Em ano de voo de unicórnio, startups já levantaram mais capital que em todo o ano passado

Apesar da subida do investimento, há que acelerar o passo para o país não perder atratividade face a outros ecossistemas e desbloquear os atrasos dos vistos de trabalho, alertam fundos e incubadoras.

No ano em que Portugal voltou a ver voar um unicórnio com cores nacionais, o ecossistema de empreendedorismo já captou na primeira metade do ano 236 milhões de euros de investimento, mais dez milhões do que no ano passado. E dúvidas houvesse sobre se iria ou não superar o ano anterior, até meados de julho já tinha sido canalizado para as startups e scaleups nacionais 577 milhões de euros, valor acima do captado em todo o ano passado e sem contabilizar o valor desconhecido da última ronda da unicórnio Tekever. Mas fundos e incubadoras deixam avisos à navegação, há que acelerar o passo para o país não perder atratividade face a outros ecossistemas e, para isso, há (também) que desbloquear os atrasos dos vistos de trabalho.

“O montante de capital angariado por fundos elegíveis para SIFIDE e os fundos apoiados pelo Banco Português de Fomento aumentam o investimento disponível no ecossistema. Este stock de capital e, em alguns casos, a pressão regulatória para investir em timelines apertados, sugerem que em 2025 o investimento total se mantenha em níveis elevados”, aponta João Henriques, partner da Iberis Capital.

João Henriques, sócio da Iberis Capital

Os valores registados na plataforma Dealroom — que agrega as rondas anunciadas publicamente —, nem contabiliza o montante da última ronda que catapultou a Tekever para uma avaliação de cerca de 1,2 mil milhões de euros, já que o valor da injeção de capital que fez a empresa a produtora de drones voar para o estatuto de unicórnio não foi divulgado, mas já dá conta do momento de maior músculo financeiro no ecossistema. Em pouco mais de sete meses, captou mais de 500 milhões, mais do que todo o ano de 2024.

 

“O mercado mantém-se com bastante liquidez, impulsionado sobretudo por fundos SIFIDE e/ou alavancados pelo Banco Português de Fomento“, destaca igualmente Lurdes Gramaxo, presidente da Investors Portugal e partner da Bynd VC.

“Vemos também uma nova vaga de startups emergentes, com destaque para aquelas focadas em Inteligência Artificial, que apresentam um elevado potencial disruptivo e uma clara ambição global — fatores que têm despertado o interesse dos investidores”, continua a investidora. “Com base nesta dinâmica, antecipamos uma evolução positiva tanto no número como no volume de oportunidades de investimento até ao final do ano“, sintetiza.

Lurdes Gramaxo foi reeleita presidente da Investors Portugal

Além do aumento absoluto do volume de capital, “notamos também um crescimento da qualidade e da diversidade dos projetos financiados. Cada vez mais, Portugal está no radar dos principais fundos europeus e americanos, o que traz mais capital, mas também know-how”, refere, por seu turno, Vasco Pereira Coutinho, CEO da Lince Capital.

Luís Gutman deixa uma ressalva. “Mais do que o volume absoluto, o que se nota é uma maior seletividade por parte dos investidores, com foco crescente em modelos sustentáveis e empresas com tração comprovada“, diz o CEO da OW Ventures.

Motores de crescimento

Olhando para a primeira metade do ano, Gil Azevedo destaca o ganho de escala das rondas. “O valor médio das rondas cresceu de 2,4 milhões de euros no 1.º semestre de 2024 para 4,5 milhões de euros neste 1.º semestre, isto sem contabilizar a ronda da Tekever, que se tornou unicórnio. Concretamente, destaco o crescimento das rondas das scaleups com montantes acima dos 15 milhões de euros, onde nos primeiros seis meses de 2025 já tivemos seis rondas, desde a Sword Health até a Indie Campers, incluindo a ronda da Tekever”, realça o diretor executivo da Unicorn Factory Lisboa. Em julho, assistiu-se a mais uma ronda na ordem dos dois dígitos: os 10 milhões levantados pela Lyzer.

“Preocupa-me que o número de rondas iniciais tenha caído neste semestre, o que é um sinal de alerta para a necessidade de fomentar o empreendedorismo jovem e criar mecanismos fiscais atrativos para investimento por parte de business angels“, diz o diretor executivo da Unicorn Factory Lisboa.

Gil Azevedo, diretor executivo da Unicorn Factory Lisboa.Hugo Amaral/ECO

António Dias Martins olha com otimismo para o desenrolar da reta final de 2025. E não tem dúvidas sobre quais incidirão as apostas dos investidores. “A transição energética, inteligência artificial, a defesa e a cibersegurança estão entre as áreas mais atrativas para os investidores. Além disso, temas como sustentabilidade, saúde digital e tecnologia climática continuarão a ter um peso relevante na agenda dos fundos, tanto nacionais como internacionais”, considera o diretor executivo da Startup Portugal.

Uma análise que alinha com a visão de Lurdes Gramaxo. IA e machine learning — “que concentraram cerca de 50% dos investimentos early-stage na Europa este ano” — deverão continuar a ser os grandes motores de crescimento ao longo do ano, “especialmente nas suas aplicações verticais”, aponta a partner da Bynd VC. Mas também Defesa. “Observamos também um interesse crescente por parte dos investidores e o aparecimento de startups com soluções de dual purpose (civil e militar), impulsionadas pelo aumento dos orçamentos de defesa e pela necessidade de reforçar a soberania militar europeia”, indica.

O atual momento na Europa, em que o investimento em Defesa está a ganhar cada vez mais atenção de Bruxelas e dos Estados-Membros, muito à conta da guerra na Ucrânia e da mudança de postura do ‘parceiro’ americano na NATO, faz com Maria Oliveira também aponte este segmento como estando na lista de apostas dos investidores.

António Dias Martins, diretor executivo da Startup Portugal.Hugo Amaral/ECO

“Tecnologias aplicadas à defesa — como drones, sensores, comunicações seguras ou plataformas de vigilância — passaram a integrar as prioridades de vários programas públicos europeus, como o Fundo Europeu de Defesa ou o EUDIS. A mais recente ronda de investimento da Tekever, que reforça a sua posição como unicórnio nacional, é um exemplo claro desta tendência emergente“, destaca a diretora executiva da Uptec. IA e saúde digital são igualmente outras áreas que vão concentrar atenções.

DeepTech, as ciências da vida e da saúde, a IA, a energia e sustentabilidade, a mobilidade inteligente ou as tecnologias de produção avançada deverão “continuar a suscitar grande interesse por parte dos investidores”, indica Luís Rodrigues, diretor da Startup Braga, cujo ecossistema levantou cerca de 50 milhões de euros nos primeiros seis meses do ano.

A incubadora de Braga tem vindo a apostar na especialização em DeepTech, com o programa de aceleração global Health Accelerator a contar com a participação de 12 startups, atualmente, “a desenvolver projetos-piloto com entidades portuguesas de referência”. “Estas startups, que operam nas áreas das tecnologias para a saúde, biotecnologia e nanotecnologia, representam a nova geração de soluções DeepTech com potencial de escalabilidade global”, diz o diretor da Startup Braga, hub de inovação que tem coordenado a instalação do novo Centro de Valorização e Transferência de Tecnologias, o Bio MedTech Hub.

Maria Oliveira destaca ainda a continuidade do papel dos fundos SIFIDE como motor de liquidez do setor. Mas não só. “A pressão para execução dos fundos SIFIDE, que poderá acelerar decisões de investimento ainda este ano em particular para empresas em fase early stage e a abertura do governo para a inclusão de medidas que possam incentivar a participação dos investidores institucionais nos fundos de capital de risco. Se esta ambição se concretizar, poderá representar mais de mil milhões de euros de capital adicional a ser canalizado para startups e scaleups em Portugal”, considera a diretora executiva da Uptec.

A manter-se esta evolução, será que 2025 será o ano em que o ecossistema atingirá outro pico de investimento? A long shot, considera Vítor Ferreira. Mas não impossível. “O salto para recuperar o pico de 2022 continua a exigir um ‘cisne verde’: talvez uma mega ronda em climateTech ou a estreia em bolsa de um dos nossos unicórnios”, equaciona.

Portugal a perder posição no pelotão?

Apesar do momento positivo de liquidez no ecossistema, na comparação global há dados que dão que pensar. No mais recente relatório da StartupBlink, Portugal manteve a mesma 29.ª posição de há um ano. Sinal de resistência ou estagnação?

“A manutenção da posição não deve ser interpretada como estagnação, mas sim como um reflexo da intensidade da competição global. Ecossistemas em todo o mundo estão a acelerar, e Portugal não é exceção — temos assistido a um aumento do número e qualidade de startups, do capital investido e da presença internacional. No entanto, estes efeitos têm um ciclo de maturação: a consolidação de um ecossistema leva tempo”, considera Stephan Morais, presidente da Associação Portuguesa de Capital de Risco (APCRI).

Stephan de Morais, CEO da Indico Capital Partners e presidente da Associação Portuguesa de Capital de Risco (APCRI), em entrevista ao podcast “ECO dos Fundos”Hugo Amaral/ECO

“Para acelerar, é crucial continuar a investir em políticas que reforcem a ligação entre talento, capital e inovação — nomeadamente através de um maior dinamismo na regulação, maior acesso a financiamento em fases de scaleup e promoção ativa do país junto de investidores internacionais. Com mais visibilidade e histórias de sucesso, Portugal tem tudo para subir no ranking nos próximos anos”, acredita.

António Dias Martins faz a sua análise. “Manter a mesma posição nos rankings internacionais, como o StartupBlink, mostra que Portugal continua a ser reconhecido como um ecossistema relevante e com potencial. No entanto, também indica que outros países estão a acelerar os seus esforços, o que mostra a importância de continuarmos a evoluir”, diz.

“Para reforçar a atratividade de Portugal, é essencial reduzir a complexidade e a burocracia, atrair talento qualificado, incentivar a criação de novas startups, tornar o sistema fiscal mais simples e competitivo, e reforçar a aposta na internacionalização. Portugal tem uma base sólida, mas deve continuar a criar condições que facilitem o crescimento sustentável das startups e o posicionamento do país como um hub de inovação de referência”, reforça o diretor executivo da Startup Portugal.

Luís Rodrigues, diretor da Startup Braga

Não é sinal de imobilismo — o nosso ecossistema criou mais valor este ano do que o irlandês e o finlandês juntos — mas revela que Polónia, Grécia ou República Checa estão a pedalar mais depressa nos critérios que contam pontos: volume de rondas, talento estrangeiro, políticas de stock-options“, aponta Vítor Ferreira, diretor-geral da Startup Leiria. “Ganhar tração extra implica abrir a torneira do capital institucional (2% dos ativos dos fundos de pensões libertariam mais de 1,4 mil milhões de euros para o venture doméstico), simplificar regras de residência académica de IP nas universidades, e fazer diplomacia económica agressiva nos mercados da CPLP e da América Latina”, elenca.

Um ganhar de tração que, para Gil Azevedo, passa por “uma estratégia clara nacional para a inovação, onde possamos juntar esforços entre os diferentes intervenientes, continuar a desenvolver um enquadramento legal e fiscal que acompanhe a realidade das startups, que reduza a burocracia nos procedimentos e na atração de talento, como a obtenção de vistos, e que promova apoios que atraiam e alavanquem em capital privado”, aponta.

Vítor Ferreira, diretor-geral da Startup Leiria.

Os atrasos nos vistos são, aliás, para Vítor Ferreira, o “calcanhar de Aquiles” do ecossistema. ” A AIMA ainda tem cerca de 400.000 processos por despachar — herança da extinta SEF — e isso prolonga os tempos de espera para lá de um ano, mesmo depois de o governo ter prometido um prazo padrão de 20 dias úteis para autorizações de trabalho tech. Enquanto a fila não encurta, investidores early-stage tendem a pedir às equipas estrangeiras que abram escritórios intermédios em Madrid ou Tallin”, alerta o diretor-geral da Startup Leiria.

“O país continua, contudo, a oferecer uma equação rara: custo de vida abaixo de Barcelona, ecossistema densificado, comunidade internacional em crescimento. Se conseguirmos passar da promessa à prática — processos digitais, SLA públicos, fast-track para STEM — voltaremos a ter no visto tech aquilo que a Web Summit foi na sua génese: um íman de talento global”, defende o responsável da incubadora da região Centro.

“Pessoalmente, tenho um outlook negativo — não por culpa da burocracia, mas da situação política. A imigração trouxe pessoas de todos os rendimentos com vontade de mudar, trabalhar e investir. A teoria económica diz que as regiões mais diversas são as com mais inovação e rendimento (de Silicon Valley a Nova Iorque, passando por Singapura). O comum dos eleitores cai nas falácias fáceis, o que prejudica o clima de atração do país”, lamenta o diretor-geral da Startup Leiria.

“O talento é um dos principais motores do ecossistema de inovação. No entanto, atrasos na atribuição de vistos e uma política de imigração ainda pouco ágil colocam Portugal em desvantagem competitiva, especialmente num momento em que vários países estão a implementar vias rápidas para atrair empreendedores, investigadores e profissionais de tecnologia altamente qualificados”, alerta Maria Oliveira.

Luís Gutman, CEO da OW Ventures.

“Muitas startups portuguesas já recrutam globalmente, e quando enfrentam entraves burocráticos, o risco é claro: o talento acaba por escolher outros hubs europeus mais eficientes e, com ele, podem ir também os próprios projetos. Não se trata apenas de atrair menos, mas de perder oportunidades estratégicas para outros ecossistemas mais preparados”, reforça. “Para manter Portugal como destino atrativo, é fundamental criar mecanismos céleres e previsíveis de entrada, e adotar políticas claramente orientadas para a captação e retenção de talento global”, defende a diretora executiva da Uptec.

Luís Gutman também se mostra preocupado com as regras de entrada no país mais restritivas. “O talento continua a ser um dos pilares fundamentais do nosso ecossistema, mas enfrentamos obstáculos significativos. O atraso na atribuição de vistos e uma política de imigração mais restritiva afetam diretamente a capacidade das startups de atrair fundadores, engenheiros e gestores altamente qualificados”, afirma.

“Se não forem corrigidas, estas limitações podem prejudicar a competitividade de Portugal enquanto destino tech. Precisamos de processos mais céleres, previsíveis e alinhados com as exigências do setor tecnológico”, atira o CEO da OW Ventures.

Vasco Pereira Coutinho, CEO da Lince Capital.

Vasco Pereira Coutinho mostra-se mais otimista. “Até ao momento, o impacto [das regras mais restritivas] tem sido limitado, muito porque o setor tecnológico é particularmente resiliente e continua a atrair mão de obra altamente qualificada. No entanto, é inegável que processos de imigração ágeis e previsíveis são um fator crítico para manter Portugal competitivo na atração de talento global. A capacidade de captar founders, engenheiros e equipas especializadas sem fricções será determinante para o crescimento sustentado do ecossistema”, comenta.

“Estamos confiantes de que estas questões serão resolvidas, até porque há uma consciência crescente da importância estratégica do talento internacional para o desenvolvimento económico e tecnológico do país”, defende o o CEO da Lince Capital.

“A política de imigração, tal como está desenhada, não impede a entrada de talento altamente qualificado. Seria desejável, no entanto, que os processos de emissão de vistos fossem mais rápidos e eficientes”, refere Stephan Morais.

“Atrasos administrativos afetam a capacidade de as startups serem ágeis a contratar e a integrar talento internacional, o que pode limitar a sua competitividade. Uma melhoria nos tempos de resposta, bem como na clareza dos procedimentos, seria benéfica para todo o ecossistema”, defende o presidente da APCRI.

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