"Portugal não tem hidrogénio". O alerta é deixado pela Caetano Bus que tem o novo H2.City Gold em testes no país. A estratégia do Governo destaca os projetos que vão tirar do papel o gás do futuro.
O país até já tem autocarros a hidrogénio “made in” Portugal a circular pelas estradas nacionais, mas para poderem ser reabastecidos estes veículos fabricados pela Caetano Bus têm andar milhares de quilómetros até Espanha, perto de Barcelona. O obstáculo foi identificado por Paulo Marques, diretor técnico da Caetano Bus, durante um webinar dedicado ao tema “Acelerando o desenvolvimento do hidrogénio verde no contexto da Estratégia Nacional para o Hidrogénio” e organizado pelo Resilient Group, promotor do mega projeto Green Flamingo, em Sines.
A Caetano Bus tem neste momento um protótipo do seu H2.City Gold já em testes em Portugal, estando um segundo veículo a ser preparado para chegar à estrada daqui a um mês. Além disso, a empresa de Vila Nova de Gaia vai também entregar dois autocarros a hidrogénio a um cliente alemão, que entrarão em operação em setembro de 2020, e tem encomendas de países como a Arábia Saudita, entre outros.
No próprio território onde são fabricados estes autocarros a hidrogénio, a maior dificuldade é mesmo a ausência de postos de abastecimento daquele que já foi considerado pelo Governo como o gás do futuro. “Portugal não tem hidrogénio. Sempre que queremos andar com o novo autocarro vamos a Espanha, junto a Barcelona, carregamos a viatura e voltamos. Deixo já aqui a necessidade urgente de estruturar em Portugal uma rede de distribuição e de postos de abastecimento de hidrogénio. Os veículos estão cá, estão disponíveis. Também os fabricantes de ligeiros de passageiros — Toyota, Honda, Hyundai — estão preparados, com viaturas novas prontas para entrar no mercado. A dificuldade é o combustível em si. Se não houver procura, não há infraestruturas e não se desenvolvem soluções técnicas”, disse Paulo Marques em resposta ao ECO/Capital Verde, media partner do evento.
Do lado do Governo, esta é uma dificuldade que também já está identificada. Num outro webinar, o secretário de Estado da Energia, João Galamba, revelou que no âmbito da consulta pública da Estratégia Nacional para o Hidrogénio, até meados de julho, o Governo vai lançar uma série de consultas setoriais e uma delas será sobre transportes.
“A colaboração entre todos, na estratégia para o hidrogénio, permite desbloquear projetos individuais. Neste momento temos o problema do ovo e da galinha: nos concursos para compra de autocarros, a Carris e outras empresas não incluem nos seus cadernos de encargos veículos a hidrogénio porque não há postos de abastecimento. Depois ninguém instala postos de abastecimento porque não há produção. A estratégia nacional, como olha para tudo em simultâneo, tem o potencial de viabilizar projetos que sozinhos não avançavam. Quando conseguimos juntar à mesma mesa quem pode comprar autocarros, quem pode instalar postos e quem pode produzir hidrogénio, viabilizamos os três projetos. Ninguém vai produzir se ninguém distribuir e se ninguém utilizar. É assim que conseguimos tirar os projetos do papel”, disse o governante, que esta segunda-feira participa numa discussão da Estratégia Nacional para o Hidrogénio com as comunidades científicas e de investigação e inovação, presidida pelo Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Manuel Heitor.
Quais as empresas que estão a apostar no hidrogénio?
Caetano Bus, PRF – Gás, Tecnologia e Construção e Fusion Fuel são três das empresas com projetos de hidrogénio em curso no país e já identificados pela Estratégia Nacional para o Hidrogénio, que participaram no webinar do Resilient Group. Paulo Marques, diretor técnico da Caetano Bus, garante que a empresa está totalmente alinhada com a estratégia do Governo e considera que o hidrogénio será “um contributo tremendo para descarbonização da economia”. Mas avisa: “Sem uma maior eletrificação dos transportes, não é possível pensar numa hidrogenização”. Foi no ano passado que a Caetano Bus lançou o seu primeiro autocarro elétrico convertido a hidrogénio — H2.City Gold — com fuel cells da Toyota (60kW) e motor Siemens (180 kW), que demora 15 minutos a abastece e tem autonomia para mais de 350 km de autonomia. Por enquanto ainda é movido a hidrogénio azul, feito a partir de gás natural, mas o objetivo é passar a hidrogénio verde (descarbonizado) o mais rapidamente possível, garante Paulo Marques. “Só isso faz sentido”, remata.
Disposta a resolver os problemas de abastecimento do H2.City Gold está a empresa PRF – Gás, Tecnologia e Construção, especializada em soluções chave na mão para a indústria do gás. Há dois anos, criaram um departamento dedicado ao hidrogénio, porque “é um combustível de futuro”, garante Moisés Ferreira, business developer da PRF. No que diz respeito ao abastecimento de hidrogénio, a empresa está em discussão com a Galp, um dos seus clientes, sobre uma proposta para a criação um posto de no país, sendo que o hidrogénio é trazido de Sines e depois comprimido no local para abastecimento a veículos. “Aguardamos luz verde da Galp para avançar. Estamos em discussão técnica e financeira do projeto. A PRF desenvolveu a solução técnica, mas a Galp é o proprietário do posto e fará o investimento”, explica Moisés Ferreira.
Além disso, em parceria com a Caetano Bus, estão também a tentar arranjar soluções técnicas para o abastecimento dos novos autocarros — seja um posto fixo ou móvel — para evitar terem de ir a outro país abastecer. Um terceiro projeto, de abastecimento de hidrogénio para frotas próprias está em análise e poderá avançar já em 2020.
Com clientes como a Naturgy, Engie, Galp, Endesa, Carris, EDP, Galp, Goldenergy, REN, Dourogás, entre outras, a PRF soma ainda um projeto no Seixal para a produção de hidrogénio a partir de energia fotovoltaica, com um eletrolisador com uma potência de 50kW para produção de cerca de 1kg/hora de hidrogénio. É depois armazenado em reservatórios de baixa pressão e transportado para ser usado no fornecimento de energia elétrica em locais remotos ou como back ups de energia para data centers, por exemplo. Em paralelo, o hidrogénio ali produzido poderá ainda ser injetado numa rede local em ciclo fechado da Galp, que investirá 500 mil euros neste projeto.
Já a Fusion Fuel dedica-se a uma tecnologia de concentração da radiação solar (DC-PEHG) para a produção de hidrogénio por eletrólise da água, produzida na unidade industrial da empresa no Sabugo, Almargem do Bispo, e que terá a sua estreia em 2021 no projeto Green Gas, em Évora, com a Galp Distribuição. De acordo com João Wahnon, fundador e diretor executivo da Fusion Fuel, fecharam recentemente uma parceria com uma empresa do índice Nasdaq que permitirá fazer uma injeção de capital e aumentar capacidade produtiva de hidrogénio verde a partir de fonte solar.
“De uma capacidade atual de 1.000 toneladas por ano ano passará para 10.000 toneladas nos próximos cinco anos. Usando eletricidade da rede, de noite, esta capacidade pode ser duplicada”, garante o responsável. Cada unidade instalada pela Fusion Fuel no sul de Portugal terá capacidade para produzir cerca de uma tonelada por ano de hidrogénio verde, a valores que rondam um a dois euros por kg de hidrogénio, contra os três a eis euros por kg nos eletrolisadores convencionais. Em Évora, o projeto Green Gas será de demonstração, para depois poderem escalar a tecnologia mundialmente. Até abril de 2021 estarão instaladas 55 unidades geradoras, com um pipeline de um quilómetro até à rede da Galp, onde o hidrogénio será injetado. Por ano serão ali produzidas 70 toneladas de hidrogénio, garante, com armazenamento para escoar o excesso de produção.
Governo destaca projetos de hidrogénio
A criação de um mercado nacional de hidrogénio verde na próxima década, até 2030 é um dos legados que o Governo de António Costa quer deixar para o futuro. Mas para muitos, aquele que já é conhecido como o gás do futuro é ainda um conceito distante. Portugal quer mudar isso e, antes mesmo de a União Europeia apresentar a sua Aliança para o Hidrogénio Limpo no próximo dia 8 de julho, aprovou já uma Estratégia Nacional para o Hidrogénio que será agora submetida a consulta pública.
“Não temos dúvidas que o hidrogénio é o gás renovável do futuro”, disse João Pedro Matos Fernandes, ministro do Ambiente da Ação Climática. A oportunidade para a economia é grande: o Governo espera que, à boleia do hidrogénio, possam ser feitos até 2030 investimentos na ordem dos 7 mil milhões de euros em projetos de produção de hidrogénio. Estes investimentos terão sobretudo origem no setor privado (pelo menos 85%), com o projeto para fazer nascer em Sines uma mega unidade industria para a produção de hidrogénio, em parceria com os Países Baixos, a levar a maior fatia do bolo, com investimento base de 2,85 mil milhões euros que poderá crescer até aos 4,5 mil milhões.
“Em Sines teremos até 2030 a produção de 1GW, mas o nosso objetivo é chegar ao dobro a partir de pequenas fontes de produção, em projetos de menor dimensão”, que alavancarão o restante investimento privado previsto pelo Governo, disse Matos Fernandes.
Além de Sines, a Estratégia Nacional para o Hidrogénio refere ainda outros projetos que já estão em curso ou em desenvolvimento em Portugal:
- Produção de hidrogénio a partir de energia eólica offshore, que será desenvolvida pela EDP, agora que a as três turbinas da central Windfloat Atlantic estão em pleno funcionamento e a injetar eletricidade na rede;
- Estudos sobre mobilidade de longa distância e injeção no gasoduto de gás natural, também pela EDP;
- Projeto-piloto que visa estudar o impacto da injeção de hidrogénio na gestão da infraestrutura de distribuição e nos equipamentos de queima dos consumidores, da Galp Distribuição com a PRF;
- Dois projetos de produção de hidrogénio para estações de abastecimento: um para viaturas ligeiras e pesadas associadas a um centro e logística e outro para navios de cruzeiro que operam no Douro;
- Projeto de otimização da combustão em unidades industriais, como é o caso de fábricas de cimento, incineração de resíduos sólidos urbanos, vidro, pasta de papel, siderurgia, grandes centrais de energia, entre outras aplicações, da UTIS – Ultimate Technology To Industrial Savings;
- Projeto-piloto de produção de hidrogénio com armazenamento já em curso na Central de Ciclo Combinado do Ribatejo da EDP, com apoio da União Europeia, no âmbito do Programa H2020. Está prevista a instalação de um eletrolisador com capacidade instalada de 1 MW, 12 MWh de capacidade de armazenamento e 12,6 milhões de investimento;
- Projeto de conversão da central termoelétrica da Tapada do Outeiro, da Turbogás, para produção local e co-combustão de hidrogénio de origem verde com o gás natural, previsto para 2024;
- Instalação à escala industrial de produção de combustível sintético com base em hidrogénio verde, que se assemelha quimicamente ao combustível de aviação convencional. A produção deste combustível sintético pela Solabelt e a Akuo Energy deverá rondar 10 mil toneladas/ano, num investimento de 90 milhões de euros;
- Criação de um Laboratório de Ensaios de Eficiência Energética e Eco-Design pelo CATIM – Centro de Apoio Tecnológico à Indústria Metalomecânica, em 2021.
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Autocarros “made in” Portugal vão abastecer hidrogénio a Espanha. Estes projetos prometem soluções
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