António Costa Silva já entregou ao Governo a primeira proposta de plano de recuperação da economia para os próximos dez anos. São 119 páginas e dezenas de propostas. Mas não há contas.
António Costa Silva foi contratado pelo Governo, em regime ‘pro bono’, para coordenar a estratégia de retoma da economia pós-Covid e esta quinta-feira, depois de dezenas de reuniões, apresentou aos ministros a primeira proposta com uma “Visão estratégica para o plano de recuperação económica e social de Portugal 2020-2030”. O plano, a que o ECO teve acesso, tem 119 páginas, planos de investimento setorial e dezenas de medidas, umas mais concretas, outras mais genéricas, e muitos gráficos, mas poucos números. Uma das propostas é a construção de “um eixo ferroviário de alta velocidade Porto-Lisboa para passageiros, começando com o troço Porto-Soure (onde existem mais constrangimentos de circulação)“.
O gestor foi convidado em abril e formalmente nomeado por resolução do conselho de ministros no dia 3 de junho. Depois de reunir com os ministros, Costa Silva terminou o plano no dia 5 de julho e esta quinta-feira apresentou-o. E o investimento em infraestruturas é um dos pontos centrais no plano de recuperação da economia. “O Plano de Recuperação Económica é essencial para o país terminar a construção de algumas infraestruturas que são indispensáveis para ter sucesso no século XXI, um século que vai ser marcado pelo paradigma da conectividade“. Particularmente na ferrovia, mas não só. O investimento no hidrogénio, a expansão e reforço das redes de Metropolitano de Lisboa e do Metro Ligeiro do Porto, o aeroporto para a Área Metropolitana de Lisboa e o alargamento da competitividade do porto de Sines e de outros portos nacionais.
Além da ligação de alta velocidade para passageiros entre Lisboa e Porto — o gestor salienta que esta ligação “potenciará a afirmação das duas áreas metropolitanas do país e o seu funcionamento em rede” e “trará grandes ganhos ambientais por dispensar as ligações aéreas” –, a seguir será necessária “uma posterior ligação a Espanha pode favorecer todo o litoral português e facilitar o equilíbrio financeiro da exploração. A ligação Porto-Vigo, bem como outras “amarrações ibéricas”, devem ser equacionadas no médio prazo”, lê-se naquele documento.
Costa Silva ocupa as primeiras 58 páginas com uma radiografia do contexto internacional e nacional decorrente da pandemia da Covid-19, e deixa avisos ao que se passa na economia portuguesa. “A partir de setembro de 2020, a situação de muitas empresas pode deteriorar-se significativamente e é fundamental existir no terreno um programa agressivo para evitar o colapso de empresas rentáveis, que são essenciais para o futuro da economia portuguesa. O espaço temporal que vai mediar entre a significativa deterioração da economia no segundo semestre de 2020 e a chegada da ajuda europeia em 2021, pode ser fatal para muitas empresas se não existirem respostas adequadas”, avisa. O financiamento deste programa, como se percebe, depende em larga medida dos fundos europeus que estão a ser negociados pelos chefes de Estado e Governo da união. Números e contas sobre os custos destes investimentos é que não há. Pelo menos ainda nesta proposta de plano.
“Não vamos ter ilusões: Se este papel do Estado não for assumido, teremos uma recessão muito mais prolongada, uma economia cada vez mais “zombie” e em estado de coma, um exército crescente de desempregados e crescente instabilidade social”, escreve o gestor. Mas também sublinha que “quando a economia portuguesa for mais saudável e as empresas estiverem capitalizadas, é importante o Estado ter uma estratégia de retirada, porque o seu papel não deve ser o de substituir-se às empresas, mas, pelo contrário, criar condições para elas poderem operar, crescer e competir”.
Setor a setor, ministro a ministro, o gestor da Partex convidado por António Costa para coordenar o plano de recuperação da economia faz a pergunta: “Na sequência de tudo o que antes foi referido vamos identificar alguns projetos concretos em cada setor essencial da atividade económica respondendo à questão: O que fazer no day after?”
- Ferrovia
Concretizar o Plano Ferroviário do país, concluindo os projetos em curso e modernizar a rede, porque uma rede ferroviária elétrica nacional é mais competitiva, mais limpa e está em sintonia com os esforços de descarbonização da economia. Destacam-se dois projetos em curso; a construção do eixo Sines-Madrid e a renovação da Linha da Beira Alta. Estes dois eixos são fundamentais para o tráfego de mercadorias para Espanha (alargando o Hinterland portuário ao mercado ibérico) e aumentando a quota de transporte internacional de mercadorias para o centro da Europa. - Reindustrialização
Apesar das tecnologias de produção do hidrogénio ainda não terem atingido a maturidade comercial e enfrentarem um desafio para a redução dos custos de produção, a importância do hidrogénio para o futuro mix energético deve ser reconhecida. Pretende-se assim promover uma nova fileira industrial com potencial exportador e gerador de riqueza, em torno do hidrogénio verde, para o que se desenvolveu uma Estratégia para o Hidrogénio visando orientar, coordenar e mobilizar o investimento público e privado em projetos nas áreas da produção, do armazenamento, do transporte e do consumo e utilização de gases renováveis em Portugal. Este plano deve visar em particular o lítio, o nióbio, o tântalo e as terras raras, devendo propiciar um estímulo às empresas para desenvolverem estes recursos, e encontrarem, em particular para o lítio, um processo de tratamento que possa aumentar a sua competitividade e gerar valor, associada com o desenvolvimento de fileira industrial nacional de valorização do recurso, aplicando os princípios de Green Mining.O Plano de Recuperação Económica deve ajudar as empresas e produtos portugueses multiplicando as iniciativas para promover a “Marca Portugal”, criando um selo de certificação do esforço verde da indústria nacional e da aposta em energias renováveis. Esse selo deve ser emblemático e associado aos produtos nacionais com uma imagem de marca: “Estes produtos portugueses foram produzidos no país que tem 57% da eletricidade gerada por fontes renováveis”. - Reconversão industrial
Portugal, enquanto país produtor de veículos e de componentes, deve conseguir dar o salto para o fabrico dos veículos do futuro. A indústria automóvel tem no país um papel relevante, destacando-se, como maior exportador nacional, a Autoeuropa e toda a galáxia de indústrias e empresas que estão associadas à indústria automóvel, em termos de componentes e fornecedores de outros equipamentos e serviços. É crucial pensar de forma integrada todas as políticas públicas nesta área para a transição se efetuar de forma gradual, evitando a criação de milhares de desempregados e a falência de setores críticos, pois isso pode voltar a população contra as políticas seguidas e marcar um retrocesso assinalável. A indústria de bens e equipamentos é muito relevante na economia portuguesa e tem um potencial enorme para crescer, articulado com a necessidade de o país ter também uma estratégia de substituição de importações e conseguir produzir algumas matérias-primas e componentes. Um Programa de investimento na produção de bens de equipamento e desenvolvimento de processos, que possa atrair o interesse de consórcios de investigação em desenvolvimento industrial e de tecnologias de processo, de produção aditiva, visando fortalecer a produção nacional e criar um cluster nesta área que pode potenciar as capacidades do país e aumentar a competitividade das suas exportações, em especial para os mercados globais. - Recapitalização das empresas
Criação de um fundo, de base pública, de capital e quase capital, aberto a fundos privados, para operações preferencialmente em coinvestimento, dirigido a empresas com orientação exportadora e potencialidades de exploração de escala. - Banca
É preciso continuar o processo de reestruturação do sistema bancário português, [por isso] é importante resolver a questão das ‘tax losses carry forward’, com o número de anos em que os bancos podem utilizar os prejuízos fiscais, que é em Portugal muito diferente dos países europeus, o que se traduz num forte impacto na rentabilidade e capital dos bancos nacionais. Isto é: Portugal deve lutar no espaço europeu para assegurar condições concorrenciais iguais (level playing field) aos outros países, sem o que a banca nacional é fortemente condicionada. - Estado
Para a implementação do Plano de Recuperação Económica é importante admitir que se a Administração Pública mantiver o seu registo de ‘business as usual’ dificilmente dará resposta aos problemas que vamos enfrentar. É importante o Estado ter mecanismos e instrumentos para acelerar as decisões estratégicas e coordenar com eficácia a execução do Plano de Recuperação. Como o papel das empresas vai ser essencial, o Estado deve ter um interlocutor único, uma espécie de “Loja do Cidadão” para as empresas, e evitar a dispersão e multiplicidade de organismos envolvidos. - Turismo
O país deve promover um grande plano para captar a atenção dos mercados mais importantes com base nas valências que Portugal apresenta em termos da sua diversidade geográfica e paisagística. A oferta deve ser diversificada, explorando as diferentes partes do território e é importante apostar na qualidade e ter como indicadores não só o número de visitantes, mas também a rentabilidade por turista. O setor do turismo é importante, e tudo o que possa aumentar a sua resiliência deve ser explorado. Portugal pode combinar o turismo convencional com o turismo da natureza, o turismo da saúde, o turismo cultural, o turismo oceânico, e construir uma oferta competitiva. - Transição energética
Um projeto de investimento centrado no papel da floresta na prestação de serviços de ecossistemas, prevendo mecanismos de remuneração desses serviços, em áreas de grande suscetibilidade a incêndios e à desertificação e de elevado valor ambiental, reconhecendo e valorizando os usos do solo que contribuem para múltiplos objetivos ambientais, designadamente a preservação da biodiversidade, a conservação do solo, o sequestro de carbono e a gestão dos recursos hídricos. - Saúde
A conclusão da rede do SNS com o novo Hospital de Lisboa Oriental, o novo Hospital do Seixal, o novo Hospital de Évora, o novo Hospital do Algarve, a requalificação do parque e da tecnologia hospitalar e a ampliação da Rede Nacional de Cuidados Continuados para a dimensão já prevista, é essencial para o futuro. - Social
Deverão ser lançadas, em articulação com as autarquias, medidas de estímulo à requalificação e reabilitação de habitações devolutas para serem atribuídas a famílias e pessoas carenciadas. Paralelamente, deve ser promovido um programa de gestão do património imobiliário do estado, para identificação dos imóveis passíveis de serem reabilitados e orientados para o arrendamento social. Simultaneamente, é crucial reforçar os programas de arrendamento a preços acessíveis para a classe média, em particular para os jovens, tendo em conta a necessidade de estabilizar as suas condições de vida e de inserção no desenvolvimento económico e social do país.
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Da alta velocidade entre Lisboa e Porto ao cluster do hidrogénio. Dez propostas do plano de Costa Silva
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