• Entrevista por:
  • Cristina Oliveira da Silva e Paula Nunes

“Só com a reestruturação do setor bancário perdemos cerca de 10 mil sócios”

A UGT acredita que tem cada vez mais apoiantes. A reestruturação da banca teve um impacto forte mas Carlos Silva diz que a central tem ganho associados noutros setores.

A crise teve efeitos no número de sindicalizados na UGT, que continua a ser maioritária no setor financeiro. Mas a central sindical começa a ganhar peso noutros setores, diz Carlos Silva. Na Carris, também é maioritária. Mas não era, atira o secretário-geral da UGT, justificando esta mudança com a postura da CGTP.

Carlos Silva acredita que a municipalização da Carris — e o consequente pedido de apreciação parlamentar do PCP — não vai abrir nova frente de batalha entre UGT e CGTP. Em março, o líder da UGT avança para um novo mandato, garantindo que a pressão interna para se recandidatar foi muita. Aos 59 anos, deixará de liderar os destinos da central sindical. Não sabe ainda o que vai fazer. “Aos 59 anos gostava de me aposentar, mas para fazer o quê?”, questiona. Outra opção é regressar ao Novo Banco: “Se ele for vendido, serei naturalmente trabalhador da instituição que resultar da venda do Novo Banco”, remata.

A UGT tem raízes socialistas. Isso de alguma forma facilita a negociação com o Governo, ou pode até prejudicar, obrigando a central a ser mais compreensiva com medidas com as quais discorda?

Tem raízes socialistas e tem muitos social-democratas. Eu diria que são 55/45. Também tenho uma fortíssima componente social-democrata dentro da central, a quem também temos de dar a devida compreensão e o devido respaldo. Nos últimos 40 anos, os governos têm sido PS, CDS, PSD… e a UGT tem conseguido lidar com todos de forma muito equilibrada. Mesmo com os socialistas, o que às vezes não é fácil. O meu camarada João Proença às vezes tinha uma relação complicada com Primeiros-Ministros socialistas, até com José Sócrates. Mas eu não tenho razões de queixa.

Portanto, não facilita nem dificulta?

Não facilita nem dificulta. Há uma relação de respeito. O PS sempre respeitou muito a autonomia dos militantes sindicais socialistas. E isso verifica-se na atuação deste Primeiro-Ministro. Nunca me criou pressões. Devo dizer com toda a sinceridade, nunca recebi nenhum telefonema nem nenhum recado de quem quer que seja do Governo, a dizer que precisa de um apoio ou de menos barulho… nunca, é a minha palavra de honra que isso nunca aconteceu. Nem nós para eles, nunca fomos pedir nada nem bater à porta.

Na concertação social, a UGT é mais oponente da CGTP do que dos patrões?

Não. Isso é uma mensagem que às vezes se quer fazer passar dentro de um determinado paradigma. Não fazemos oposição à central sindical CGTP. Aliás, retribuo ao secretário-geral da CGTP aquilo que ele disse: eles não estão lá para negociar com a UGT; eu devo dizer que a UGT não está lá para negociar com a CGTP.

Dá-se melhor com os patrões do que com Arménio Carlos?

Dou-me melhor com todas as pessoas que consigam ser respeitadoras e não tenham uma visão distorcida daquilo que é a realidade.

Tem essa sensação, de que os patrões são respeitadores da concertação social?

São respeitadores. Jogam em grupo.

Tem boa relação?

Eu tenho uma boa relação com toda a gente. As pessoas conhecem-me como uma pessoa conciliadora. E até há camaradas meus, na UGT, que dificilmente perceberam como é que eu nestes últimos tempos reagi de forma um pouco mais assertiva em relação à valorização da concertação social e entrámos aqui um pouco num clima de choque com a CGTP. Não tenho problemas desses. O facto de ser conciliador não significa que em determinados momentos não possa ter uma posição de arregaçar as mangas e dar um murro na mesa.

Mas nunca fez isso com os patrões, pois não?

Há coisas que não se sabem cá fora.

É dentro da concertação…

E também fazemos reuniões bilaterais com os patrões. Agora, vamos negociar com a CGTP o quê?

É mais fácil negociar com os patrões do que com a CGTP?

Estamos ali para negociar com os patrões. É mais fácil dialogar com os patrões, é difícil negociar. Porque é que há uma relação de cordialidade com os patrões? Quando temos de negociar, precisamos que as portas estejam franqueadas. Não é com vinagre que se apanham moscas. Já visitei mais empresas neste mandato do que os outros dois secretários gerais durante 30 anos. E vou continuar. O fator proximidade é muito importante.

Como entro nas empresas? Sendo recebido pelos patrões. Dizem “a UGT tem uma postura de moderação, de diálogo, e portanto gostávamos que viesse visitar a nossa empresa, os outros não deixo entrar”. É com este tipo de atitude que em alguns casos temos conseguido abrir portas até em alguns setores. Há pouco tempo estive numa empresa, quando se soube que eu ia lá, os meus colegas do sindicato fizeram 100 associados. Uma empresa com dois mil trabalhadores. Se fizerem mais 100 passam a ser maioritários. Significa que isto tem importância. Mas os portugueses estão cansados de discursos radicais.

Temos vindo a ganhar na indústria, no setor da cortiça, no setor industrial, nos têxteis, lanifícios, confeções.

Carlos Silva

Secretário-geral da UGT

A CGTP já disse que tem o apoio de cada vez mais pessoas. A UGT também?

Os sindicatos têm cada vez mais associados. Apesar da crise… só com a reestruturação do setor bancário perdemos cerca de 10 mil sócios. Porque foram 10 mil trabalhadores embora, com as rescisões, e houve alguns despedimentos coletivos.

E já recuperou?

Não. Mas temos ganho muitos noutros setores.

A banca continua a ser maioritária dentro da UGT?

Sim, no país. A UGT continua a ser esmagadoramente maioritária no setor financeiro e em muitas grandes empresas. Até na Carris já somos maioritários.

Houve algum setor que tenha ganho preponderância?

Temos vindo a ganhar na indústria, no setor da cortiça, no setor industrial, nos têxteis, lanifícios, confeções. Por exemplo, agora houve esta reunião da Carris [com o PCP sobre a municipalização da Carris]. Sabe nos últimos anos quantos acordos assinou o SITRA [afeto à UGT] na Carris? 18. Sabe quantos assinou a CGTP? Zero.

Mas é minoritária…

Mas era maioritária. É a empresa do secretário-geral da CGTP. Porque perdeu esta dimensão?

Porquê?

Porque se recusa à negociação. Os trabalhadores estão cansados, às vezes, de determinadas lutas. Porque uma coisa é levarmos os trabalhadores para a luta e dizer aquela parangona muito célebre “a luta continua”. Com certeza, continua sempre. Há quem a queira na rua e há quem a queira à mesa das negociações. E nós sempre preferimos a mesa das negociações. Um acordo para um trabalhador dentro de uma empresa, é para ter benefícios sociais, aumentos salariais, segurança no emprego, adaptabilidade de horários… Imagine se um sindicato tivesse a capacidade de fazer perceber aos vários patrões a mais-valia que representa ter um contrato coletivo, que é estabilidade para o trabalhador. Precisamos de contratos coletivos de trabalho. Se do nosso lado tivermos sempre a noção de que ou tem estas cláusulas todas ou não há contrato de trabalho, não há concertação possível. Uma negociação é ‘toma lá, dá cá’.

Não tenho pena que não haja unicidade sindical, porque a unicidade não pode significar impor a lei da cúpula.

Carlos Silva

Secretário-geral da UGT

Pegando nesta questão da Carris, vem aí nova frente de batalha UGT/CGTP?

Não.

Os sindicatos da CGTP estão contra a municipalização, a UGT e os independentes estão a favor…

Sim, mas eu julgo que o próprio PCP já fez saber que da apreciação não irá resultar o pôr em causa, uma reversão… julgo que as coisas se vão resolver a bem. Estes últimos tempos foram muito enxameados por algum palavreado, para o qual também contribuí, mas julgo que é em determinados momentos que temos de fazer valer os nossos argumentos.

Tem pena que na concertação social não haja uma união entre confederações sindicais?

Não tenho pena que não haja unicidade sindical, porque a unicidade não pode significar impor a lei da cúpula, do centralismo democrático.

Mas reforçaria o movimento sindical, se as duas fossem mais unidas?

Claro, vai aqui a Espanha e vê em muitos casos as Comisiones e a UGT unidas nas mesmas frentes, o que não significa que estejam sempre de acordo. Há momentos em que as cinco confederações francesas e as quatro ou cinco italianas também estão unidas na rua e em determinadas mesas negociais, embora cada uma tenha posições diferentes. É sempre possível convergências e a chamada unidade na ação.

Aqui não acha que seja possível?

É muito difícil… Porque a CGTP está muito arreigada ao controlo do PCP, é muito complicado. E o PCP tem uma visão muito ortodoxa da sociedade. Dos 28 estados-membros, qual é o estado que tem um partido com o peso que ainda existe na sociedade portuguesa por exemplo do PCP? O que é que existe nos outros 27? É uma questão de compararmos.

Porfírio Silva defendeu recentemente em entrevista uma agenda para a década que una PS, PCP e Bloco de Esquerda. Faz sentido?

É um desafio para o PS, não me cabe a mim responder.

Mas faz sentido ter estes três partidos com uma agenda de longo prazo?

É muito tempo para eu estar a antecipar um cenário desses. Mas julgo que, se António Costa conseguir levar até ao final da legislatura — e estou convencido que sim — um Governo com estes apoios parlamentares, julgo que não seria despiciendo que, para garantir que uma agenda para a década pudesse ser exequível — só o pode ser, na minha opinião, se houvesse um comprometimento maior ao nível da ação governativa. Isso implicaria que não fosse só o PS a assumir as rédeas da governação.

Uma governação tripartida?

Não tem de ser mas, no mínimo, um dos partidos devia ocupar funções governativas.

E acha que o Governo chega ao fim da legislatura…

Sim, não tenho grandes dúvidas. Porque acima de tudo, tem-se notado nos líderes do PCP e do Bloco de Esquerda uma certa sensação de que, independentemente do que vier a acontecer, com o PS vão negociando. Não querem é um retorno do PSD e CDS ao governo. Entre uma coisa e outra vale mais o atual cenário. Eu acho que António Costa é um político com muita experiência e tem dado uma dimensão à governação portuguesa que muitos não estavam à espera. Eu próprio não estava à espera.

Não esperava?

Em 2015 já tinha dito que em termos de estabilidade política, o PS era capaz de ter mais estabilidade encontrando um acordo com o PSD do que com a esquerda. Mas reconheço que naturalmente esta solução governativa tem virtualidades que tem muito a ver com a gestão política que o Primeiro-Ministro tem conseguido fazer.

Já acha que é melhor a união com PCP e BE do que seria com PSD?

Essa pergunta já é diferente. Isso não sei, é a sociedade portuguesa que terá que decidir nas próximas eleições.

O Governo está a maltratar o investimento?

Não me parece. A verdade é que há programas que o Governo implementou que estão ajudar as empresas, o Portugal 2020 está a ser mobilizado, o programa Capitalizar começa a ser posto em prático, vêm aí investimentos públicos já anunciados pelo Governo… tem que ir pouco a pouco, o Governo está lá há um ano. As confederações têm tido uma grande preocupação em alertar o Governo para a necessidade de continuar e reforçar apoio às empresas. E tem havido. Vai continuar a haver abertura para algumas reversões — em 2016 uma das primeiras decisões foi repor o IVA da restauração. Era para agradar a quem? Às empresas da restauração…

O Presidente da República vai estar presente na abertura do Congresso da UGT.

A 25 de março, no Porto.

É a primeira vez…

O Presidente da República e o Primeiro-Ministro…

Que comentário lhe merece?

Devem ser os portugueses a fazer esse comentário. Porque é que o Presidente da República e o Primeiro-Ministro vão a um congresso de uma central sindical, se nunca foram a mais nenhum?

Que leitura faz?

A minha, que é naturalmente sectária. É dizer que acham que a UGT é um parceiro de confiança e credível na sociedade portuguesa, que é um defensor a toda a prova da concertação social e tem mais virtudes do que defeitos. Acho que é uma valorização da UGT na sociedade portuguesa e o demonstrar ao país que precisamos de parceiros que defendam a concertação social.

E o Carlos Silva vai novamente a eleições?

Pois.

Recandidata-se a um segundo mandato. Quais as prioridades?

Continuar a manter a UGT numa rota de crescimento, de proximidade aos trabalhadores. Uma organização defensora de trabalhadores mas que também passe uma imagem de responsabilidade perante o setor empresarial, permitindo que os empresários olhem para os trabalhadores não de cima para baixo, mas com respeito, com condições decentes, respeitando os contratos e abrindo as portas à sindicalização e à contratação coletiva.

E que sensibilidade tem das suas bases?

Há uma grande coesão interna. Houve uma grande pressão interna para me recandidatar. De todos… de vários quadrantes da vida do país. Porque é que acha que vão estas entidades ao congresso?

Quando terminar o mandato, volta à banca?

Quando terminar, terei 59 anos. Não sei o que vou fazer. Aos 59 anos gostava de me aposentar, mas para fazer o quê?

Houve uma grande pressão interna para me recandidatar.

Carlos Silva

Secretário-geral da UGT

Pensa voltar à banca?

Sou empregado do Novo Banco. Se ele for vendido, serei naturalmente trabalhador da instituição que resultar da venda do Novo Banco. Portanto, é normal que regresse…

São dois mandatos…

Sim, são só dois mandatos, embora o primeiro tenha cá estado 18 anos e o segundo 19.

Mas há uma limitação de dois mandatos…

São dois, um terceiro por decisão do Congresso. Mas eu acho que dois está bem. Um era o ideal, dois é razoável no sentido de alavancar um conjunto de conquistas que foram feitas, entre as quais o saneamento financeiro da central, que isto também é uma organização grande.

Pôs as contas em ordem?

Sim, saneei financeiramente a instituição, adquirimos esta nova sede. Havia uma situação muito complicada. Está resolvido.

Qual a solução que defende para o Novo Banco?

Qualquer situação que venha a ser encontrada — não sou fundamentalista de nenhuma delas — deve preservar em primeiro lugar os trabalhadores, que são mais de cinco mil.

  • Cristina Oliveira da Silva
  • Redatora
  • Paula Nunes
  • Fotojornalista

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