Ascensão e queda de um “unicórnio”. O inferno da WeWork

Já foi uma das startups mais queridas mas destruiu 40 mil milhões de dólares de valor em poucos meses. Esta é a surpreendente história da ascensão e queda de um "unicórnio" chamado WeWork.

A WeWork pagou 60 milhões de dólares por um moderno jato privado Gulfstream G650 em 2018. Hoje, os prejuízos da empresa davam para comprar quase três destes aviões… por mês.

Esta startup já é vista como um manual de más práticas. Mistura excesso de confiança com empreendedorismo. Trabalho com sauna. Viagens com canábis. E até negócios com espiritualidade.

Já foi um dos “unicórnios” mais queridos em todo o mundo. Porém, em poucos meses, a sua avaliação afundou de 47 mil milhões de dólares para oito mil milhões. Agarre-se bem, porque a história da WeWork parece um filme. E, tendo em conta as circunstâncias, não faltará muito até ser lançado um.

Back to basics

A personalidade da WeWork confunde-se com a do seu antigo CEO e cofundador, Adam Neumann. Só que, enquanto a primeira luta pela vida, o segundo sai de cena com um “prémio” de 1,7 mil milhões de dólares resultante da venda de ações, um contrato milionário de consultoria e uma ajuda para pagar a dívida de 500 milhões ao banco JPMorgan.

A WeWork tem muitos espaços como este um pouco por todo o mundo. Atualmente, alguns estão praticamente vazios, sobretudo os que a empresa comprou na China.Ajay Suresh via Wikimedia Commons

Começar pelo princípio é contar o que representou a WeWork para o ecossistema empreendedor. Com operações espalhadas por todo o mundo, a empresa comprou e manteve acolhedores espaços de coworking em zonas mais premium das cidades. A rede de espaços era muitas vezes considerada em viagens de trabalho de startups que, ali encontravam um ecossistema à sua medida. E ainda que a marca ainda não esteja presente em Portugal, a sua entrada no país era, há muito, especulada e antecipada no mundo das startups e da tecnologia.

Depois, passa também por falar do que atirou a WeWork ao chão: o temido formulário S-1. Trata-se do modelo que todas as candidatas a entrar em bolsa em Nova Iorque têm de preencher para dar início ao IPO. Quando a empresa o começou a preparar, Neumann estava a surfar nas Maldivas. Negou pôr fim antecipado às férias e, quando regressou aos EUA, passou grande parte do verão a trabalhar no documento a partir de uma das suas várias mansões, nos Hamptons.

Segundo o The Wall Street Journal (acesso pago), eram comuns as “piscinas” feitas por funcionários da WeWork entre a sede da empresa em Nova Iorque e a casa de Adam Neumann, de helicóptero. O mesmo jornal recorda ainda que, na primeira versão do prospeto distribuído aos investidores em agosto deste ano, a empresa deu números errados dos custos da expansão do negócio na primeira metade do ano e omitiu informação relevante sobre a forma de governação da companhia.

Nos dias de hoje, pelo menos parte dessa informação é conhecida. Aliás, foi o que resultou na decisão de não avançar com o IPO, um falhanço que atirou a WeWork para a crise que vive atualmente. Sabe-se que, alegadamente, Neumann (na foto) comprava imobiliário que vendia, depois, à própria empresa. E que a empresa dona da WeWork, chamada agora “The We Company”, adquiriu os direitos de utilização da marca “We” a outra empresa controlada por ele próprio, por 5,9 milhões de dólares.

Noam Galai/Getty Images for TechCrunch

O escrutínio da comunicação social especializada pôs também a descoberto vários episódios que envolveram Adam Neumann. Alguns meses antes de o SoftBank reforçar o investimento na WeWork, tornando-se o principal acionista e catapultando a avaliação da startup para níveis estratosféricos, Neumann foi “apanhado” a transportar canábis dentro de uma caixa de cereais, escondida num jato privado, durante uma viagem entre Nova Iorque e Israel. A tripulação decidiu regressar, deixando o CEO e os amigos em solo israelita, de acordo com fontes ouvidas pelo The Wall Street Journal (acesso pago).

O mesmo jornal, que tem feito uma cobertura atenta e pormenorizada deste caso, publicou ainda vários artigos sobre o estilo de vida alternativo de Adam Neumann. Por exemplo, o seu escritório na sede da empresa é uma suíte com sauna e banho de gelo (é moda entre os multimilionários). Mas também há pormenores sobre a esposa, Rebekah, que detinha um cargo executivo na WeWork e muita influência na condução da empresa. Depois de uma reunião, terá exigido o despedimento de vários membros da equipa por não gostar da sua “energia”.

Noutra notícia, o jornal expôs a relação entre a então administração da WeWork e um culto espiritual com ligações ao misticismo judaico. Nos primeiros tempos da WeWork, eram semanais os encontros entre responsáveis de topo da WeWork e um mestre da organização espiritual Kabbalah Centre.

Quanto mais os investidores foram conhecendo a empresa, mais a situação lhes cheirou a esturro. Um dos primeiros a afirmar, com toda a certeza, que o IPO da WeWork nunca iria acontecer foi Scott Galloway, o carismático professor que dá voz ao podcast Pivot, da Recode, em conjunto com uma das maiores jornalistas de tecnologia contemporâneas, Kara Swisher.

Olhando para o prospeto da operação, Galloway disse várias vezes ver na WeWork uma empresa sem qualquer viabilidade económica. Também previu corretamente a ocorrência de despedimentos — 4.000 já anunciados, para começar, que só não ocorreram mais cedo por, alegadamente, a empresa não ter liquidez para pagar as indemnizações.

Em algumas das edições mais recentes de Pivot, Kara Swisher ainda “brinca” com a situação, responsabilizando o parceiro de podcast pela queda da WeWork. Afinal, o podcast é bastante influente no mundo da tecnologia. E a próxima previsão do especialista é mesmo a falência da empresa.

A WeWork comprou em 2018 um avião como este, por 60 milhões de dólares. Hoje, os prejuízos da empresa davam para comprar quase três destes aviões por mês.Rob Hodgkins via Wikimedia Commons

Para já, a WeWork, ligada à máquina, recebeu uma bolsa de ar que lhe vai permitir tentar dar a volta à situação, cortar despesas (está a perder mais de 500 milhões de dólares por trimestre) e, eventualmente, vender alguns ativos. O resgate do SoftBank, conhecido esta semana, terá evitado que a conta bancária da WeWork chegasse ao zero já no início de novembro.

Esse resgate teve um preço: muitos milhares de milhões de dólares e a passagem do controlo da startup para as mãos do grupo japonês que detém, agora, 80% da “The We Company”.

É já considerado um dos piores negócios da história de vida de Masayoshi Son, o génio do Japão que foi derrubado na bolha das dotcom mas que renasceu das cinzas e reconstruiu um império no setor da tecnologia. Nos últimos anos, Masayoshi Son ficou mais conhecido por ter juntado um fundo de 100 mil milhões de dólares — o Vision Fund — para investir em tecnologias inovadoras. A maior “fatia” deste dinheiro foi captado do fundo soberano da Arábia Saudita, a mesma nação que foi responsabilizada, recentemente, pelo assassinato do jornalista Jamal Khashoggi. Isso não impediu o magnata japonês de tentar lançar uma segunda versão do fundo, mas a ideia ainda não se materializou.

Sendo a WeWork uma empresa de escritórios e o SoftBank uma empresa focada em tecnologia, como foi Adam Neumann capaz de convencer Masayoshi Son a investir? A chave terá sido o pitch. Neumann sempre “vendeu” a WeWork como uma empresa de tecnologia, que até tem uma app que permite marcar reuniões. O entusiasmo que lhe é característico também ajudou. Em agosto de 2017, o SoftBank aceitou investir na WeWork, avaliando-a em 20 mil milhões. Em janeiro deste ano, concluiu um novo investimento. O tal que atirou o valor da WeWork para os 47 mil milhões.

Durante vários meses, estes números gordos fizeram salivar Wall Street (pelo menos até sair o prospeto do IPO). Novamente, o jornal norte-americano conta história: há alguns meses, Adam Neumann convocou à sua própria casa as líderes da New York Stock Exchange (NYSE), Stacey Cunningham, e do NASDAQ, Adena Friedman. Ambas queriam ter o privilégio de cotarem as ações da WeWork.

As exigências do CEO da startup eram estas: que apoiassem a sustentabilidade ambiental, eliminando a carne dos seus refeitórios e o uso de material descartável de plástico nas cafetarias. A líder da NYSE aceitou abdicar dos plásticos mas rejeitou o pedido relativo à carne (a criação de gado é uma das atividades que emitem mais gases com efeito de estufa, responsáveis pelo aquecimento global). Mas a líder do Nasdaq foi ainda mais longe: propôs criar um novo índice, chamado We 50, para agregar meia centena de empresas comprometidas com a sustentabilidade.

Agora, a WeWork está entregue aos dois restantes cofundadores, Sebastian J. Gunningham e Artie Minson Jr. São eles que vão comandar a empresa nos próximos tempos, tendo à sua responsabilidade implementar uma estratégia que reanime o potencial do ainda “unicórnio” de oito mil milhões.

A influência executiva de Neumann terá sido largamente reduzida, apesar de o ex-CEO continuar comprometido com a empresa por quatro anos em regime de consultor e manter-se como chairman da “TheWeCompany”. Mas já não faz parte do Conselho de Administração, apesar de se manter como “observador” e de deter uma percentagem minoritária do capital da empresa. Alegadamente, terá também perdido o acesso à suíte.

O “prémio” de 1,7 mil milhões ao ex-CEO contrasta com a situação em que ficaram os 15.000 trabalhadores da empresa. Muitos puderam vender no resgate as ações que foram acumulando durante anos, mas 90% dessas vendas foram feitas abaixo do preço a que as opções de compra foram exercidas. E a maioria vê o seu posto de trabalho como um emprego a prazo. Para alguns, muito curto prazo.

Masayoshi Son, fundador do SoftBank, é o novo “dono” da WeWork. Resgatou a empresa e controla 80% das ações.Nobuyuki Hayashi via Flickr

É possível que a história da WeWork ainda venha a conhecer novos capítulos. Mas há a certeza de que vai ser ensinada e comentada em muitas escolas pelo mundo fora. Para já, a WeWork está a emitir um sinal ao universo das startups: o de que poderão ter havido otimismo e euforia excessivos em muitas rondas de capital mais recentes.

Soma-se aos receios os desempenhos fracos de alguns “unicórnios” que conseguiram, de facto, entrar em bolsa nos últimos tempos: desde março, a Lyft já desvalorizou mais de 44% face ao preço do IPO; a Uber — outro investimento do SoftBank — já perdeu quase 20%; e o Snapchat, o primeiro “unicórnio” a testar o mercado de capitais, perdeu metade do valor com que chegou à bolsa, no início de março de 2017, com uma venda de ações sem direitos de votos.

Com o risco de recessão económica no horizonte, a “torneira” do capital de risco pode fechar-se. Ou ficar um pouco entupida. Mas, de uma forma ou de outra, o Web Summit está de regresso a Lisboa, já no início de novembro, e permitirá medir o pulso ao mercado empreendedor.

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