Desde 2016 que o número de inquéritos abertos pelo MP e acusações por assédio tem vindo a aumentar. A Advocatus foi perceber quais as boas práticas dentro dos escritórios de advogados.
Foi em novembro de 2017 que o movimento #metoo se iniciou nos Estados Unidos da América e que se começou a espalhar por todo o mundo. Em Portugal, o despoletar do movimento deu-se recentemente com as denúncias da atriz Sofia Arruda, no programa Alta Definição da SIC, que assumiu que esteve vários anos afastada da televisão por ter recusado alegados avanços sexuais de superiores hierárquicos.
Desde então que se têm registado outras denúncias de várias mulheres do meio artístico, que admitem terem sido vítimas de assédio sexual.
Segundo dados disponibilizados pela Procuradoria-Geral da República à Advocatus, desde 2016 que o número de inquéritos abertos tem vindo a aumentar, tal como o número de acusações. Constatando-se apenas em 2020 uma ligeira descida, tanto no número de inquéritos, como nas acusações.
Nos últimos cinco anos, o Ministério Público instaurou mais de quatro mil inquéritos pelo crime de importunação sexual, que abrange os casos de assédio sexual e atos exibicionistas, mas destes apenas resultaram 515 acusações. Ou seja, as acusações rondam os 10% do total de processos instaurados.
A importunação sexual é crime em Portugal desde 2007 e visa proteger a autodeterminação sexual da pessoa. Conforme explicou o advogado Dantas Rodrigues à Advocatus, o termo “importunação” sugere perturbação causada a terceiro e poderá consubstanciar-se na prática de atos de caráter exibicionista, na formulação de propostas de teor sexual, ou até no constrangimento a contacto de natureza sexual.
Apenas em 2015 é que este crime passou a abranger, para além das condutas já previstas, a importunação de uma pessoa através da formulação de propostas de teor sexual, que pode abranger o mero piropo.
“Embora ténue tem existido uma tendência para aumento do número de denúncias a cada ano que passa mas, indiscutivelmente, em termos culturais e sociais ainda existe uma tendência para desvalorizar este tipo de comportamentos por parte dos agressores, o que se deve a ideias pré-concebidas acerca do papel do homem e da mulher, a alguma falta de conhecimento do crime, e, por ser um comportamento tão normalizado na sociedade, não dão conta que estão perante uma prática criminosa”, explicou o presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, Adão Carvalho.
"Temos uma cultura de abertura, proximidade e de acompanhamento constante, e acreditamos que esta forma de estar que se insere no nosso ADN, ajuda bastante a mitigar/evitar eventuais necessidades ou situações mais graves.”
Apesar das denúncias, uma das maiores dificuldades inerentes ao crime de importunação sexual é a prova, pois na maioria das vezes apenas existe a versão da vítima em confronto com a do denunciado e a decisão do magistrado vai basear-se apenas nesse elemento de prova, o que “nem sempre é fácil na prática atribuir maior credibilidade a um em detrimento do outro, até porque a dúvida deve ser sempre valorada através deste”, refere Adão Carvalho.
Tanto a PLMJ como a Abreu Advogados asseguraram à Advocatus que nunca tiveram um caso de assédio reportado. Por outro lado, a Vieira de Almeida e a Morais Leitão revelaram que já aconteceram algumas situações que mereceram intervenção por parte da firma.
“Definimos assédio como a existência de determinado comportamento indesejado, por ação ou omissão, com a intenção ou efeito de perturbar, constranger ou afetar a dignidade de qualquer pessoa, ou de criar um ambiente hostil, humilhante ou desestabilizador. É uma definição vasta, na linha da definição legal, pois que os nossos valores e a cultura de trabalho que prezamos a tanto obrigam. É por isso que dizemos que a integridade é um fator fundamental no recrutamento e retenção do nosso talento. Assim, ao longo dos nossos muitos anos, houve alguns casos ou situações mais desagradáveis (poucos, felizmente), que foram resolvidos internamente com base neste mesmo entendimento”, explicou Joana Almeida, diretora de Recursos Humanos da Morais Leitão.
Atendendo ao facto de estar a crescer o movimento #metoo em Portugal, as quatros firmas explicaram que não sentiram necessidade de reforçar ou alterar as regras de prevenção internas, uma vez que é um tema que já faz parte da cultura de todas.
“A postura da PLMJ em relação ao tema do assédio não depende de movimentos com maior ou menor notoriedade pública. Temos uma política de tolerância zero e a criação de mecanismos formais, como o Canal de Ética, decorre do que consideramos que são as exigências de uma organização madura e que tem de ter mecanismos de controlo sofisticados”, explicou a PLMJ.
Também na Abreu Advogados as regras estão criadas e os mecanismos estão a funcionar bem, pelo que não viram qualquer necessidade de alterar as regras. “Temos uma cultura de abertura, proximidade e de acompanhamento constante, e acreditamos que esta forma de estar que se insere no nosso ADN, ajuda bastante a mitigar/evitar eventuais necessidades ou situações mais graves”, notou Jéssica Pereira, diretora de Recursos Humanos da Abreu.
Firmas possuem canais próprios de denúncia
Os escritórios de advogados possuem canais próprios de procedimento para o caso de surgirem casos de assédio sexual e moral. Na Abreu Advogados, através desses canais podem ser reportados não só casos de assédio, como também de discriminação, corrupção, branqueamento de capitais/financiamento de terrorismo, corrupção, incumprimento legal ou outros.
“Há alguns anos, no âmbito do processo de Certificação EFR e em cumprimento do disposto na redação de então do Código do Trabalho, regulámos internamente o tema do assédio. Ficaram estabelecidas as definições necessárias, os meios de denúncia e respetivos procedimentos e os resultados”, explicou a diretora de Recursos Humanos da Morais Leitão.
"O Código reflete a importância que a sociedade atribui à prevenção e rejeição do assédio no local de trabalho, de acordo com os nossos valores e cultura interna.”
Na PLMJ a firma criou um Canal de Ética próprio (whistleblowing) com o objetivo de possuírem um mecanismo de comunicação interna de potenciais irregularidades, ilegais ou eticamente reprováveis, na prática profissional ou nos contactos de natureza pessoal, onde se incluem os casos de assédio sexual e moral.
“Numa primeira fase, as irregularidades comunicadas por quem colabora com a PLMJ são geridas e validadas por uma entidade terceira e independente, garantindo-se, assim, um sistema eficaz e idóneo à sua deteção, investigação e resolução. Porquê uma entidade externa? Porque queremos que, a cada momento, quem está numa posição de denúncia, saiba que está absolutamente garantido o anonimato, a confidencialidade, essenciais à salvaguarda da não retaliação nas relações com os autores das comunicações, respeitando também as normas de proteção de dados e segurança da informação”, explicou a firma.
Os escritórios de advogados contactados pela Advocatus possuem códigos de boas práticas e condutas internas que regem estes tipos de comportamentos. Na VdA existem ainda outros manuais e políticas de Compliance, documentos esses aprovados em Conselho de Administração.
“A VdA distribui o Código de Conduta a cada colaborador no kit de boas-vindas à firma e é dada formação obrigatória na integração no âmbito do módulo de Compliance e Gestão de Risco, onde são abordados os temas de conduta ética. O Código e as políticas de Compliance são atualizadas sempre que se justifica e são dadas formações periódicas de acordo com o programa de Compliance existente na firma”, refere a sociedade.
Na Abreu Advogados o código de conduta e ética profissional subdivide-se em três grupos: o enquadramento geral, com informação sobre valores, missão e objetivos; o conjunto de regras de conduta ao nível da sustentabilidade, comunicação externa, apresentação, concorrência leal, conflito de interesses, igualdade e proibição de assédio, meritocracia, informação e confidencialidade, proteção de dados, entre outros; e os Órgãos de Fiscalização. “Este código foi escrito pela Comissão de Compliance da Abreu, em conjunto com a área de Gestão da Qualidade”, explica Jéssica Pereira.
Já na PLMJ, além do Código de Ética e Conduta, que se aplica ao universo dos seus sócios e demais colaboradores, existe também um Código de Conduta do Sócio. Ambos foram elaborados por comissões específicas, envolvendo um conjunto de sócios e o general counsel.
“Em ambos os casos, consagra-se um conjunto de princípios de conduta que visa garantir o cumprimento escrupuloso de regras em matérias como a da deontologia profissional, conflitos de interesses, prevenção do branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo, anti-corrupção, prevenção e abuso de mercado, planeamento fiscal abusivo, proteção de dados ou igualdade e proibição de assédio”, assegurou a firma.
Por outro lado, na Morais Leitão foi a equipa de direito laboral que preparou um Código de Conduta para a Prevenção do Assédio, que veio consolidar e formalizar procedimentos dispersos. “O Código reflete a importância que a sociedade atribui à prevenção e rejeição do assédio no local de trabalho, de acordo com os nossos valores e cultura interna”, acrescentou Joana Almeida.
Mas em caso de assédio a quem se devem reportar os trabalhadores? A resposta varia consoante o escritório. Por exemplo, na VdA é efetuada à general counsel, mas na Morais Leitão tanto pode ser feita junto do superior hierárquico ou coordenador de departamento ou então diretamente com o diretor de Recursos Humanos e Formação.
“Os sócios e demais colaboradores da PLMJ devem comunicar uma denúncia através do Canal de Ética (whistleblowing) que, num primeiro momento, será rececionada por uma entidade externa e independente para filtragem e validação e que, num segundo momento, se aplicável, será automaticamente encaminhada para os órgãos internos próprios para investigação e potencial sanção”, explicou a PLMJ.
Por outro lado, na Abreu Advogados a denúncia deve ser feita diretamente à Comissão de Compliance ou por intermédio do canal de denúncia. Esta Comissão é responsável pela averiguação da veracidade dos factos e, se aplicável, instauração do competente procedimento disciplinar ou qualquer outro que ao caso caiba.
“A esta Comissão cabem ainda as responsabilidades de promover a divulgação do Código a todos os seus destinatários; analisar e emitir parecer relativamente a situações de alegada infração ao Código; receber participações por alegadas infrações ao Código, procedendo às respetivas averiguações preliminares e reencaminhá-las ao órgão executivo; verificar a existência de mecanismos internos de comunicação de infrações, assegurando que tais meios observam a legislação aplicável, designadamente em matéria de confidencialidade, do tratamento de informação e da inexistência de represálias sobre os participantes; emitir esclarecimentos sobre a interpretação de normas previstas no Código”, referiu Jéssica Pereira.
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
Dos códigos de conduta aos canais de denúncias, escritórios de advogados “munidos” contra assédio
{{ noCommentsLabel }}