Carlos Mota Santos, engenheiro civil de 44 anos, sobrinho de António Mota e vizinho de Rui Moreira, fez crescer os negócios na América Latina e assegura a “ponte” entre a família e o sócio chinês.
Nascido no Porto a 13 de maio de 1978, Carlos António Vasconcelos Mota dos Santos prepara-se para ocupar a partir de fevereiro a “cadeira de sonho” da liderança da Mota-Engil, para a qual começou a ser preparado há mais de duas décadas, quando entrou na empresa criada há 76 anos, em Amarante, pelo avô Manuel António da Mota. Membro da terceira geração da família, com dez netos do fundador já com funções de administração no grupo, é o rosto de uma transição geracional que vinha a ser preparada desde que, em 2008, o tio António Mota abandonou a presidência executiva — ocupada, entretanto, por Jorge Coelho e Gonçalo Moura Martins.
A viver sob os auspícios do dragão desde que em 2021 passou a ter como acionista estratégico a China Communications Construction Company (CCCC) – a quarta maior construtora do mundo detém 32,41%, tendo a participação da família Mota baixado de 65% para 40% –, o comando desta gestão conjunta da companhia passa para as mãos de um “dragão” também nas preferências clubísticas. Ao contrário do tio António, conhecido por ser um ferrenho benfiquista – quando saiu de CEO até brincou, numa reunião de quadros, que não se iria candidatar à presidência dos “encarnados” –, o filho de Manuela Vasconcelos Mota dos Santos é adepto do FC Porto.
Casado com uma médica do Instituto Português de Oncologia (IPO) e pai de três filhos que faz questão de levar à escola sempre que pode — diz, quem o conhece, que é uma pessoa muito ligada à família –, é vizinho do presidente da Câmara, Rui Moreira, na Avenida da Boavista, na cidade Invicta onde completou igualmente os estudos superiores. Tem um MBA pela Universidade do Porto e, tal como António Mota, que esta semana renunciou às atuais funções de chairman, o sobrinho de 44 anos é também engenheiro civil, tendo-se licenciado pela Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP) em 2002.
Como sublinhou o comunicado à CMVM em que foi anunciado como o nome a propor ainda este mês à assembleia geral para acumular as funções de CEO e chairman – na linha de sucessão estava igualmente o primo Manuel Mota, filho de António Mota, que integrou mais tarde o comité executivo –, Carlos Mota Santos é um “profundo conhecedor dos negócios e atividades do grupo”. Recém-licenciado, iniciou o percurso na empresa de construção e em “funções técnicas”, na área da engenharia civil. Ainda no início da carreira profissional, trabalhou na atual Mota-Engil Central Europe e residiu na Polónia, onde o grupo entrou em 1996 através da compra de duas construtoras locais.
Mas aquela que é apontada pelos colaboradores mais próximos como a sua “bandeira mais relevante” enquanto administrador executivo é o crescimento dos negócios na América Latina, sucesso a que esteve mais diretamente ligado. A maior construtora portuguesa arrancou a presença nessa região em 1998, no Perú, mas foi na última dúzia de anos que ela foi reforçada, já sob a coordenação e supervisão de Carlos Mota Santos, enquanto responsável por essa área geográfica. Por inerência dessas funções, nos últimos anos rumou com frequência ao México, Brasil, Peru e Colômbia, os quatros principais mercados do grupo naquela região. Além do gosto pelas artes, o gestor é conhecido por ter o “bichinho” das viagens.
Na ascensão do gestor, que nos últimos anos já esteve envolvido na gestão diária da empresa, há um nome incontornável: o do desaparecido Jorge Coelho, que a 28 de fevereiro de 2012 o nomeou pela primeira vez vogal do conselho de administração da holding e administrador da comissão executiva, que à data liderava. O ex-ministro de António Guterres e “homem da máquina” socialista, que deixara a vida política ativa em novembro de 2006, foi presidente executivo entre 2008 e 2013. Alegou “razões pessoais” para a saída, mas voltaria à empresa em 2018 como vice-presidente do conselho de administração.
Neste novo ciclo, Paulo Portas, antigo líder do CDS-PP, que foi ministro dos Negócios Estrangeiros e vice-primeiro-ministro no Executivo de coligação liderado por Passos Coelho, vai integrar o conselho de administração da Mota-Engil, como administrador não-executivo. Além do ex-governante, que já era conselheiro estratégico da companhia para os mercados da América Latina, na assembleia geral de acionistas convocada para 30 de janeirovão ser votados os nomes de João Pedro Parreira e José Carlos Pinto Nogueira. O conselho de administração passa a ter 17 elementos.
Visão 360º no terreno e na gestão
À semelhança de outros destacados novos elementos da família, Carlos Mota Santos fez um “périplo” não só geográfico, como por várias áreas de negócio. E uma das presidências que assumiu recentemente foi a da Mota-Engil Ambiente e Serviços, tendo estado ligado à equipa de trabalho que estudou o dossiê de privatização da EGF – sub-holding do grupo Águas de Portugal responsável pela recolha, transporte, tratamento e valorização de resíduos urbanos, através de 11 empresas de norte a sul do país – e na coordenação da proposta que acabou por sair vencedora desse processo em 2014. O consórcio SUMA, que liderou, ficou à frente da espanhola FCC, da portuguesa DST e do belga Indaver.
Contactado pelo ECO, Arnaldo Figueiredo, quadro histórico da Mota-Engil e atual assessor da administração, destacou a passagem por “todas as áreas importantes” e o “conhecimento profundo” que tem do grupo e que o tornam “muito mais capaz de decidir bem”. “Está há muitos anos connosco e só posso dizer o melhor, gosto muitíssimo dele. Mas também posso ser suspeito porque já o conheço desde novo. Pela parte que me toca, acho que é uma pessoa que merece toda a confiança, sem qualquer sombra de dúvidas”, resume.
Já passou por todas as áreas importantes da empresa e tem um conhecimento profundo do grupo, [pelo que] está muito mais capaz de decidir bem. Está há muitos anos connosco e é uma pessoa que merece toda a confiança.
Por outro lado, este executivo de 67 anos salvaguarda que o relacionamento com o acionista chinês não sai beliscado com esta mudança “perfeitamente tranquila”. “Antes pelo contrário. Foi uma decisão tomada em perfeita consonância e concordância”, contrapõe o atual administrador não executivo da Martifer, em representação da acionista Mota-Engil no grupo industrial fundado em 1990 pelos irmãos Carlos e Jorge Martins, sediado em Oliveira de Frades, que na área da construção e reparação naval tem a exploração da Navalria (Aveiro) e dos estaleiros de Viana do Castelo.
Fonte da Mota-Engil salienta precisamente o papel que Carlos Mota Santos, até agora vice-CEO, teve na nova fase da história da empresa, com a abertura do capital à CCCC. Funcionando como “uma ponte” na relação entre os dois acionistas de referência da companhia, até por ter sido o primeiro elemento da terceira geração da família a ser envolvido nas decisões estratégicas de alta direção do grupo Mota-Engil. Concretizada a operação que permite ao grupo português concorrer a obras de maior envergadura, os chineses ficaram com dois dos cinco lugares a que a comissão executiva foi reduzida: um deles com o cargo de diretor financeiro (CFO) e o outro elemento com áreas transversais ao grupo nas áreas do planeamento e controlo.
Os chineses querem é que o negócio corra bem e que dê resultados para haver distribuição de dividendos. Acima de tudo, é a operação na América Latina que querem alavancar. Porque o financiamento eles arranjam.
Ilídio Serôdio, vice-presidente da Câmara de Comércio e Indústria Luso-Chinesa, conhece um destes administradores executivos e sublinha ao ECO que esta é uma parceria de longo prazo – “não é para comprar e vender no dia seguinte, os chineses não fazem isso” – e que “normalmente são muito passivos, isto é, não entram na gestão do dia-a-dia”. “Querem é que o negócio corra bem e que dê resultados para haver distribuição de dividendos. Acima de tudo, é a operação em África e, especialmente, na América Latina que querem alavancar, para melhorar a imagem das empresas de construção chineses. Porque o financiamento eles arranjam”, ilustra o gestor, que se lembra de ver a Mota fazer as primeiras estradas em Angola, numa altura em que estava na Junta Autónoma de Estradas daquele país africano.
Dedicação e “adubo nas botas”
A Mota-Engil fechou o primeiro semestre de 2022, em que lucrou 12 milhões de euros, com uma carteira de encomendas de 9,6 mil milhões de euros e, estimou em outubro Gonçalo Moura Martins, iria atingir “valores históricos” a rondar os 13 mil milhões e 14 mil milhões de euros no final do ano, em que diz ter consolidado a presença entre as maiores construtoras mundiais, sendo a 21º na Europa e 7ª na América Latina.
África representa 51% dos negócios, seguida da América Latina (33%). No plano estratégico “Building’ 26”, que começou a ser executado no ano passado e em que decidiu concentrar recursos nos mercados core – desfez-se, entretanto, de participadas no Reino Unido e na Irlanda ou da Takargo (transporte ferroviário de mercadorias – a construtora assumiu o objetivo de faturar mais de 3,8 mil milhões de euros em 2026.
Tem genica, capacidade de trabalho, moderação, bom senso. É o CEO que tenho a certeza que vai ser o primeiro a entrar e o último a sair.
Em declarações ao ECO, Nuno Botelho, presidente da Associação Comercial do Porto (ACP) ,saudou António Mota pela “sabedoria de passar este legado para uma terceira geração da família” e Carlos Mota Santos “por estar à altura do desafio e ter sido bem preparado para esta transição numa empresa que a todos os portugueses deve orgulhar”. “E o facto de passar a ser gerida por alguém da nova geração, alguém abaixo dos 50 anos, que representa uma maior juventude, é algo salutar, numa altura em que falamos em sangue novo, novas ideias, arrojo e inovação. Estará à altura dos pergaminhos da família”, acrescenta.
“Tem genica, capacidade de trabalho, moderação, bom senso. Reconheço-lhe todas essas capacidades. É um homem muito simples, esforçado, curioso e que não dá nada como garantido. É o CEO que tenho a certeza que vai ser o primeiro a entrar e o último a sair”, completa Nuno Botelho. O líder da ACP salienta, por outro lado, o facto de ser “uma pessoa presente na vida da associação e da cidade, e preocupada com os grandes assuntos da região”, como aconteceu nos últimos anos em vários dossiês, como aqueles que envolveram as infraestruturas. “Foi-se juntando a essas questões e querendo saber mais sobre elas”.
É um sinal de rejuvenescimento para uma indústria que precisa de uma modernização muito grande. E o melhor adubo são as botas do dono. Ter alguém no topo da gestão que faz parte da família é um bom princípio para manter a cultura familiar que é importante para o sucesso da Mota-Engil.
Quem também tem tido um contacto próximo e frequente com Carlos Mota Santos é Nuno Costa, fundador e CEO da Quadrante, fornecedora e parceira da Mota-Engil em vários projetos, como o mais recente da reabilitação e expansão do Stade Félix Houphouët-Boigny, em Abidjan, na Costa do Marfim. Destaca-lhe o “profissionalismo” e o facto de ter “bastante energia” e de “tratar os assuntos com profundidade”. Elogiando, por outro lado, o sinal de “rejuvenescimento” que diz ser “muito positivo para uma indústria que precisa de uma modernização muito grande”.
O empresário recorre, por outro lado, à máxima popular de que “o melhor adubo são as botas do dono” para ilustrar que “apesar de ter uma acionista de referência muito importante, é uma empresa que tem uma cultura de empresas familiar e ter alguém no topo da gestão que faz parte da família é um bom princípio para manter essa cultura que é importante para o sucesso da Mota-Engil”.
Numa publicação no LinkedIn em que assinala o legado do pai, António Mota, Sílvia Mota, CEO da Mota-Engil Next, fez questão de deixar uma promessa ao primo, que “assume agora esta grande responsabilidade”: “Cá estaremos unidos, fortes e prontos para continuar a mudar o mundo!”
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“Dragão” escolhido por Jorge Coelho vai liderar Mota-Engil com mão chinesa
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