Inclusiva, próxima, sensível, inspiradora. De quantos líderes precisamos mais para perceber que a liderança não é uma questão de sexo mas de ação?
“Há boas notícias”, começa por dizer Helena Marujo, investigadora e professora no ISCSP.
“Há lideranças femininas em homens e lideranças masculinas em mulheres”, detalha. À pergunta “A liderança tem sexo?”, que arranca a conversa entre quatro mulheres e um homem, a investigadora adiciona uma adenda. “A minha resposta é sim… e não: por um lado, a liderança feminina é uma área de investigação, há modelos teóricos a sustentar que características tem, a maneira de gerir pessoas que é considerada próxima da visão que simboliza a mulher. Portanto, a resposta é sim porque conseguimos efetivamente estudar as dimensões que compõem uma liderança com características femininas. (…) Também é não porque ela não está associada ao género sexual. E isso é uma ótima notícia”, sublinha.
À mesa, Pedro Ramos, diretor de recursos humanos da TAP modera a conversa entre mulheres e vai “picando” as intervenientes com provocações. Além de Helena Marujo, professora auxiliar do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa desde 2011 e investigadora na área da felicidade, acompanham-no Conceição Zagalo, membro-fundador da GRACE, Elsa Carvalho, diretora de recursos humanos da Caixa Geral de Depósitos e Anabela Chastre, coach e consultora na área da liderança.
Um estudo da Mercer, divulgado nos primeiros dias de março, dava conta de que, apesar de mais atentas, menos de metade das empresas consultadas no estudo “When Women Thrive 2020” – que envolveu mais de 1.150 empresas em 54 países e mais de sete milhões de trabalhadores – implementa estratégias para promover a igualdade de género. De acordo com os resultados do estudo, 81% das empresas afirma que é importante melhorar a diversidade e inclusão, mas menos de metade, cerca de 42%, implementa uma estratégia plurianual para promover a igualdade de género.
Para Elsa Carvalho, “primeiro que tudo, a liderança tem pessoas”. “Relativamente à questão de se se nasce líder, o que é certo é que notamos logo diferença nas crianças, e essas diferenças são sempre reforçadas e potenciadas. Funciona como o efeito de pigmaleão: eu se tenho determinado tipo de comportamentos e se, com esses comportamentos eu vou tendo sucesso, eu tendo a reforçar esses comportamentos”, afirma a diretora de recursos humanos da Caixa Geral de Depósitos.
Parte da associação de estudantes e dinamizadora do jornal da escola, Elsa reflete questiona se, olhando para o perfil, isso significa ser líder. “De facto, isso são características que, quando recrutamos jovens, procuramos. O quanto as pessoas investem ou se são reconhecidas pelo meio são sinais do quanto é que querem crescer”, assinala.
Também para Conceição Zagalo, não há dúvidas: “Definitivamente a liderança não tem sexo, acabou”, avalia. “Há homens líderes, há mulheres líderes, há crianças líderes. E eu acho que, cada vez mais a liderança tem complementaridade: tem amor, seguramente e é por amor que vamos lá, e por afeto, e por genuinidade, e por capacidade de ser seguido por todos aqueles que se identificam pela nossa forma de estar, pelas nossas emoções. Tem seguramente a capacidade da complementaridade e tem uma condição analítica fabulosa: a liderança não pode ser comparada”.
"Continuamos a ser muito cartesianos, a arrumar as pessoas em pacotes. E aquilo que emerge cada vez mais é a possibilidade de construir simultaneamente as forças que vêm de mundos tradicionalmente femininos e outros vistos como mais masculinos.”
Mas, quando os tipos de liderança se avaliam, como não comparar? “Não há substantivo, não há adjetivo, não há verbo de comparação para líderes. Eu não sou mais nem menos líder que um homem ou que uma mulher, nem do que uma criança. E, tendo netos, há ali uns que têm espírito de liderança muito mais marcado. A minha neta de oito anos é líder genuína, e aí está: é muito espontânea e, acima de tudo, ela não se compara nem com o irmão nem com nenhum dos primos”, dá como exemplo.
Liderar, inspirando
Quando se fala em liderança, também Anabela Chastre considera que a qualidade tem pouco a ver com o sexo do seu protagonista. A consultora e coach, habituada a acompanhar alguns dos mais reconhecidos líderes empresariais do nosso país, sugere antes que um líder exemplar tem de deixar rasto. “Mais do que um género, a liderança tem de ser vinda de alguém que inspira”, defende. A especialista assegura ainda que, para inspirar, esse líder “tem de ser também uma pessoa inspirada”. “Inspiramos pessoas se gostarmos de pessoas. E, ao liderarmos, vamos sempre achar que podemos ajudá-las de alguma forma. É tão simples quanto isso: ver a pessoa que está atrás da figura que lidera; a pessoa que está em determinada função, a liderar uma organização, é uma pessoa”.
A inspiração é coisa simples, acrescenta a especialista. E recorda: à chegada ao encontro, Conceição Zagalo abre os braços e abraça todos os presentes: cumprimenta com o corpo inteiro. “Um abraço da Conceição Zagalo vale imenso porque descreve uma proximidade às pessoas que não tem a ver com aquela liderança de que estamos habituados a falar e, de cada vez que falamos em liderança, eu via muito isso. Antes as pessoas diziam muito: eu não sou líder. Hoje muitas já se veem como líderes. Porquê? Porque havia aquele peso da palavra”, assegura Anabela Chastre.
Um abraço significa assim, a abertura de um líder, refere Pedro Ramos. “É essa a mensagem: eu sou igual a ti. E esta é a parte mais bonita da liderança: eu sentir-me igual nesta postura de igualdade. Não há nem questões hierárquicas nem de outro género e, por isso, eu sou igual a ti, eu posso ajudar-te e tu podes ajudar-me”.
“Quando estamos em relação, estamos sempre a inspirar. Porque se nos inspirarmos e se inspirarmos os outros a ser melhores pessoas, seremos de certeza melhores líderes”, assinala Elsa.
Há lideranças femininas em homens e lideranças masculinas em mulheres, e esse é, para mim, um elemento rico porque também nos alimenta a visão de equidade, de igualdade, e retira-nos o preconceito associado ao género sexual.
Mas afinal, onde acaba o liderado e começa o líder? O processo tem tudo menos linearidade, explica Conceição. “Estas coisas são sempre paradoxais: acho que isso é a história do ovo e da galinha, acaba por ser um círculo de discussão sem fim. Um líder nasce, um líder faz-se, o líder inteligente é aquele que aceita que tem de desenvolver competências que não tem”, assinala.
Essa construção tem como base as características que lhe são intrínsecas – muitas vezes, “genuinamente biológicas” mas, também, as que são desenvolvidas ao longo do tempo. “Os homens e as mulheres mais inteligentes tendem a desenvolver as competências e as características de inteligência emocional que não têm em si para poderem desenvolver boas competências de liderança. A liderança tem vontade? Tem. Tem potencial? Tem. Será muito mais equilibrada quando eles e elas se complementarem? Sem dúvida. Para que daqui a uns tempos deixemos de discutir o sexo dos anjos e saibamos capitalizar em tudo o que temos ao nosso dispor: homens e mulheres”.
Pedro Ramos interrompe: falando em competências, o diretor de recursos humanos da TAP refere que, em toda a sua carreira, e sendo a área de recursos humanos maioritariamente feminina, sempre viu a “concorrência” como uma oportunidade para melhorar as suas competências de multitasking.
“Há competências mais de homens e mais de mulheres. As minhas concorrentes sempre foram mais mulheres, e elas sempre conseguiram fazer várias coisas ao mesmo tempo. Eu comecei a trabalhar essa competência porque percebi que era algo que eu tinha de ter porque elas tinham. Isto é literalmente a minha história: não será antes pelas competências que, postas ao serviço da liderança, tornam as coisas mais efetivas?”, questiona.
Investigar para entender
Helena Marujo vê, cada vez mais, a área da investigação em liderança “com impacto e interesse crescente”. “Percebemos os modelos tradicionais de liderança, mais associados à visão masculina do que é gerir, mais hierarquizada, mais dominadora, mais distante das pessoas, fria do ponto de vista emocional, onde não entram emoções e em que as relações são uma coisa instrumental. Há lideranças femininas em homens e lideranças masculinas em mulheres, e esse é, para mim, um elemento rico porque também nos alimenta a visão de equidade, de igualdade, e retira-nos o preconceito associado ao género sexual. Há, de facto, mulheres que têm estilos de liderança muito, muito masculinos. E o contrário”, assinala a investigadora. E isso, sublinha, pressupõe estilos “muito impositores, muito autoritários”.
Primeiro que tudo, a liderança tem pessoas.
Mas há, por outro lado, “homens com uma capacidade extraordinária de escuta, de estimular a cooperação em vez da competitividade, com uma extraordinária sensibilidade e uma atenção muito grande a emoções”, destaca. Helena Marujo sublinha que, neste sentido, sentimentos como a compaixão nas organizações, no sentido da “maneira como os líderes dentro de cada organização conseguem respeitar, reconhecer e cuidar do sofrimento” acontecem cada vez mais. “Há muitos homens que têm esta capacidade de cuidado que é, muitas vezes, associada à capacidade feminina que, por inerência das sociedades acabou por cair no colo das mulheres”.
Por isso, segundo a investigadora, o mais bonito de todo o processo de estudar formas de liderança cada vez mais sentidas são os impactos desses estilos. “Estamos a perceber que, sem emoção, não existe competência; sem emoção não existe produtividade – se não respeitarmos esses elementos associados ao sentido, ao significado que as pessoas dão ao próprio trabalho, àquilo que fazem, não conseguimos atingir os objetivos estratégicos das organizações”. Daí que defenda que o que faz sentido investigar agora seja o conceito de “bens relacionais”.
“Por um lado, esta ideia de que caminhamos para visões mais integradoras é nova do ponto de vista académico e de investigação. Mas também perceber que continuamos a ser muito cartesianos, a arrumar as pessoas em pacotes. E aquilo que emerge cada vez mais é a possibilidade de construir simultaneamente as forças que vêm de mundos tradicionalmente femininos e outros vistos como mais masculinos. E que é desta integração que está a surgir o conceito de líderes morais”, acrescenta Helena.
"Há homens líderes, há mulheres líderes, há crianças líderes. E, cada vez mais a liderança tem complementaridade.
”
“Os líderes para o bem comum são os que precisamos para responder aos grandes desafios que temos em cima da mesa – sustentabilidade, igualdade, equidade, distribuição de recursos, capacidade de encontrarmos formas saudáveis de viver. Estes elementos são agregados, devem continuar a ser estudados de forma interdisciplinar. Daí ser tão importante que os líderes recorram a pessoas com diferentes visões”, assinala a investigadora. “E isso inclui flexibilidade, e daí a dificuldade porque muitas vezes achamos que a liderança tem de ser um caminho muito definido, com medo de fazer os desvios. E hoje é ao abrir que conseguimos esta oxigenação, que nos dá a capacidade de seguirmos com estas mulheres e homens, independentemente do sexo”.
“Pense num líder”
Arrogante, inteligente, egoísta, destemido, focado, poderoso, dominador, assertivo, concentrado, competitivo forte presença física e convencido. “São estas as características que a internet atribui às lideranças masculinas”, enumera Pedro Ramos. Polivalente, simpática, forte, intuitiva, construtora de relações, franca e verdadeira, disponível, comunicadora e assertiva. “Estas são atribuídas às lideranças mais femininas”, assinala o diretor de recursos humanos da TAP. “Pensem no líder que foi mais inspirador para vocês. Alguém que escolhemos para ser nossa referência”, desafia Pedro.
"Mais do que um género, a liderança tem de ser vinda de alguém que inspira.
”
Elsa responde: era um homem. Para Conceição, duas pessoas. “O meu pai e a minha avó materna”. Para Helena, o mesmo: um homem e uma mulher. “E agora, essas pessoas com o sexo oposto: seria o mesmo líder?”, pergunta Pedro Ramos. “Sim”, responde Elsa, quase sem pensar. “Eu estava imediatamente a refletir porque é que, para mim, era uma referência.
Pelas características humanas, emocionais, do cuidar do outro: não deixava de ser uma pessoa que atingia objetivos – estou a falar do líder empresarial, e a empresa existe também para atingir objetivos – mas a forma como os atingia era profundamente humana, profundamente cuidadora”, assinala, acrescentando: “E profundamente inspiracional: fazia-nos, de facto, ir mais longe porque nos fazia acreditar em nós próprios. E acho que essa é também característica dos líderes, fazer os outros acreditar neles próprios, permitem-nos ir mais longe”.
“Quem lidera melhor equipas só de mulheres? E só de homens?”, desafia Pedro Ramos. Nenhuma delas se desfaz. E Anabela sublinha: “A liderança não tem sexo”. Fim de conversa.
*Agradecimento ao Selina Secret Garden Lisboa, onde decorreu a conversa.
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