Das autárquicas às presidenciais passando pelas migrações: cinco desafios políticos de 2025

Autárquicas, presidenciais e Orçamento do Estado vão estar no topo da agenda do novo ano, mas a Madeira e migrações estarão no centro do discurso do Governo e oposição.

Seria de esperar que ao fim de oito meses de governação minoritária, sem direito “a estado de graça”, e uma difícil, mas possível, aprovação do Orçamento do Estado para 2025 (OE2025), que a equipa de Luís Montenegro pudesse começar o novo ano a respirar de alívio. Porém, o calendário político aponta para meses de elevada tensão e novos testes à resiliência do Governo.

Com os partidos a aquecerem as máquinas para mais uma campanha eleitoral e a ensaiarem os primeiros movimentos rumo às presidenciais, o panorama político de 2025 promete ser preenchido, seja devido a uma nova solução governativa para a Madeira, ao subir de tom nos debates sobre imigração e segurança e, como não podia faltar, o Orçamento do Estado para 2026. Tudo isto, numa altura em que as eleições autárquicas podem não só abrir a porta a uma oportunidade de remodelação no Governo, como a reforçar a posição do Governo ou dos partidos da oposição.

A pressão não se fará sentir apenas em São Bento. Todos os partidos da oposição estarão a apontar baterias no mesmo sentido e há cinco temas que vão marcar a agenda política.

Debate quinzenal com o Primeiro-Ministro - 03OUT24
Hugo Amaral/ECO

Autárquicas

Arrumadas as eleições europeias, os partidos concentram-se agora nas autárquicas. Ainda não há data marcada, mas tudo indica que os munícipes serão chamados a votar nos próximos dirigentes municipais entre setembro e outubro.

Até lá, os partidos têm a difícil tarefa de encontrar candidatos para as 308 câmaras do país. Internamente, já estão a ser conduzidas sondagens sobre quais os nomes melhor posicionados para disputar os bastiões. Certo é que PS e PSD estarão em confronto direto na maioria das câmaras. Os sociais-democratas sempre tiveram uma forte ligação ao poder local, especialmente no norte do país, mas nas três últimas eleições locais PS reclamou o título de maior partido autárquico nacional, liderando também as associações locais.

Agora no poder, o objetivo do PSD será ganhar a maioria das câmaras municipais e recuperar a liderança da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) e na Associa­ção Nacional de Freguesias (ANAFRE), numa tentativa de confirmar o resultado das eleições legislativas.

“Serão especialmente importante as autarquias com mais relevância em que já não é possível uma recandidatura de incumbentes. Além disso algumas outras como Lisboa, em que embora o incumbente se possa recandidatar o resultado estará mais em aberto. São eleições importantes para o partido, para o aparelho do partido e para o Governo”, aponta André Azevedo Alves ao ECO, recordando que “o Governo dificilmente cairá em 2025, mas em 2026 o cenário poderá ser diferente e a preparação das autárquicas também terá em conta isso”, diz o politólogo e professor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica.

A leitura será a médio prazo, podendo criar embaraço ao Governo se se confirmar uma vitória do PS. Em sentido contrário, pode confirmar Montenegro se o PSD conseguir recuperar ou manter algumas câmaras”, considera Bruno Ferreira Costa em declarações ao ECO.

Lisboa será certamente uma delas. Carlos Moedas ainda não oficializou a sua candidatura, mas uma eventual derrota “terá um peso muito significativo na estrutura do PSD” e poderá criar “embaraço”. “Não só por estar no primeiro mandato, mas porque [Moedas] sempre foi apontado para outros voos [políticos] no futuro depois de ter sido comissário”, diz o politólogo de Ciência Política na Universidade da Beira Interior (UBI).

Para evitar esse desfecho, o PSD estará a estudar manter coligações com o CDS-PP e reforçar com a Iniciativa Liberal. Mas ainda não há acordos fechados.

A cabeça de lista do Partido Socialista (PS) às Eleições Europeias, Marta Temido (D), acompanhada pelo secretário-geral do PS, Pedro Nuno Santos (C), durante uma ação de campanha com a população para as eleições europeias 2024, na Covilhã, 31 de maio de 2024. Em Portugal, as eleições europeias realizam-se em 09 de junho e serão disputadas por 17 partidos e coligações.JOSÉ SENA GOULÃO/LUSA

Outro aspeto das autárquicas recairá também sobre as câmaras nas quais os presidentes atuais são se podem recandidatar por limite de mandatos. É o caso do Porto, Sintra, Cascais, Aveiro e Braga. Mas os olhos também estarão atentos “ao desgaste do PCP” que se vê confrontado com uma perda progressiva de eleitorado.

Dos 19 autarcas, 11 estão em situação de limite de mandatos. O PS e PSD procurarão aproveitar o desgaste do PCP para nestes territórios conseguir vitórias importantes”, refere o politólogo da UBI, referindo a título de exemplo os munícipes de Évora, Silves ou Alcácer do Sal.

Mas a missão de encontrar candidatos adequados para cada uma das câmaras não será fácil. “A dimensão autárquica é especial, funciona noutra lógica”, aponta Paula Espírito Santo. “Encontrar figuras que representam o partido e que sejam reconhecidas também a nível local será difícil. Figuras centrais do partido podem ser escolhas interessantes para as câmaras de maior peso, mas podem não ter reconhecimento a nível local”, sugere a politóloga e investigadora do Instituto de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa (ISCSP) ao ECO.

É aqui que se abre a possibilidade de figuras governativas serem chamadas a ir a jogo. Pedro Duarte, ministro dos Assuntos Parlamentares, tem sido especulado para ser candidato à Câmara Municipal do Porto, embora o próprio tenha descartado essa hipótese “para já”. Nesta ótica, Bruno Ferreira Costa coloca em cima da mesa a hipótese de uma eventual remodelação governamental.

Luís Montenegro poderá querer aproveitar a saída de um eventual governante para candidato para substituir mais dois ou três”, diz o politólogo, sugerindo a possibilidade de as ministra da Saúde, Ana Paula Martins, e a ministra da Administração Interna, Margarida Blasco, serem visadas. Mas para já, está tudo em aberto.

Mas as eleições a nível local servirão também para medir o pulso ao Chega. “Vamos ver como é que o [partido] se comporta em autárquicas”, diz Bruno Ferreira Costa. “Vai ser interessante perceber qual é a percentagem de eleitorado fixo, independentemente do tipo de eleição“, diz o professor da UBI.

André Ventura (C), líder do Chega, esta tarde em Braga durante uma arruada de campanha para as eleições legislativas de 10 de março pelas principais artérias pedonais da cidade de Braga, 27 de fevereiro de 2024.HUGO DELGADO/LUSA

Até porque as últimas eleições autárquicas “correram especialmente mal” para o partido de André Ventura, recorda André Azevedo Alves, tendo os resultados dececionantes empurrado vários membros para fora do partido. Um deles, Nuno Afonso, fundador do partido e candidato pelo Chega à Câmara de Sintra, em 2021, mas que este ano encabeça a lista da coligação Alternativa 21.

“Será importante do ponto de vista de mostrar qual a capacidade do Chega de ter alguma afirmação local até por comparação ao resultado que teve nas legislativas. Seria embaraçoso ter um resultado igual ou pior do que teve nas últimas. Para manter uma dinâmica de crescimento e afirmação terá de ter um resultado significativo“, aponta o politólogo e professor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica.

Presidenciais

Falta mais de um ano, mas as movimentações para as eleições presidenciais já começaram. Tim Vieira e André Pestana, ambos independentes, foram as primeiras confirmações de candidatos a Belém, mas a lista tem mais um nome: André Ventura, do Chega, anunciou esta semana que se irá candidatar, após ter ficado em terceiro lugar em 2021, atrás de Marcelo Rebelo de Sousa e Ana Gomes.

O leque de eventuais nomes presidenciáveis tem vindo a crescer – sobretudo à esquerda – e possívis confirmações sobre as figuras que integrarão a corrida deverão surgir no primeiro trimestre de 2025. Embora o Presidente da República seja um cargo independente, os partidos, por norma, formalizam o apoio a uma eventual candidatura, sobretudo se se tratar de um membro ativo, antigo dirigente ou um ex-militante do partido.

No caso do PS, que tem procurado colocar um inquilino novamente em Belém desde a saída de Jorge Sampaio, em 2006, a panóplia de potenciais candidatos é diversa: Augusto Santos Silva, António Vitorino, Mário Centeno e António José Seguro são os principais nomes em cima da mesa. Dos quatro, o antigo secretário-geral do PS admitiu “ponderar” uma corrida às presidenciais e António Vitorino não se colocou de fora. Em declarações ao Expresso disse sobre o tema: “falaremos no próximo ano”. O importante é ir medindo a temperatura e a aceitação dos nomes.

O antigo Presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva, tem participado em diversas conferências, dado algumas entrevistas e assinou recentemente um ensaio no Expresso sobre as qualidades que deve um Presidente da República ter. Por seu lado, num conferência da CNN no final de novembro, Mário Centeno quando questionado sobre uma eventual candidatura a Belém afirmou: “Mudanças acontecem. Algumas vezes não são esperadas, outras vezes não são esperadas. Mudanças aconteceram na minha vida nos últimos 10 anos. Algumas delas foram inesperadas. Eu não temo a mudança”, respondeu, acrescentando estar focado na missão à frente do Banco de Portugal.

À direita, Pedro Passos Coelho mantém-se fora da corrida (e da vida política) dando espaço para que Luís Marques Mendes e Paulo Portas sejam os nomes mais sonantes.

No entanto, o favorito nas sondagens é, para já, Henrique Gouveia e Melo. A candidatura ainda não foi oficializada, mas o mandato do Chefe do Estado-Maior da Armada terminou o mandato no dia 27 de dezembro, ao fim de 45 anos de serviço, e não será renovado. Gouveia e Melo passa assim à reserva, focando-se agora “numa nova fase” da sua vida.

Assumindo que Gouveia e Melo será candidato, será determinante saber quem é que PS e PSD irão apoiar“, considera André Azevedo Alves.

Henrique Gouveia e MeloLusa

Aos olhos do politólogo da Universidade Católica, “o PSD tem um problema bastante grave, porque qualquer dos nomes que tem vindo a ser referido terá grande dificuldade em confronto com Gouveia e Melo“, antecipando umas presidenciais “mais abertas e complexas” do habitual.

Uma coisa é certa: “será interessante perceber o que pensa o próximo Presidente da República sobre este tipo de Governo, que se vê confrontado com várias medidas da oposição aprovadas à sua revelia”, sugere Bruno Ferreira Costa, sugerindo que o novo Chefe de Estado poderá estar interessado em procurar um “esclarecimento político” se a dinâmica das coligações negativas se continuar a verificar durante o resto da legislatura.

Orçamento do Estado 2026

Depois de um início de mandato atribulado, e sem direito a lua de mel, segundo o próprio primeiro-ministro, ao sobreviver ao Orçamento do Estado para 2025 (OE2025), o Governo garantiu , à partida, lugar até pelo menos 2026 e tudo graças a uma questão de timings.

A Constituição Portuguesa prevê que a Assembleia da República não pode ser dissolvida no último semestre do mandato do Presidente da República, ou seja, Marcelo Rebelo de Sousa só tem até ao final de junho de 2025 para o fazer, uma vez que as presidenciais estão previstas para janeiro de 2026. Significa isto que o Governo ficará em funções pelo menos até ao ano seguinte, mesmo que em outubro de 2025 a proposta orçamental para 2026 fique pelo caminho.

As negociações prévias irão decorrer em clima de campanha eleitoral, já que as autárquicas estão à porta, enquanto entrega e votação na especialidade ocorre na altura do rescaldo dos resultados. As atenções estarão portanto divididas e consequentemente as prioridades.

Os partidos sabem que um chumbo do Orçamento não provoca eleições nessa altura. A negociação será um pouco mais fácil do que esta última”, prevê Bruno Ferreira Costa.

Já André Azevedo Alves não afasta o risco de as eleições autárquicas condicionarem as negociações, no sentido em que, conforme os resultados, Governo ou oposição se sentirão com mais ou menor margem para pressionar e vincar posições. “Condicionarão todo o cenário político e um momento importante que é o Orçamento do Estado”, afirma.

Fachada da Assembleia da República, Lisboa, 07 de outubro de 2020. ANTÓNIO COTRIM/LUSA ANTÓNIO COTRIM/LUSA

Mas as atenções voltarão a recair com mais intensidade sobre o maior partido da oposição, sobretudo numa altura em que o PS que “já ameaçou que no próximo ano as coisas não serão como foram desta vez”, recordou Paula Espírito Santo.

A oposição vai vincar a não identificação com o Orçamento, particularmente o PS”, antecipa a politóloga. “Pedro Nuno Santos estava a ser muito escrutinado e acusado de ser o causador da instabilidade política antes de anunciar que o PS se iria abster. Mas agora que o orçamento foi aprovado, será o tempo de o PS ser mais opositor. Pedro Nuno Santos vai tentar levar água ao moinho e correr a pista da oposição”, diz Paula Espírito Santo.

Madeira

Ao fim de seis meses de governação, a Madeira volta a ser uma pedra no sapato na cena política. O Governo de Miguel Albuquerque voltou a cair na sequência de uma moção de censura do Chega, e o cenário de eleições antecipadas, pela terceira vez num espaço de ano e meio, está de novo em cima da mesa.

Bruno Ferreira Costa e Paula Espírito Santo consideram o acontecimento como um “embaraço” para o PSD, mas Montenegro mostrou estar à vontade com isso. Segundo o primeiro-ministro, Governo regional da Madeira estava “no bom caminho” e a prova disso é a atual situação financeira “muito boa, excedentária mesmo”, disse.

Independentemente do desgaste e das investigações, houve uma validação da posição de Albuquerque” adianta o politólogo da UBI. “Não há nada de novo que leve Montenegro a faltar a palavra e colocar em causa a liderança de Albuquerque. O cenário é muito simples: o PSD nacional respeitará a decisão da estrutura regional”, diz.

Miguel AlbuquerqueLusa

Embora Montenegro pareça estar confortável com um derrube do Governo regional da Madeira, certo é que no continente, segundo os politólogos, a oposição não vai perder tempo em fazer pressão, sobretudo o Chega, partido responsável pelo derrube de Albuquerque e que vai fazer disso oportunidade para erguer uma das bandeiras de Ventura: o combate à corrupção.

O Chega acaba por ter um papel determinante”, aponta Paula Espírito Santo. “Mas o [partido] também tem a habilidade de tanto estar de um lado como de outro”, acrescenta a politóloga.

Imigração e segurança

Luís Montenegro mantém-se firme na intenção de garantir que o país é seguro. A intenção ficou cristalizada na sua declaração ao país no mês passado e as sucessivas operações de fiscalização levadas a cabo pela PSP nas últimas semanas – a mais recente no Martim Moniz – são prova disso. As críticas avolumam-se, entre argumentos que faltam provas que justifiquem a ligação entre segurança e imigração ou que a narrativa promovida pelo Governo tem como objetivo roubar eleitorado ao Chega.

O tema tem ganhado cada vez mais força mediática, não só em Portugal, mas também na Europa, e no ano em que a União Europeia se prepara para implementar o Pacto para as Migrações a tendência deverá manter-se. O Governo já fez chegar a Bruxelas o seu plano nacional para a implementação da estratégia, mas revela ao ECO que poderá avançar com uma versão final em janeiro, na sequência de reuniões do Conselho Nacional de Migrações e Asilo e do plenário da Assembleia da República que se realizarão nessa altura.

“É um tema muito presente na narrativa do Chega e Montenegro trouxe para a agenda mediática numa altura em que está a ser dada resposta aos milhares de processos pendentes na AIMA – tendo mais de 100 mil sido rejeitados – mas procura-se simultaneamente, dar uma resposta à escassez de mão-de-obra”, recorda Bruno Ferreira Costa.

Um trabalhador da construção civil durante a construção do Museu dos Coches, em Lisboa, 20 junho 2012. JOSÉ SENA GOULÃO / LUSAJOSÉ SENA GOULÃO / LUSA

O problema ganha outra dimensão quando se olha para os prazos do Plano de Recuperação e Resiliência e para o risco de muitos projetos caírem por terra por falta de mão de obra. Nesse sentido, o Governo está a estudar flexibilizar a entrada de estrangeiros para as empresas poderem acolher estes trabalhadores, uma espécie de “via verde”, depois de ter revogado as manifestações de interesse, em julho.

Existe uma grande necessidade da da indústria para ter estes trabalhadores e o Governo sabe disso”, aponta Paula Espírito Santo. Simultaneamente, 2025 será o ano em que será publicado o Relatório Anual de Segurança Interna (RASI) referente ao ano de 2024, e que irá incidir sobre os oito meses de governação de Luís Montenegro. No documento do ano passado, registou-se um aumento da violência grupal, doméstica e crimes agravados ligados ao trafico de droga.

A ministra [da administração interna] não comentou o relatório de 2023, mas vai ter de comentar o de 2024. Será também importante perceber se o gov conseguiu inverter a tendência, sobretudo os mais graves, e se as estatísticas nos dão uma perspetiva das medidas adotadas”, aponta Paula Espírito Santo.

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