A Porsche vai comprar a SIVA de Pereira Coutinho pelo valor simbólico de 1 euro. Não é a primeira vez que acontece. São vários os exemplos, desde o BPP em Portugal, ao Chelsea no Reino Unido.
1 euro. Bastou uma moeda para que os alemães da Porsche comprassem a SIVA, empresa de João Pereira Coutinho que emprega 650 trabalhadores e que em Portugal é a concessionária responsável pela importação e comercialização de marcas como a Volkswagen, Audi, Bentley, Lamborghini e Skoda.
Em Portugal, há vários exemplos de outras empresas que foram vendidas por 1 euro, desde o BPP de João Rendeiro à Aqualuz de Belmiro de Azevedo. Por esse mundo, por 1 euro, por 1 dólar ou por 1 libra, foram vendidos clubes como Chelsea, o Parma ou o Swansea City e gigantes como a Newsweek ou a Parmalat.
No setor automóvel lá fora, tal como a SIVA, também já houve vendas de gigantes feitas a troco de uma única moeda. Foi o caso da Renault que pagou uma libra em 2015 para ficar com equipa de Fórmula 1 da Lotus. A escuderia, que nos tempos áureos chegou a ser representada por Ayrton Senna, estava em litígio com o Fisco britânico que a acusava de não pagar determinados impostos.
Porquê vender milhões por 1 euro?
Então, qual é a razão pela qual se vende uma empresa que valia milhões ou mil milhões por 1 euro, 1 libra ou 1 dólar? A moeda que se paga para comprar uma empresa “é apenas um valor nominal simbólico para que no contrato de compra fique registado que se pagou alguma coisa pela empresa que se vai receber”, explica a BBC neste artigo em que fez um apanhado de “7 empresas que foram vendidas por 1 dólar”.
Só que os negócios de 1 euro normalmente escondem uma realidade menos simpática para o comprador — fica com a responsabilidade de assumir a dívida da empresa que vai comprar e, muitas vezes, com a obrigação de injetar milhões no negócio que comprou por um valor simbólico.
Do emblemático Barings de Nick Leeson ao BPP de João Rendeiro
Talvez o mais emblemático de todos tenha sido o da venda do banco britânico Barings ao holandês ING, em 1995, pela módica quantia de 1 euro. O Barings, fundado em 1762, era o banco mais antigo do Reino Unido e colapsou na década de 90 por causa de um escândalo financeiro que envolveu Nick Leeson. Este corretor estorricou mil milhões de euros a especular com contratos futuros no Japão e em Singapura, tendo depois tentado camuflar e esconder os prejuízos. Foi através da famosa conta nº 88888.
Em Portugal, talvez o caso mais conhecido de “vendas a 1 euro” tenha sido o do Banco Privado Português (BPP) de João Rendeiro que colapsou com a crise e onde também foram detetadas irregularidades e falsificação de contas. Em 2009, o BPP e duas empresas holding do grupo foram comprados por um euro pela Sociedade Comercial Orey Antunes, tendo esta última ficado com a responsabilidade de apresentar um plano de recapitalização e saneamento do banco e ainda um programa de reestruturação do produto “Retorno Absoluto – Investimento Indireto com Garantia”, no qual muitos clientes perderam milhões de euros.
Ainda no setor bancário e no universo dos negócios a 1 euro, há um exemplo mais recente que foi a compra do Banco Popular — que tinha 118 balcões em Portugal — pelo Santander, em julho de 2017. Na altura da transação, o Santander de Ana Botín comprometeu-se a fazer uma injeção de 7 mil milhões de euros para reforçar o balanço daquele que era o sexto maior banco espanhol.
No caso do Novo Banco em Portugal, que também foi alvo de uma medida de resolução, o comprador — o fundo norte-americano Lone Star — também se comprometeu a injetar mil milhões para reforçar os rácios do banco que no momento da venda ainda beneficiou de uma garantia pública no valor de 3,9 mil milhões. Sendo que no caso da instituição liderada por António Ramalho, na transação não houve lugar ao pagamento simbólico de 1 euro. A “venda” foi concretizada por zero euros.
Uma fábrica de confeções de Arcos de Valdevez e a Parmalat na Argentina
É uma das histórias que emocionou o país. Estávamos em 2004 e os alemães que eram donos da empresa Afonso – Produção de Vestuário tentaram deslocalizar a fábrica de confeções para a República Checa. Não tiveram sucesso e a fábrica, na altura com mais de 20 anos, foi comprada pelo valor simbólico de 1 euro por uma trabalhadora — Conceição Pinhão — que conseguiu dar à volta à crise e colocar a empresa que estava na Zona Industrial de Paçô, em Arcos de Valdevez, novamente a faturar.
Também em Portugal, e no mesmo setor, o processo de falência da Maconde levou a que as unidades Macvila e Mactrading fossem compradas por um euro, num negócio “apadrinhado” pelo antigo ministro da Economia Manuel Pinho, e que envolveu a injeção de seis milhões de euros por um sindicato bancário para relançar a empresa.
Lá fora, no setor industrial, o fundo de investimento Greybull adquiriu em 2016 por uma libra a unidade britânica da empresa indiana Tata Steel. Na indústria o caso mais emblemático foi mesmo o da Parmalat que, depois de ter sido declarada insolvente, acabou por vender a sua filial na Argentina, em 2004, por 1 euro.
Os euros no negócio do futebol
O colapso da Parmalat também levou à queda do clube de futebol Parma que também foi vendido pela singela quantia de 1 euro. Na altura havia dois portugueses a jogar pelo Parma: Pedro Mendes e Silvestre Varela.
Ainda no mundo do futebol, o Chelsea foi comprado em 1982 pelo empresário Ken Bates por 1 libra esterlina. Bates assumiu a dívida e quando vendeu o clube ao magnata russo Roman Abramovich, o negócio fez-se por 140 milhões de libras.
Também no Reino Unido, os donos do Swansea City venderam o clube em 2001 por uma libra esterlina quando a equipa de futebol foi despromovida para a terceira divisão do futebol inglês.
Um jornal pode custar 1 euro. E a dona do jornal também
É normal ir a um quiosque e comprar o jornal do dia por 1 euro ou 1 libra. O que já não é muito normal é comprar a empresa que faz os jornais pelo mesmo valor.
Foi o que aconteceu em 2010 quando o The Washington Post vendeu a revista Newsweek ao empresário Sidney Harman, por 1 dólar. Na altura, a histórica revista, rival da Time, contava com 325 trabalhadores, tendo perdido milhões de faturação por causa do declínio das vendas e da concorrência do digital.
O euro de Belmiro e o castelo de Marienburg na Baixa Saxónia
De regresso a Portugal, em 2015, a Aqualuz, empresa de Turismo e Lazer que acumulava prejuízos, foi comprada à Sonae Capital pela “holding” pessoal do empresário Belmiro de Azevedo. A Efanor Investimentos do empresário nortenho pagou 1 euro. A transação foi justificada com o facto de não ter sido “possível encontrar, até à data, nem se vislumbram, no curto/médio prazo, soluções que permitam melhorar de forma significativa a rentabilidade da operação de Lagos”.
Ainda no setor, dois anos mais tarde, segundo a revista Sábado, o luxuoso resort Monte da Quinta foi vendido igualmente por 1 euro. O empreendimento na Quinta do Lago no Algarve fazia parte do portfólio de ativos do falido BPN.
Fora de portas, na Alemanha, um dos negócios a 1 euro que fez correr mais tinta no ano passado foi quando o príncipe Ernst de Hannover decidiu vender, pelo preço simbólico de um euro, o magnífico palácio de Marienburg, a residência oficial da dinastia, no estado da Baixa Saxónia. O príncipe não queria gastar mais dinheiro na conservação do imóvel. O novo proprietário do palácio comprometeu-se a financiar os custos de renovação, estimados em quase 30 milhões de euros.
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Empresas de milhões vendidas por 1 euro. Compra da SIVA pela Porsche não é caso único
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