O idadismo é a discriminação baseada na idade. A Advocatus foi tentar perceber que impacto pode ter a idade nos escritórios de advogados, tanto a nível de chefias como de produtividade.
Já ouviu falar de racismo, sexismo, machismo, certo? E de idadismo, em inglês ageism? Este é mais um dos tipos de discriminação existente, mas distingue-se por se basear na desigualdade em função da idade. Ou seja, refere-se aos estereótipos, preconceitos e discriminação em relação aos outros ou a si mesmo com base na idade.
E qual é o panorama demográfico? Estima-se que em 2050 a população mundial com mais de 60 anos ultrapasse os dois mil milhões de pessoas, ou seja, cerca de 20% da população. Portugal é um dos países mais envelhecidos do mundo e o 4.º da Europa. Segundo previsões do Eurostat, em 2070 o cenário é que Portugal tenha perdido cerca de 28% da população ativa.
Face este panorama, a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou o envelhecimento como tema prioritário para esta década.
Segundo o Relatório Global sobre o Idadismo da OMS, a nível global, uma em duas pessoas é idadista em relação a pessoas mais velhas e metade da população mundial é preconceituosa em relação aos idosos.
O idadismo, que afeta todos e está por todo o lado, pode assim ter diversos impactos quer na saúde física quer mental dos indivíduos. Pode mudar a forma com que as pessoas se vêem a si mesmas, corroer a solidariedade entre gerações e até desvalorizar ou limitar a capacidade de beneficiar com o que as diferentes gerações podem contribuir.
Por exemplo, a nível laboral, o idadismo também é uma realidade e várias são as situações em que um trabalhador é “descartado” devido à sua idade. Segundo o Instituto Nacional de Estatística, o idadismo laboral é um dos principais fatores que levam ao desemprego nesta faixa etária da população.
Ainda assim, o idadismo laboral é proibido em Portugal. Lê-se no artigo n.º 24 do Código do Trabalho que “o trabalhador ou candidato a emprego tem direito a igualdade de oportunidades e de tratamento no que se refere ao acesso ao emprego, à formação e promoção ou carreira profissionais e às condições de trabalho, não podendo ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão, nomeadamente, de ascendência, idade, (…), devendo o Estado promover a igualdade de acesso a tais direitos”.
A nível constitucional, o artigo n.º 59 da Constituição da República Portuguesa tipifica que “todos os trabalhadores, sem distinção de idade, (…), têm direito” à “retribuição do trabalho”, “a organização do trabalho em condições socialmente dignificantes”, “a prestação do trabalho em condições de higiene, segurança e saúde”, “ao repouso e aos lazeres”, “à assistência material”, e a “assistência e justa reparação”.
Também a União Europeia, através da Diretiva 200/78/CE, estabeleceu um quadro geral de igualdade de tratamento de emprego e na atividade profissional. O objetivo desta lei é combater a discriminação no local de trabalho com base na idade, entre outras especificações.
A Advocatus foi tentar perceber que impacto pode ter a idade nos escritórios de advogados, tanto a nível de chefias como de produtividade. Muitos dos escritórios contactados preferiram não comentar o tema, como a CMS, CS’Associados, Cuatrecasas, Linklaters, Morais Leitão, PLMJ e Vieira de Almeida. Apenas a Abreu Advogados e a SRS Legal responderam.
Questionada se existe uma idade máxima para ocupar a posição de sócio no escritório, a SRS explicou que avaliação dos critérios de admissão e permanência de um sócio depende de um conjunto de métricas e valorações. “A idade não é, por si só, um fator de avaliação”, disse Maria de Lancastre Valente, diretora de pessoas e cultura da SRS Legal.
Já na Abreu Advogados os 65 anos ditam, regra geral, a saída da posição de sócio, sem prejuízo do direito de continuar a trabalhar com os seus clientes e de participar na vida do escritório.
“Todos os sócios que atingem o limite de idade têm o direito de integrar automaticamente o nosso conselho consultivo, um órgão social estatutário que é chamado a pronunciar-se numa série de situações da sociedade, mantendo os seus membros acesso a todos os meios, à informação e ao acompanhamento da vida do escritório”, explicou a managing partner Inês Sequeira Mendes.
A líder da Abreu Advogados explicou que a génese desta regra é a de assegurar uma “normal transição geracional na equipe de sócios”. “Permitindo renovar a sua composição ao longo dos tempos mas garantindo que o futuro da Abreu não se faz sem o contributo que vem do conhecimento, experiência de vida e saber destas pessoas que tiveram uma participação importante ao longo de anos, são um acervo valioso e continuam a ter muito para dar à sociedade”, acrescentou.
E lá fora como fazem os escritórios? Segundo um artigo do Financial Times, nos Estados Unidos da América os advogados trabalham regularmente depois dos 70 anos. Cerca de 21% dos sócios de 200 maiores escritórios nos EUA têm mais de 60 anos.
Mas o mesmo não acontece no Reino Unido, onde os advogados com mais de 70 anos representavam apenas 3% dos sócios em 2020. Já a média de idades de um sócio no Reino Unido e País de Gales era de 51 anos para os homens e 47,5 para as mulheres.
O que acontece no Reino Unido, segundo o Financial Times, é que os escritórios mantêm os “velhos” advogados como consultores, beneficiando assim dos seus conhecimentos. Desde 2006 que a discriminação por idade é proibida em território britânico, mas que pode ser permitida nos casos em que o empregador demonstre que é justificada.
Mas será que a produtividade pode ficar afetada com o aumento da idade dos profissionais? Inês Sequeira Mendes acredita que depende de pessoa para pessoa, pelo que não lhe parece existir uma correlação direta entre idade e produtividade.
“Existem pessoas com mais de 65 anos altamente produtivas e pessoas com 20 que não o são. É, no entanto, natural que um advogado com 65 anos, com mais de 40 anos de profissão, queira rever a sua forma de trabalho. Ser advogado é uma profissão muito desgastante e exigente e é normal que a partir de certa altura se queira abrandar o ritmo ou contribuir de outra forma para a sociedade”, disse a managing partner.
Já Maria de Lancastre Valente afirma que a produtividade é um conceito “muito abrangente” e que pode significar várias coisas: “tradução em contributo de tempo/horas dedicadas, contributo financeiro ou resultado, etc”.
“Seja como for, não é o único elemento a ponderar no contributo de um profissional. O know how¸ a experiência e as competências relacionais e de gestão são igualmente relevantes para a avaliação global e completa de um profissional advogado. Limitar essa avaliação à produtividade parece-nos redutor”, acrescentou.
O combate ao idadismo
Dados da OMS demonstram que o idadismo é um problema real e que necessita de ser combatido, até porque o mundo está a caminhar para um aumento da população mais velha. Assim, esta Organização delineou três estratégias de combate: políticas e leis, intervenções educacionais e intervenções de contacto intergeracional.
Por exemplo, nos Países Baixos uma das medidas implementadas é a de que os anúncios de emprego passaram a ser analisados para evitar discriminação em função da idade.
Também os escritórios de advogados apostam em políticas de combate à diversidade e inclusão geracional. Sem nunca terem registado algum caso de discriminação em função da idade, a Abreu Advogados possui uma Política de Diversidade e Inclusão que, segundo Inês Sequeira Mendes, é colocada em prática todos os dias
“Acreditamos que o nosso crescimento e afirmação como um projeto inovador e duradouro tem de ser sustentado por políticas humanistas, assentes numa cultura de diversidade, meritocracia e respeito pelo bem-estar, de forma a garantir as condições necessárias para que todos os colaboradores se sintam valorizados e capazes de alcançar em pleno o seu potencial, para o bem de todos”, notou.
A managing partner da Abreu sublinhou que o escritório promove um ambiente de trabalho “inclusivo” e que incentivam uma postura de “respeito” e “valorização das diferenças”, as quais contribuem para o crescimento e sucesso contínuos da atividade do escritório, “reconhecendo a riqueza que a diversidade e a pluralidade cultural aportam para a motivação, criatividade e sentido de pertença e repudiando qualquer comportamento discriminatório”.
“A SRS Legal foi a primeira sociedade de advogados em Portugal a formalizar um plano de carreira e é caracterizada, historicamente, pela valorização do seu crescimento orgânico. Tal evidencia, julgamos, o cuidado que imprime em potenciar as valências das várias gerações de advogados e em cuidar desse convívio”, disse a diretora de pessoas e cultura da SRS Legal.
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Idadismo: Tic tac… a idade afeta os advogados?
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