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“Se compararmos a IA com a indústria dos videojogos, acabámos de lançar o Pac-Man”

Ivo Bernardo, cofundador da DareData, aborda o atual estado de maturidade da IA e as tendências para 2026, assim como os serviços mais procurados pelas empresas.

A automatização do atendimento ao cliente e a otimização de processos internos são as soluções mais procuradas junto da equipa da DareData, uma empresa portuguesa especializada em desenvolver e implementar inteligência artificial (IA). Ivo Bernardo, cofundador, admite também que muitos clientes ainda acreditam, erradamente, que a IA pode ser solução para tudo: “Há esta frustração de a IA é uma solução para tudo, portanto é o martelo que resolve todos os pregos, ou tudo é um prego para este martelo.”

No terceiro episódio do Podcast .IA, o programa do ECO que todos os meses analisa como um setor da economia está a implementar tecnologias de IA, o responsável da DareData aborda também algumas das tendências nesta área para o próximo ano de 2026 — nomeadamente, mas não só, a interceção entre a IA física e virtual.

Esta área ainda resolve tudo muito muito à força bruta. Resolve-se tudo assim. Hoje em dia já estamos a chegar à conclusão que nem sempre se vai resolver assim. Começa-se a ouvir falar dos Small Language Models.

Quais são as soluções que atualmente os vossos clientes mais procuram?

A primeira tem sido a área do atendimento ao cliente. No fundo, tudo o que são processos que estão centrados em otimizar a resposta ao cliente. Dou dois exemplos. O chatbot Helena [dos CTT], que acelera a resposta a clientes que o procuram e que não querem estar à espera numa linha de atendimento, ou usar outros canais, para ter essa resposta, e um projeto com a Nos para ajudar os operadores a obter informação de forma mais rápida dentro da organização. É ter um copilot — que não é só um copilot simples, pois requer mais integração com os sistemas internos destas empresas grandes, que têm muita complexidade, e que têm muita dificuldade, às vezes, em mapear toda a documentação que têm dentro — que ajuda as pessoas que estão na linha a responderem de forma mais rápida àquilo que os utilizadores ou os clientes pedem.

O outro tipo de soluções que os nossos clientes têm procurado é, maioritariamente, de otimização do seu próprio serviço. Processos internos que necessitam de otimizar, como, por exemplo, terem pessoas consistentemente a responder ao mesmo tipo de e-mails. Grande parte desses processos pode ser automatizada.

As empresas quando vos abordam para implementar algum caso específico, já têm uma ideia do que é que pretendem? Ou muitas vezes ainda vão imbuídas daquele marketing de ‘temos que ter qualquer coisa de IA, não sabemos é bem o quê’?

Há os dois estágios. Temos clientes que já têm alguma maturidade tecnológica e que já sabem, maioritariamente, onde é que podem aplicar a inteligência artificial. Mas depois temos outros clientes que vêm completamente vendidos pelo hype à volta desta área que faz com que percam o discernimento de onde é que isto vai acrescentar valor.

Eu dou um exemplo de uma reunião onde estive há pouco tempo, há cerca de dois ou três meses, em que um cliente nos dizia, numa primeira reunião, que queria automatizar todo o seu customer support, porque tinha visto umas demonstrações incríveis, de agentes de inteligência artificial a automatizar todo o suporte. E a minha pergunta foi: mas quantas chamadas é que recebem por dia? E ele disse ‘umas 20’… Se calhar, não é a inteligência artificial que vai resolver aqui grande coisa.

É depois daí que vem a frustração das expectativas de retorno? A IA pode ser uma solução à procura de um problema também.

Exatamente, essa é uma excelente frase. Há duas formas de frustração. Há esta frustração de a IA é uma solução para tudo, portanto é o martelo que resolve todos os pregos, ou tudo é um prego para este martelo. E a segunda é a frustração de uma fraca implementação da parte de empresas que podem estar a trabalhar nesta área. Isso acontece naturalmente numa área que está com um hype enorme. Portanto, todas as empresas que minimamente trabalham com teclado e com computador, neste momento, vão dizer que fazem IA.

Enquanto data scientist, sei que acompanha de muito perto tudo o que acontece nesta área. Com um novo ano agora a começar, quais são as principais tendências para este campo que irão marcar 2026?

Em primeiro lugar, a qualidade dos sistemas de inteligência artificial. O que quero dizer com qualidade é cada vez mais sistemas saberem lidar com alucinações, com erros de inteligência artificial e, principalmente, termos muita investigação à volta de como tornar estes processos de inteligência artificial o mais assertivos possível dentro das soluções de negócio. Isto porque colocar sistemas de inteligência artificial em processos críticos ainda não é óbvio para a maior parte das organizações. Quando eu digo processos críticos, são processos que podem dar azo a riscos de compliance, riscos de marca, riscos financeiros. Hoje em dia ainda não temos total confiança. É algo que nós temos estado a trabalhar muito com bastante sucesso. Mas é necessário saber que a inteligência artificial vai errar sempre, está na sua génese errar sempre.

A segunda, diria que é tudo o que é eficiência dentro desta área. Esta área ainda resolve tudo muito muito à força bruta. Há uma certa tendência para simplesmente aumentar os parâmetros, que são o número de escolhas e complexidade destes modelos, à bruta. Resolve-se tudo assim. Hoje em dia já estamos a chegar à conclusão que nem sempre se vai resolver assim. Começa-se a ouvir falar dos Small Language Models.

Context is king

Context is king. Ou seja, tentar reduzir a complexidade destes modelos para eles serem mais eficientes. Reduzir estes modelos também vai ser necessário, porque, neste momento, o investimento da parte dos clientes em tudo o que são custos de manter estas soluções é quase uma coisa invisível que as pessoas estão a atirar para debaixo do tapete, mas que vamos ter que nos preocupar com elas no futuro, de certeza, e isso vem através de uma melhor eficiência desta tecnologia.

E, em terceiro lugar, estamos a ver uma movimentação mais vasta para a intersecção entre o mundo físico e o mundo de inteligência artificial.

Os robôs humanoides?

Sim, e também a própria construção do mundo físico com base em inteligência artificial ou do mundo simulado com base em inteligência artificial. Parece um bocadinho de ficção científica, mas podemos, por exemplo, pensar na criação de CGI [computer-generated imagery, isto é, imagens geradas por computadores] dentro dos filmes, que era criada através da tecnologia CGI, e que no futuro poderá ser criada através da inteligência artificial. Portanto, essa intersecção entre o mundo físico e inteligência artificial.

Ivo Bernardo, cofundador da DareData, em entrevista ao podcast do ECO “.IA”Hugo Amaral/ECO

No momento em que gravamos, os investidores continuam muito preocupados com a sobrevalorização das tecnológicas. Se esta bolha de IA rebentar, poderemos vir a assistir a um novo inverno de IA?

Acho que não. Acho que pode rebentar no sentido da expectativa e da velocidade da expectativa. Financeiramente, acho que estamos em múltiplos de avaliação brutais, apesar de que é muito diferente da bolha das dotcom. Quando comparamos com a bolha das dotcom, não havia revenue absolutamente nenhum, era praticamente nulo, bastava meter ‘.com’ no nome e os múltiplos expandiam. Hoje em dia há revenue. Parte desse revenue também é um pouco contribuição de todos estarem a gastar uns nos outros, mas isso depois daria para mais 20 minutos de conversa. Contudo, acho que mesmo rebentando uma bolha a nível financeiro e tendo uma natural correção dos mercados financeiros e das expectativas loucas, ainda há muito para fazer na aplicabilidade da inteligência artificial.

Ainda estamos nos primórdios da aplicação da inteligência artificial. E eu diria que nós, neste momento, se formos olhar, por exemplo, comparar com a indústria dos videojogos, acabámos de lançar o Pac-Man.

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