Para Carlos Moedas a nova crise pode emergir do quadrante político, dada a propagação dos nacionalismos. Para o comissário europeu não é certo que a Europa esteja preparada para um novo embate.
Onde estava quando o Lehman Brothers faliu? Na Aguirre Newman, onde foi administrador delegado até novembro desse ano. Altura em que saiu para criar a sua empresa de promoção imobiliária, a Crimson Investment Management. Carlos Moedas não se recorda exatamente dos detalhes do dia 15 de setembro de 2008, mas na memória ficou o telefonema que fez ao amigo João Moreira Rato, que tinha trabalhado no Lehman até julho desse ano.
“O João teve o discernimento de sair antes” da maior falência da história, conta o comissário europeu para a Investigação, Inovação e Ciência. Tal como o ex-presidente do IGCP e ex-administrador do BES com o pelouro financeiro, na equipa de Vítor Bento, Carlos Moedas também teve na sua carreira uma passagem pelo banco de investimento Goldman Sachs. João Moreira Rato passou por mais bancos de investimento além do Goldman. No Lehman foi diretor executivo de fixed income e no Morgan Stanley foi responsável pela área de soluções de mercado para a Península Ibérica.
E o que se aprendeu com a crise financeira? “Muita coisa”, garante Carlos Moedas. “O mundo mudou completamente desde então” e os economistas já antecipam novas crises. Para o antigo secretário de Estado Adjunto de Pedro Passos Coelho a nova crise pode emergir do quadrante político. “O que mais me assusta é a parte política: a guerra comercial com os Estados Unidos, o crescimento destas forças nacionalistas que querem fechar os países”, explica Carlos Moedas. “É isso o que mais me preocupa para o nosso futuro. E é isso que pode dar origem a uma crise muito séria”, concluiu.
O que mais me assusta é a parte política: a guerra comercial com os Estados Unidos, o crescimento destas forças nacionalistas que querem fechar os países. E é isso que pode dar origem a uma crise muito séria.
“No mundo em que vivemos, os problemas são cada vez mais internacionais e não nacionais”, explica Carlos Moedas dando o exemplo não só da crise bancária, mas também a dos refugiados ou da cibersegurança. “São problemas supranacionais”, frisa. “É interessantes ver este movimento populista a voltar para decisões nacionais, quando os problemas são cada vez mais internacionais. O grande problema, na altura, foi ter uma solução que fosse internacional, porque ninguém conseguia resolver a crise sozinho”, acrescenta o economista.
Estamos preparados para uma nova crise? “Depende”
Mas estamos preparados para uma nova crise à dimensão da desencadeada pela queda do Lehman Brothers? “Depende”, responde. “Depende no momento em que se der, porque “estruturalmente, em termos institucionais, a solução está criada”, mas “os mecanismos em si ainda estão a ser construídos”, sublinha Carlos Moedas. Além disso, o economista aponta para outro problema que persiste ao fim de todos estes anos: as empresas europeias continuam excessivamente dependentes da dívida bancária.
“As empresas na Europa estão extremamente dependentes de dívida bilateral bancária e há muito pouco capital de risco e fontes diversificadas de capital que não seja dívida”, afirma. O comissário frisa que “os números já não serão assim”, mas a “ordem de grandeza” mantém-se: “durante a crise, quando analisada a dependência das empresas em relação a dívida bilateral, nos Estados Unidos, a dívida bilateral era 20% da forma como se financiavam e na Europa eram 80%”.
“Essa dependência das empresas de dívida bancária não é salutar. Deveríamos ter mais capital de risco, outras formas de financiamento. Nisso a Europa não está preparada, porque não conseguimos ter um mercado de capitais verdadeira e puramente europeu. Ainda é muito nacional e nacionalizado”, defende o economista, que tem um MBA na Harvard Business School.
Por isso, voltando à pergunta: estamos preparados para uma nova crise? “Depende se a crise é agora, dentro de cinco anos ou dentro de seis”, responde Carlos Moedas.
Mas na cabeça do comissário que gere um programa de 100 mil milhões de euros — um dos poucos que vai ter um reforço no próximo quadro comunitário de apoio — uma coisa é certa: “a Europa está muito mais preparada para futuras crises bancárias”, graças à União Bancária. Contudo, o comissário lamenta que tenha sido necessário passar por uma crise para que a Europa se apetrechasse com os mecanismos necessários. “Houve muitas pessoas que sofreram e isso é terrível. Vimos isso em Portugal com vários bancos.”
“É pena é termos de ter de passar por uma crise para nos prepararmos para isso tudo. Deveríamos conseguir preparar-nos para o futuro sem ter de passar por crises”, sustenta.
É pena é termos de ter de passar por uma crise para nos prepararmos para isso tudo. Deveríamos conseguir preparar-nos para o futuro sem ter de passar por crises.
Carlos Moedas lembra que não é por acaso que os Estados Unidos conseguiram sair da crise em dois anos, enquanto a Europa demorou “dez anos”. “Andámos a passar a bola entre os países e a União Europeia. Não tínhamos uma estrutura definida de quem é que fazia o quê. E isso existia nos Estados Unidos sendo um Estado Federal. A União Bancária veio clarificar quem é que faz o quê: quem faz a supervisão, quem faz a resolução de um banco quando há um problema. Isso foi extremamente importante. Isso é um legado para o futuro”, garante.
Quem olhasse para as capas dos jornais de há dez anos não teria a perceção da gravidade dos acontecimentos que iriam decorrer na segunda-feira seguinte. A 10 de setembro (cinco dias antes da queda do Lehman Brothers) era a Função Pública que dominava as atenções. Seja pela entrada em vigor no dia anterior do novo estatuto disciplinar para os trabalhadores do Estado, onde estavam definidas as 15 razões elas quais é possível despedir um funcionário público, como escrevia o Diário de Notícias. Mas também pela opção de recorrerem à mobilidade especial como forma de anteciparem a reforma. De acordo com o Jornal de Negócios, 318 funcionários pediram a mobilidade especial porque assim ficam a ganhar 75% do salário.
Outro dos grandes temas era a radiografia que a OCDE fazia do estado da educação em Portugal. No habitual relatório Education at a Glance, a OCDE revelava dados preocupantes como o facto de a percentagem de adultos com o ensino secundário ser a mais baixa da OCDE, escrevia o Público, — com uma capa inteiramente dedicada ao tema –, 57% dos trabalhadores portugueses não foram além do sexto ano, pormenorizava do Diário de Notícias, ou o desemprego dos licenciados que quase duplicou em oito ano, superando a média da OCDE, escrevia o Jornal de Negócios. Já o Correio da manhã destacava o facto de o primeiro-ministro José Sócrates elogiar o sucesso escolar em Portugal, porque o último ano letivo tinha tido o número mais baixo de chumbos em dez anos.
Richard “Dick” Fuld Jr. foi o último presidente executivo do Lehman Brothers, cadeirão no qual esteve sentado durante 14 anos. Era conhecido como “o gorila de Wall Street” e foi considerado pela revista Time como uma das 25 pessoas com mais culpa na crise financeira de 2008. Atualmente, com 72 anos, não se conhecem ligações de Fuld a Wall Street, até porque perdeu a licença para transacionar valores mobiliários no início de 2012. Segundo a Business Insider, Fuld fundou uma empresa de consultoria estratégica em 2009, chamada Matrix Advisors. O jornal conta ainda que, antes disso, em setembro de 2008, vendeu 2,87 milhões de ações do Lehman Brothers, a 20 cêntimos de dólar cada uma, no valor de 639.082 dólares. Um ano antes, estes ativos teriam rendido mais de 168 milhões de dólares.
Foi há 10 anos que o Lehman Brothers colapsou. O dia 15 de setembro marca simbolicamente o início da maior crise financeira dos últimos 80 anos. ‘Onde estava quando o Lehman faliu?’ é uma rubrica diária, de 1 a 15 de setembro, onde empresários, banqueiros, políticos, economistas e advogados dizem ao ECO como viveram a queda do banco e o que aprendemos com a crise.
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“Nacionalismos podem dar origem a uma nova crise”. E a Europa pode não estar preparada, diz Carlos Moedas
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