Criou a Adega Mayor com o traço de Siza. Nas artes encontrou o território criativo para trabalhar num setor tradicional. Consigo anda o caderno onde aponta os conselhos do avô. Quem sabe, dê um livro.
"I think it is possible for ordinary people to choose to be extraordinary
Elon Musk
”
No BAHR Restaurante & bar Bairro Alto Hotel, com Rita Nabeiro, Diretora Geral Adega Mayor
Acaba de chegar do sudeste asiático. Com novas histórias. Novas experiências. E novas fotografias. Rita Nabeiro é uma apaixonada pela fotografia. Da Tailândia a Laos. A máquina andou sempre consigo. “O Laos é muito bonito, fiquei com vontade de voltar, depois a comida é espetacular”, começa por contar à mesa do BAHR, o restaurante do recém-inaugurado Bairro Alto Hotel. O ambiente é boémio, numa espécie de homenagem aos bairros onde se insere — Bairro Alto e Chiado — e a todas as personagens que ali viveram, beberam e criaram. O lugar não podia ser o mais indicado para a conversa. Até porque está a dois passos de casa. Ainda que o seu nome se ligue de imediato a Campo Maior, Rita foi criada na cidade. O ambiente é descontraído e informal, tal como a sua forma de estar, na vida e nos negócios. Entre nós, o Rio e a cozinha aberta com o balcão cénico de onde saem os pratos do Chef Nuno Mendes, uma cozinha emotiva onde é claro o cordão umbilical que o liga a Portugal e, em particular, ao Alentejo. Rita Nabeiro está, portanto, em casa.
Para a refeição, a diretora-geral da Adega Mayor não faz questão de beber vinho. Mas o vinho, para além de ser o seu trabalho, começa a estar cada vez mais no seu roteiro, até de viagem. “Este ano estive em Bordéus e fiz o Douro. Aprende-se imenso a viajar e a conhecer outras realidades, noutras geografias. Já fiz os Estados Unidos, Argentina, França, Espanha, Alemanha, África do Sul, mas quero fazer mais países, porque estabelecem-se contactos giros, traz-se conhecimento e quero levar também a equipa comigo” diz. E explica: “A qualidade dos vinhos é sempre relativa, não é? Mas acho que todos os vinhos nos sabem melhor quando estamos nos locais. Porque tenho toda a experiência, toda o envolvente. Eu posso comprar uma garrafa e depois beber em casa, mas não me vai saber da mesma maneira do que a garrafa que eu estou a beber ali com aquelas pessoas, naquele momento, naquele lugar… O vinho vive muito desse lado emocional”. O próximo destino será Itália, a Toscana e de onde virá com mais uns quilos na bagagem, como costuma dizer, porque adora a comida. “É um bocado absurdo, eu até já vivi em Itália, mas não imaginava, nessa altura, que ia trabalhar em vinhos”.
Gostei muito de Napa Valley, fiz contactos que ainda mantenho. A primeira vez foi logo no início de estar a trabalhar na marca, na altura em que o projeto da Adega Mayor foi convidado a estar na exposição ‘How Wine Became Modern’, do MOMA de S. Francisco
O BAHR tem como conceito o Manifesto Boémio, representando a insolência e a vanguarda, os espíritos despreocupados e inconformistas. De Camões a Bocage e de Eça de Queiroz a Amadeo de Souza Cardoso, o projeto foi beber o humor, irreverência e originalidade de vários artistas. Rita Nabeiro estudou ali perto, nas Belas Artes, design de comunicação. Os vinhos já existiam no universo do Grupo Nabeiro e durante algum tempo foi uma espécie de freelancer. Começou por trabalhar o design de alguns rótulos, “o primeiro vinho é a colheita de 2002, o que havia era só um produto, não havia marca mãe” recorda. Os vinhos eram um negócio e uma paixão do avô, o comendador Rui Nabeiro. E é com a inauguração da Adega Mayor, com apenas vinte e poucos anos, que sente que chegou o momento de abraçar o negócio da família, a tempo inteiro.
Não demorou muito tempo até se pensar no projeto de uma Adega. E aí eu encontro aquele clique de misturar áreas que eu gostava: o design, a arquitetura – a adega é desenhada pelo Siza Vieira – e por outro lado, era um projeto da minha família
Hoje tem um “escritório a céu aberto”, como lhe chama – a natureza, “quando me envolvo neste projeto é quando dou por mim a ter uma relação muito mais próxima com Campo Maior”. Do avô continua a receber conselhos, mas que nunca lhe limitaram a capacidade de decisão na gestão deste projeto da família. “Ele normalmente se concorda diz “acho bem, arrisca”. Se não concorda diz “olha, tu é que sabes, mas, se eu fosse a ti fazia desta forma, ou então tem em atenção este aspeto…”, mas nunca me tirou a liberdade para a decisão, isso é uma coisa interessante da aprendizagem com ele. Ele tem uma disponibilidade brutal para ouvir. Acho que também confia, desde que haja ali princípios e valores que sejam respeitados”.
O meu avô gosta de ter bons profissionais a trabalhar com ele. Boas pessoas também. Junta a parte das competências com a questão do caráter. Para a mim também é muito importante. Acho que ele é um conselheiro, é uma pessoa com uma visão incrível
Desde que chegou ao negócio dos vinhos, Rita Nabeiro diz que há um sentido de renovação no setor. “Em 2007 havia muito menos mulheres neste setor, ou pelo menos, com algum lugar de destaque. Com o passar dos anos há muito mais mulheres e há uma nova geração de pessoas que têm trazido mais abertura, pessoas que também têm mais mundo, hoje há muitos enólogos que já viajaram bastante e que agora trazem conhecimento também e tem havido cada vez mais partilha”.
Além de mulher, é jovem e vinda das Belas Artes. “Esse foi o maior impacto, vir de um universo criativo para um universo mais clássico e até conservador. Isso foi sinceramente o meu maior desafio quando comecei a trabalhar nos vinhos e obviamente com pessoas que, em termos de idades, eram bastante mais velhas do que eu, que tinha vinte e poucos anos na altura”. Mas foi também o que a fez diferenciar-se no setor, acrescentando design e contemporaneidade a um setor tradicional, criando muitas vezes projetos e submarcas que abraçam áreas como a pintura, a fotografia, a música e a literatura. “E também o lado da responsabilidade social da marca, até porque a Delta sempre teve também essa maneira de estar no mercado”.
Este ano lançámos um vinho em homenagem ao meu avô o “Entretantos” e que incluía uma minibiografia, que me permitiu descobrir histórias que nem imaginava. Gosto desta corrente da literatura, das histórias a entrar no universo do vinho
Do avô fala com carinho. E orgulho. E conta uma dessas descobertas: “O meu avô conhece a minha avó Alice nos bancos de escola primária e, nessa altura, o meu bisavô tem a possibilidade de ir trabalhar para a Câmara, mas não tinha a primária concluída. E então fizeram aulas juntos, na mesma turma, e é engraçado, como o meu avô diz, partilhou os bancos da escola com o sogro”, conta-nos.
Por falar em história, se é uma D. Antónia dos tempos modernos? Só se for “pela admiração”, responde de imediato. “Há figuras que admiro, ligadas ao vinho e não só. Mas cada um tem o seu caminho. Quando nós fazemos o nosso trabalho não trabalhamos para ser uma D. Antónia. Fazemos o melhor que podemos, no momento em que estamos e com quem estamos. Começa por se construir uma equipa, porque Campo Maior tem ali a sua própria realidade, os seus próprios desafios. Começa por se tentar perceber como é que podemos escalar. Os desafios dela eram outros, o ambiente que se vivia. Acho que as mulheres até tinham, inclusivamente, um papel muito mais difícil daquele que nós temos hoje em dia. É incontornável. Sobretudo naquela época, como ela se conseguiu afirmar e, de facto, tinha este caráter também muito humano e social”.
A história fascina-a. Gosta de ler e escrever. “Ganhei o gosto pela escrita quando estive em S. Tomé, como não podia fotografar dei por mim a tentar registar o que via através da escrita”. E escrever um livro não é projeto que ponha de parte, confidenciando que já foi desafiada para escrever a biografia do avô. Até porque as histórias se cruzam com outra das suas grandes paixões: as pessoas. Aí sentimos a herança do apelido Nabeiro. Aí e no otimismo. “Sou uma pessoa reflexiva, gosto de compreender o mundo, gosto de me compreender a mim própria. Já tive momentos também difíceis, mas acredito que conseguimos dar a volta. Temos de nos focar nas soluções e não nos problemas, ainda que haja momentos realmente difíceis, mas são esses momentos que também nos transformam”. E acrescenta: “Ainda agora nesta viagem adorei falar e contactar com aquelas pessoas, perceber aquelas histórias, de repente percebemos que temos realidades às vezes muito diferentes, mas que há coisas básicas que nos unem. É importante que mantenhamos esse contacto, porque às vezes, mesmo nas empresas, deixamos de ouvir as pessoas que trabalham connosco – sejam os nossos clientes ou as nossas equipas. Às vezes é tipo um trabalho que equilibrista, não é?”
Recentemente li uma coisa que me tocou, dizia: geralmente as pessoas que são importantes, importam-se. Não são importantes porque são importantes, são importantes porque de alguma maneira se importam. E é um bocadinho esse o meu o motto.
O equilíbrio encontra-o também em experiências de voluntariado, como o mês e meio que passou numa comunidade, no norte de S. Tomé: “além de poder dar um bocadinho mais aos outros, às vezes não é a questão de dar o dinheiro, é dar a nossa presença, a nossa energia, o nosso conhecimento, o nosso tempo e também, conhecer de perto essa realidade” recorda. E voltamos às pessoas, de quem tanto gosta: “Conheci lá uma irmã, que tinha criado uma escola de raiz. Começou por ter poucos alunos e hoje em dia tem quase uns mil alunos. É um projeto incrível, tinha um ateliê de costura, uma carpintaria, um negócio social, ou seja, aquela senhora sem nunca ter tido formação em gestão, era uma gestora”.
Se sente que para além da sua Adega Mayor, há algum projeto – também maior – que gostasse de abraçar, confidencia que sim, uma Fundação da família, do Grupo, “um projeto de impacto”. Uma ideia que “ando a tentar vender ao meu avô” diz com graça, “podemos sonhar, certo?”
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#Coolunch com Rita Nabeiro: “O meu avô nunca me tirou a liberdade de decisão”
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