualidade de militantes socialistas que existem no partido. É preciso ganhar consciência. Porque é que é assim? Porque é que no final do dia, somos um país que, nas funções chave, o Presidente da República, primeiro-ministro, presidente da Presidência da Assembleia da República, com uma honrosa exceção, somos basicamente um país onde, nas funções críticas, nas funções de maior poder político… estão basicamente homens? E nas empresas também há exceções, há grandes empresas que são lideradas, e bem lideradas, por grandes mulheres. Mas a presença de mulheres em funções de topo também é mais uma exceção do que a regra em Portugal. Seria desejável que daqui a dez, 20 anos, pudéssemos olhar para trás e perceber que tivemos mais mulheres na liderança de empresas e na liderança política.
No caso das empresas é reconhecido que a paridade é desejável. No caso da Brisa, por exemplo, o objetivo é chegar aos 33% de representação em cargos de chefia até 2025. Isto porque está em linha com o número de mulheres na força de trabalho. Perguntava de qualquer forma, porque não a paridade?
O que estabelecemos foi um rácio que tenha a ver com o número de mulheres que estão na empresa. Por razões diversas, só cerca de 35% da nossa força trabalhadora são mulheres. E, portanto, o que estabelecemos é: não devemos ter um bias [discrepância], isto é, se temos 35 a 40% de mulheres a trabalhar na Brisa, pelo menos 40% das funções de chefia e das funções de quadro de dirigentes deveriam ser ocupados por mulheres. De forma a que não haja um bias relativamente a nenhum dos géneros.
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
Portugal teria menos crises “se tivéssemos mais mulheres em posições de poder”
{{ noCommentsLabel }}