Street art eternizada no digital. NFT chegam a Portugal pelas mãos da Underdogs

Leilão com curadoria da Underdogs pretende transformar arte "efémera" em algo "eterno". É a primeira experiência em Portugal com estes criptoativos que já batem recordes lá fora.

São digitais, muitas vezes artísticos e estão a gerar muito dinheiro. Os non-fungibletokens (NFT) não são novidade, mas captaram a atenção de investidores por todo o mundo nos últimos meses, fazendo com que o terceiro artista vivo mais caro da história tenha chegado a esta categoria num leilão destes criptoativos. Os NFT chegam agora a Portugal através de uma exposição coletiva que conta com a curadoria da galeria Underdogs.

Durante cinco semanas, sempre ao domingo, a Underdogs está a realizar lançamentos de obras distintas, que podem ser adquiridas pelos colecionadores, com o objetivo de ilustrar as potencialidades da arte digital. Ephemeral Ethernal” é o nome desta experiência que espera revolucionar o universo da comercialização de arte.

“O conceito por detrás é precisamente o que o nome indica: a arte de muitos destes artistas é efémera e nós queremos torná-la eterna através do processo de NFT”, revela Alexandre Farto, também conhecido por Vhils, ao ECO. É o que acontece, por exemplo, com graffiti, street art, digital e vídeo, que podem ser de curta duração. O objetivo do projeto é “criar algo que eterniza o formato digital e que permite, também, que as pessoas o consigam adquirir“.

Como? Até aqui, qualquer ficheiro, como uma imagem, podia ser copiado e colado vezes sem conta, gerando múltiplas cópias de um original desconhecido. Os NFT estão associados a ficheiros de computador e à tecnologia blockchain que permite verificar a titularidade desse ficheiro digital. É assim sempre possível saber qual é o ficheiro original. E, mais importante ainda, quem é o seu dono. Este processo é garantido por uma terceira parte que, neste caso, é o site OpenSea.

Foi num leilão semelhante, realizado pela Christie’s, que a obra de arte Everydays – The First 5000 Days foi vendida por 69,3 milhões de dólares. A composição de imagens em formato JPEG fez de Beeple o terceiro artista vivo “mais caro” da história. O valor está longe dos que estão a ser atingidos pelo Ephemeral Ethernal, mas os resultados já estão a surpreender positivamente o curador da exposição.

“As primeiras semanas correram muito bem”, conta Vhils. “Ficámos um pouco surpreendidos com o primeiro leilão, porque chegámos quase aos 8 Ethereums“, destaca, sobre o leilão que, tal como acontece internacionalmente, decorre em Ethereum. Como o pagamento é feito ao OpenSea, há várias opções de criptomoedas.

A primeira obra do artista a ir a leilão neste evento, a “Glitch #1”, chegou perto dos 5 Ethereums, o equivalente a cerca de “9.000 ou 10.000 euros”. E houve ainda “vários artistas que chegaram perto de 1 Ethereum”. Miguel Januário, que responde também pelo nome artístico ±MaisMenos±, conta, por sua vez, que a primeira obra da sua autoria que foi a leilão ficou-se pelos 0,17 Ethereums, valor que rondou os 250 euros. “É um valor impalpável. A moeda valoriza e desvaloriza. Amanhã pode valer o dobro, depois de amanhã pode valer metade”, nota Miguel Januário.

Game changer na carreira dos street artists

Os valores atingidos não são a prioridade. A ideia foi do artista português Vhils, depois de ter já participado em eventos desta natureza no estrangeiro e por sentir o crescente interesse a nível nacional. Vhils conta que, “em 2018 ou 2019”, já havia artistas a começarem a recorrer a esta tecnologia. “Existe já um movimento em Portugal com alguma forma, que tem estado a trabalhar neste campo já há algum tempo”, com alguns eventos individuais. Porém, está a primeira plataforma própria de uma exposição em grupo. “Se não é o primeiro, é dos primeiros”, explica.

Para fazerem parte desta exposição em grupo, foram escolhidos “artistas que tinham alguma referência e que estavam ligados à arte visual e de vídeo”, bem como artistas com alguma “relação com a street art e o grafitti“, conta o curador. E as reações foram bastante diversas, com alguns a ouvirem falar desta tecnologia pela primeira vez. Ainda assim, “muitos dos artistas conseguiram perceber o impacto que isto poderia ter”, diz Vhils, acrescentando que os NFT podem mesmo vir a ser um game changer para a carreira de muitos deles.

Os artistas que decidiram aderir superam os 40. Cada um criou, pelo menos, uma obra em formato digital em especial para este evento, à qual foi associado um NFT. Explica que é uma espécie de “certificado digital” que, recorrendo à blockchain, garante que a propriedade da obra artística a que está associado é imutável e publicamente verificável, mas podendo também ser transmissível.

O objetivo é criar algo que eterniza o formato digital e que permite, também, que as pessoas o consigam adquirir. Cada vez mais os colecionadores tradicionais estão a perceber melhor o potencial desta tecnologia e da arte digital em si.

Vhils

Curador do projeto Ephemeral Ethernal

Neste momento, três dos leilões evento já se encontram encerrados, restando apenas dois. Por enquanto, estão agendados apenas estes cincos leilões e depois o projeto irá “parar durante uma fase”, revela. Até porque é apenas uma “experiência”.

Ainda assim, a realização de um novo evento desta natureza no futuro pode ocorrer, pois “cada vez mais os colecionadores tradicionais estão a perceber melhor o potencial desta tecnologia e da arte digital em si”. Isto porque “muitas vezes vemos mais estas obras através do ecrã do que fisicamente”, sendo algo “que faz sentido” para “muitos colecionadores e artistas”. Se acontecer, a ideia é irem-se “incluindo mais artistas” e tornar o projeto “aberto a novas expressões” artísticas.

Royalties garantidos mesmo em mercado secundário

Esta é, segundo o artista, uma tecnologia que traz a possibilidade de resolver várias questões problemáticas que estão associadas ao mundo da arte. Uma delas é a questão dos “royalties, ou pagamentos a longo prazo”. Vhils revela que estes “certificados” dão aos artistas a possibilidade de “ganharem ao longo da vida”, perante a existência de “transações” de NFT de um colecionador para um outro, o que garante um “retorno” aos artistas.

Algo que não acontece, neste momento, na “maior parte das vendas no mercado secundário” de comercialização de arte. Nesses casos, “o artista nunca ganha nada”, lembra. Com NFT, os “royalties são sempre pagos automaticamente”, de forma “transparente e automatizada”, garantindo-se que os artistas são sempre recompensados por cada revenda que seja feita das suas obras.

Este recurso ao blockchain traz uma nova defesa aos artistas, concorda ±MaisMenos±. Conta que os criadores que trabalhavam já no “mundo virtual” não tinham até agora qualquer “tipo de defesa, de cunho e de carimbo, que garantisse a originalidade do trabalho”. Algo que muda, agora, com o recurso aos NFT, que têm também a capacidade de diminuir o papel do “intermediário”, ligando “o artista diretamente a quem está interessado em adquirir arte”.

Não é por acaso que esta explosão dos NFT acontece agora, em tempos de pandemia, num momento de viragem para um século totalmente virtual e em que as “pessoas vão passar muito mais tempo ligadas ao ecrã.

±MaisMenos±

Artista e participante do Ephemeral Ethernal

A questão financeira tornou-se mais importante na pandemia e o facto de a experiência ter surgido neste momento não é ocasional. Os dois artistas apontam momentos “complicados” que estão a ser vividos pelo setor. ±MaisMenos± considera que o momento é “revelador dos novos públicos”. “Não é por acaso que esta explosão dos NFT acontece agora, em tempos de pandemia“, refere o criador, num momento de “viragem” para um “século totalmente virtual” e em que as “pessoas vão passar muito mais tempo ligadas ao ecrã”.

Tal como a digitalização, também a proteção ambiental é uma forte tendência atual e uma preocupação no que diz respeito ao mercado dos criptoativos. “A mineração de tudo isto é, neste momento, altamente poluente”, explica Vhils. Por isso, o Ephemeral Ethernal irá assim doar 5% do total das suas vendas ao World Wildlife Fund (WWF), de forma a “tentar também colmatar” um pouco o eventual “impacto” do recurso a esta tecnologia. “Foi algo que concordámos com todos os artistas”, acrescenta.

Por essa mesma razão, o curador tem já estado a acompanhar uma “série de projetos” que usam “outras blockchains que requerem muito menos encriptação. “Há uma série de projetos de clean NFT e é também uma coisa que temos estado a ver, para tentarmos, talvez, mudar para uma outra rede que seja menos pesada, em termos de uso de energia“, conta ao ECO.

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