Advocacia sem fronteiras: a oportunidade no mercado africano

A internacionalização da advocacia portuguesa está a ganhar força, com África a destacar-se como destino estratégico para firmas como a AVM, Miranda e Sérvulo.

Uma advocacia sem fronteiras e que aposta em oportunidades de negócio é a nova tendência do setor. Cada vez mais as firmas de advogados abrem asas e “voam” para novos mercados, sejam através de escritórios próprios ou de parcerias, expandindo os seus negócios. Uma das escolhas dos principais players do mercado tem sido África.

No mercado africano os escritórios de advogados veem áreas emergentes que têm menos especialização e por isso é uma boa oportunidade de negócio, mas sempre dependendo de país para país. Exemplo disso são escritórios como a AVM, Miranda & Associados e Sérvulo.

As áreas menos conhecidas localmente e em que há maior necessidade de colaboração internacional são aquelas em que advogados estrangeiros podem aportar mais valor”, refere Diogo Xavier da Cunha. O managing partner da Miranda assume que em grandes projetos de energia e de infraestruturas ou grandes operações de financiamento com investidores e financiadores internacionais a participação de advogados internacionais acaba por ser “praticamente incontornável”.

Baía de Luanda, Angola. MANUEL DE ALMEIDA/LUSAMANUEL DE ALMEIDA/LUSA

A sócia da Sérvulo, Francisca Mendes da Costa, aponta ainda que a evolução do mercado jurídico nos países de língua portuguesa tem sido marcada por um “crescimento expressivo”, impulsionado pelo desenvolvimento económico, pelo aumento do investimento estrangeiro e por sucessivas reformas regulatórias, destacando o setor de energia e as infraestruturas como áreas estratégicas.

Assim, a expansão do negócio ou a necessidade do próprio mercado foram alguns dos motivos que levaram os escritórios a apostar em África e, em alguns casos, até mesmo surgir já a partir de terras africanas, como o caso da AVM.

“A AVM Advogados é um escritório marcadamente lusófono que, ao contrário da maioria dos escritórios internacionais, nasceu em Angola. Isso significa que a nossa entrada no mercado africano foi, desde a génese do projeto, parte intrínseca da nossa identidade e missão, constituindo um fator diferenciador face aos nossos concorrentes”, refere o escritório.

Desde a data da sua criação que também a Miranda & Associados atua em países africanos, atualmente através da Miranda Alliance. “África esteve desde o início ligada de forma umbilical ao nosso crescimento. O primeiro cliente da firma – ainda hoje cliente – tinha um importante projeto energético em Angola e foi por aí que tudo começou”, revela Diogo Xavier da Cunha.

Já a Sérvulo explicou à Advocatus que não houve uma “decisão estratégica do zero” para uma entrada no mercado africano, mas antes um alargamento da presença da firma para outros países assente “em experiências específicas de trabalho que necessitava da assessoria de escritórios com representação e know-how em jurisdições diferentes”.

“A Sérvulo aprofundou as relações com os escritórios parceiros em causa permitindo perceber que estes refletem e partilham de uma matriz comum de qualidade e princípios de trabalho e relacionamento com os clientes. É com base neste conhecimento e confiança que a Sérvulo pode garantir aos seus clientes a atuação sob uma marca comum – a Sérvulo Latitude”, sublinha Francisca Mendes da Costa.

A estratégia de expansão

Dos países da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), como Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau e Moçambique, aos países francófonos, como Camarões, Costa do Marfim, Gabão, República Democrática do Congo e Senegal, vários são os países que os três players abordados pela Advocatus operam atualmente. A razão resulta de uma combinação de fatores estratégicos.

Entre as principais áreas de atuação que operam nesses mercados estão as ligadas aos setores de Energia e Recursos Naturais, Infraestruturas, Contratos Públicos e Contratação Pública, Mercados Financeiros e Bancário, Arbitragem e até Societário, Comercial e M&A.

alta tensão, energiaLusa

“Setores como as energias renováveis, os portos e outras infraestruturas, a construção e o imobiliário, o bancário e as operações de financiamento, a aviação e a agricultura são hoje setores em que a nossa atividade é muito relevante. A nossa atividade também está intimamente ligada às especificidades de cada país. Por exemplo, em Cabo Verde releva bastante a indústria do turismo”, explica o managing partner da Miranda.

Apesar do know-how em todas estas áreas, os escritórios optaram diferentes estratégias no momento da entrada em terras africanas. Tanto a Miranda como a Sérvulo preferiram não abrir escritórios próprios, estabelecendo antes parcerias com firmas locais. No caso da firma liderada por Diogo Xavier da Cunha, todas as sociedades colaboradoras locais integram a Miranda Alliance, uma aliança exclusiva de escritórios que criaram há mais de 20 anos para unir todos os escritórios parceiros. Já no caso da Sérvulo, essa colaboração é feita através da Sérvulo Latitude.

Com uma outra estratégia de expansão, a AVM apostou na abertura de escritórios próprios, com equipas locais “altamente qualificadas” e “integradas com a estrutura internacional da firma”. “Estamos igualmente a avaliar parcerias estratégicas com escritórios internacionais com vocação no mercado africano, promovendo uma abordagem colaborativa e sustentável”, revela fonte oficial do escritório.

Uma coisa é comum a todos, a recetividade por parte dos clientes tem sido “muito positiva”. “A recetividade dos clientes tem sido muito boa e prende-se sobretudo com a nossa abordagem específica ao mercado que julgamos diferenciadora face à maioria dos escritórios portugueses”, garante a sócia da Sérvulo.

Francisca Mendes da Costa considera que a língua comum e a cultura jurídica semelhante facilitam a comunicação e a adaptação às necessidades locais. “Insistimos nesta ideia de multilateralidade da rede porque não queremos nem pretendemos que a rede fique capturada ou tenha que se encontrar polarizada na Sérvulo mas antes que todos os membros estabeleçam relações de trabalho e confiança entre si, o que entendemos, e julgamos que esta é a inovação da rede face às já existentes no mercado português”, acrescenta.

Dos desafios à oportunidade de negócio

Da diversidade regulatória aos diferentes contextos socioeconómicos e legais, vários foram os desafios com que as firmas se depararam no momento da expansão para África. Enfrentamos desafios variados, desde barreiras administrativas e burocráticas até à adaptação a diferentes contextos socioeconómicos e legais. A formação contínua das equipas, a consolidação de práticas de compliance e ética profissional, e a gestão da diversidade cultural e operacional foram aspetos essenciais que exigiram uma abordagem estratégica e cuidada”, explica a AVM.

Já no caso da Sérvulo, os principais desafios baseiam-se na diversidade regulatória e nos processos de mudança legislativa nos diversos países. “A necessidade de compreender as dinâmicas de cada mercado, as particularidades administrativas e os desafios operacionais exigem uma abordagem flexível e integrada”, assume a sócia.

Ciente de que cada país tem os seus próprios desafios, Diogo Xavier da Cunha identificou um aspeto transversal a todos: “geração e manutenção de relações profissionais duradouras próximas com colegas que estão longe”. “Também há que destacar a identificação e retenção de advogados com vocação para este trabalho internacional. Nem todos os advogados, por muito talento e conhecimentos técnicos que possuam, têm este tipo de valência que para nós é essencial”, sublinha, acrescentando que não se pode ignorar os desafios que se colocam a todos os investidores em África, como as questões de segurança, risco político, segurança jurídica, risco reputacional ou até questões associadas à circulação de capitais.

Apesar de todos os desafios, os advogados consideram que existe uma tendência de crescimento na procura por serviços jurídicos especializados em África, sendo uma das razões apontadas o aparecimento de novas áreas e setores de atividade. “Em determinadas áreas e com um determinado tipo de clientes, a advocacia é cada vez mais uma profissão “sem fronteiras” em que a colaboração entre colegas de diferentes países é essencial. Em muitos países foram surgindo novos desafios associados a projetos inexistentes até então, sendo necessário encontrar soluções inovadoras para possibilitar a sua implementação”, sublinha Diogo Xavier da Cunha.

A sócia da Sérvulo acrescenta ainda que os novos desafios que se colocam nos mercados africanos, quer ao nível da reforma e modernização administrativa – que visa acelerar a entrada de novos investidores e remover barreiras ao investimento -, quer ao nível de áreas de atuação que exigem um conhecimento muito especializado e consolidado – como é o caso das energias renováveis, infraestruturas, agricultura e tecnologia -, impulsionam esta tendência.

Assim, a entrada destas firmas no mercado africano permitiu não só alavancar a sua posição global entre os principais players, como também potenciar os seus negócios. “A nossa posição global e o reconhecimento internacional que conseguimos alcançar estão intimamente associados a África. O nosso próprio crescimento na jurisdição portuguesa está fortemente ligado ao sucesso que conseguimos alcançar internacionalmente através da nossa prática africana”, refere o managing partner da Miranda.

Também na Sérvulo, com o crescimento do volume de trabalho e de negócio neste mercado, o posicionamento no mercado internacional saiu reforçado.

No futuro, tanto a Miranda como a Sérvulo, não têm nenhum novo mercado-alvo em África, mas continuarão a avaliar as oportunidades de expansão para novas jurisdições. Por outro lado, a AVM, está a avaliar oportunidades de expansão e parcerias noutras jurisdições africanas com potencial de crescimento, nomeadamente na África Ocidental e Oriental.

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