Para quem trabalha na Uber, o Algarve é como "um diamante em bruto". Muitos motoristas deslocam-se de outras regiões à procura de rendimentos extra. Aproveitam as férias... para trabalhar.
Para muita gente, verão é sinónimo de Algarve, de férias. Mas, para alguns motoristas de plataformas como a Uber, verão e Algarve significam trabalho. Muito trabalho. Mais propriamente, uma oportunidade única para aumentarem os rendimentos, aproveitando a época balnear numa zona em ebulição nesta altura do ano. Para uns, os fins de semana são como pérolas. Outros aproveitam as manhãs ou noites para trabalhar, enquanto as tardes são passadas a descansar na praia. Há até grupos que se organizam para alugar casas, ou motoristas que viajam todos os dias de comboio para fazer um turno.
“O Algarve ainda é um diamante em bruto”, atira João Carvalho dos Santos. É gerente da VOOOP!, uma empresa do setor com operações em Lisboa, que também tem apostado de forma significativa no mercado algarvio desde que o serviço da Uber foi lançado na região, em 2016. “No primeiro ano era muito interessante. Os carros, por turno, faturavam cerca de 250 euros”, recorda, indicando que a empresa começou por experimentar com “um carro” e motoristas a sair de Lisboa todos os dias, de comboio. “Quando um apanhava o comboio para regressar, estava outro colega a chegar”, refere.
Mas foi no ano passado que se deu o boom. “Em 2017 fomos em força. Organizámo-nos e alugámos casas. Chegámos a ter quatro casas e levámos 17 carros para perto de 30 motoristas”, indica. A empresa fechou o ano com receitas de 1,2 milhões de euros, garante ao ECO o empresário.
“Fizemos rios de dinheiro”
Percebe-se a analogia do “diamante em bruto”. João Carvalho dos Santos revela que chegou a pagar salários de 3.000 euros no ano passado, relativos ao mês de julho. Já em agosto, “um motorista conseguiu 1.400 euros líquidos numa semana, a trabalhar cinco dias em turnos de 12 horas”, revela com entusiasmo. Para este ano, antecipa um arrefecer do mercado: “Vai ser mais fraco, porque há mais motoristas e parceiros no Algarve. Depois, o tempo não tem ajudado. No ano passado, em junho, já estávamos a faturar muito bem.” Fala mesmo num evento que trouxe milhares de pessoas de Londres e que deu um fôlego adicional às atividades das plataformas. “Fizemos rios de dinheiro”, diz o empresário.
Ainda assim, apesar de antecipar um ano menos rentável, a empresa vai voltar a apostar no Algarve, reforçando a equipa que já lá tem. “Estamos abertos a levar pessoas de Lisboa, sem qualquer custo. Dá para conhecerem outras realidades e os ganhos são sempre muito bons, porque as viagens são grandes”, indica. A companhia paga o alojamento e faz questão de alugar sempre “moradias com piscina”, para que os motoristas tenham “algum conforto”. “Queremos mesmo que isto seja um negócio e não um biscate. Estamos a olhar para isto de forma muito mais profissional”, atira o empresário. Por esta altura, já lá tem nove motoristas.
Este ano vai ser mais fraco, porque há muito mais motoristas e parceiros no Algarve. Depois, o tempo não tem ajudado.
Profissionais ligados ao setor comentam ao ECO que alguns motoristas aproveitam as férias para ganhar algum dinheiro extra neste mercado. Outros fazem-no por já lá terem sítio onde pernoitar. É que nem toda a gente pode dar-se ao luxo de descer ao sul do país para férias e trabalho. E o preço do alojamento pesa nos rendimentos.
“Quem vai para o Algarve, muitas vezes, é quem tem lá casa ou familiares. Assim, o custo não se reflete”, explica ao ECO Vítor Conceição, gerente de uma empresa parceira destas plataformas. “Aproveita a família de férias, levanta-se de manhã, cedo, e conduz para a Uber”, acrescenta. “No ano passado, muitos organizavam-se em grupos em termos de habitação. Faziam a noite de sexta. E a noite de sábado, que é muito forte”, garante.
Mas engana-se quem pensa que, neste mercado, só Lisboa olha para o Algarve. Ricardo Carvalho é gerente da Porto Drivers, uma marca da Infantes Dinâmicos que tem operações na Uber, Cabify e Taxify e está sedeada no norte. “Temos veículos no Porto, Lisboa e Algarve”, conta. E estão à procura de motoristas, mas que residam no Algarve ou já estejam no sul do país.
“A nossa empresa não fez nem vai fazer deslocar nenhum motorista. Vai aproveitar as pessoas do Algarve”, aponta. A questão é o alojamento. “Como empresa, seríamos obrigados a fornecer alojamento. Como existe gente que trabalha só no verão e procura emprego nesta altura, procuramos motoristas que estejam já lá”, justifica o empresário.
Aproveitar as férias… para trabalhar
Fernando Arroz é motorista da Uber e trabalhar por conta de uma empresa parceira. Este ano, vai aproveitar o sol do Algarve em busca de descanso e de mais umas notas para pôr na carteira. “Tinha o plano de ir o verão todo, mas vou só em setembro. Será o pior mês. O pior dos três meses”, diz o motorista, que vai aproveitar as férias… para continuar a trabalhar na Uber. A motivar a deslocação pesa muito o facto de poder aproveitar uma casa de família. “É dos pais da minha mulher. Dividimos o verão por todos”, conta. Por outras palavras, não há custos com aluguer nem com outras despesas de habitação.
Diz que vai para o Algarve à procura de “melhor rendimento” — que, falando em valores concretos, será qualquer montante acima dos 1.000 euros brutos por semana. “Tudo o que vier acima disso é bom. Se não compensar, não vale a pena”, atira Fernando Arroz, em conversa com o ECO. Desse valor, já líquido da comissão de 25% paga à Uber, o motorista paga 60% à empresa parceira para a qual trabalha, ficando com os restantes 40%. Isto significa que, se Fernando Arroz conseguir gerar 1.500 euros brutos por semana no Algarve, que já é um resultado bem positivo, arrecada qualquer coisa como 600 euros semanais, ou 2.400 euros durante o mês.
Os resultados que conseguir alcançar ditarão se Fernando Arroz regressa ao Algarve no próximo ano. “Se for bom, é natural que para o ano faça um investimento diferente”, assume o motorista da Uber. Só que, para correr bem, terá de começar por “apalpar terreno”. É preciso descobrir quais as zonas com mais afluência de pedidos e, sobretudo, quais as horas de ponta. “Vou estar um bocadinho de férias. E, sinceramente, ainda não tenho uma perspetiva completa acerca disso. Eu não acredito que as manhãs tenham grande afluência. Por isso, de manhã cedo vou para a praia, e vou trabalhar [na Uber] a partir da hora de almoço”, indica. Seja como for, a agenda do primeiro dia no Algarve, para Fernando Arroz, está mais do que decidida: “O primeiro dia é para a praia”.
A nossa empresa não fez nem vai fazer deslocar nenhum motorista. Vai aproveitar as pessoas do Algarve.
“Só faturamos de maio a outubro”
Quem reside no Algarve tem uma perceção diferente de quem está de fora. Cláudio Castro, residente, é gerente de uma empresa parceira da Uber, mas também conduz como motorista da aplicação. E conta ao ECO que essa melhoria dos rendimentos na região, face a outras zonas do país, não é garantida. Diz que está relacionado com o tempo e a disponibilidade dos motoristas: quem se desloca para o Algarve tem mais tempo para conduzir. “Sou residente no Algarve. Se for para Lisboa só para trabalhar, vou ter 24 horas disponíveis”, argumenta. Garante haver quem trabalhe mais de 20 horas atrás do volante, pelo que diz que a Uber “deveria pôr um limite de dez horas online diárias” para os motoristas.
Reconhece, ainda assim, que as corridas têm tendência para serem maiores e que, por esse motivo, pode ser possível “ganhar um bocadinho mais” no Algarve — nomeadamente os mais de 1.000 euros brutos semanais apontados ao ECO por Fernando Arroz. Mas é preciso dedicar muitas horas ao serviço, bem como não ter para pagar nenhuma despesa com habitação. É, de qualquer forma, uma visão menos otimista do mercado algarvio.
Quem passa o ano todo no sul do país ganha ainda uma perspetiva do Algarve no inverno, que Cláudio Castro diz ser fraco. “Nós, residentes, só faturamos de maio a outubro. No ano passado tinha aqui um carro e tive de o mandar para Lisboa, porque chegava a estar quase um dia online, das 9h às 19h, e a faturar apenas 15 euros”, desabafa o parceiro da Uber.
A mesma ideia é transmitida ao ECO por João Carvalho dos Santos, da VOOOP!, que vai ainda mais longe. “No inverno foi doentio. Foi muito mau. O Algarve para completamente”, garante o profissional. Por isso, “em janeiro”, a empresa optou por trazer a maioria dos motoristas para Lisboa. Ainda assim, tem operações contínuas neste mercado, com alguns acordos com unidades hoteleiras e um carro para fazer “serviços mínimos”.
Parece ser uma ideia consensual entre quem conhece bem este mercado: o Algarve é mesmo um “diamante em bruto”, mas só quando exposto ao calor.
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Motoristas da Uber fazem “rios de dinheiro” no Algarve
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