Amadeu Guerra tomou posse como procurador-geral da República em outubro e a sua chegada foi sentida com grande entusiasmo pelos profissionais do setor que esperam um virar de página no órgão.
Em outubro, um novo capítulo começou na Procuradoria-Geral da República: Amadeu Guerra assumiu a liderança do Ministério Público (MP), substituindo Lucília Gago, que estava no cargo desde 2018.
A chegada de Amadeu Guerra foi sentida com grande entusiasmo pelos profissionais do setor que esperam um virar de página no órgão que tem sido fortemente criticado nos últimos anos, seja devido às fugas de informação ou pela falta de prestação de contas e de resultados na investigação na Operação Influencer, que levou à queda de um Governo.
O novo procurador-geral da República, que já é um nome reconhecido no mundo jurídico, principalmente depois de ter liderado o Departamento Central de Investigação e Ação Penal entre 2013 e 2019, um período em que foram deduzidas acusações contra nome sonantes como Ricardo Salgado, Henrique Granadeiro, Armando Vara, Zeinal Bava e José Sócrates, tomou posse no dia 12 de outubro e as suas primeiras declarações no cargo foram bem recebidas pela comunidade.
“Amadeu Guerra conseguiu demonstrar muito bem as razões pelas quais a sua escolha, quando anunciada, foi acolhida e elogiada de modo tão abrangente, e de todos os quadrantes. Tratou-se de um discurso muito focado e claro, permitindo que se compreenda sem dificuldades os objetivos que se propõe atingir e também as linhas vermelhas que não quer ver ultrapassadas. Pode concordar-se ou não com as suas posições, mas ninguém ficou com dúvidas quanto àquilo que defende e pretende”, sublinha o senior counsel da MFA Legal Miguel Pereira Coutinho.
Também Alexandra Mota Gomes, sócia da Antas da Cunha Ecija, avalia positivamente a postura de Amadeu Guerra, descrevendo-a como “serena” e “conhecedora da realidade da instituição” que agora lidera. “O discurso foi conciso e refletiu a defesa intransigente da independência do MP, sem deixar de reconhecer a necessidade de mudanças”, refere.
Para a advogada, o novo procurador-geral da República reconheceu a necessidade de reformas urgentes e manifestou também um “claro compromisso” com a sua implementação, nomeadamente relativamente à falta de meios, quer humanos, quer materiais. “Apesar de ter reiterado a necessidade de se aumentar o número de magistrados e oficiais de justiça, destaco o pragmatismo do PGR quando afirma que “não podemos continuar a lamentar-nos pela falta de meios e esmorecer”, tentando incutir um espírito de resiliência aos operadores judiciários”, acrescenta.
Alexandra Mota Gomes destaca ainda do discurso de Amadeu Guerra a crítica que teceu à falta de investimento dos sucessivos Governos em meios tecnológicos avançados, em aplicações informáticas de gestão processual que “comprometem a celeridade e eficiência do MP”. “Considero que o PGR reconhece as dificuldades do cargo assumido, mostra-se preparado e com vontade de contribuir para o correto funcionamento interno do MP, que, conforme sublinhou, deve atuar ao serviço dos cidadãos e da sociedade e é a estes que é devido o melhor serviço possível”, disse.
No seu discurso de cerca de 20 minutos, proferido perante Marcelo Rebelo de Sousa, Lucília Gago, Luís Montenegro, Rita Alarcão Júdice e José Pedro Aguiar-Branco, o novo PGR assumiu que quer trazer o MP de volta ao “patamar que merece”. Criticando, de forma velada, Lucília Gago, sublinhou que o prestígio do MP não se concretiza com meros “processos de intenções” ou com “discursos de autoelogio”. No que toca ao tema da autonomia do MP, lembrou que a subordinação dos magistrados é uma “linha vermelha” que não pretendem atravessar ou aceitar.
Amadeu Guerra deixou também um recado aos deputados eleitos: após um período inicial de contacto com a realidade nos tribunais, está sempre disponível para prestar contas no Parlamento. Criticou a “falta de investimento dos sucessivos Governos em meios tecnológicos avançados, em aplicações informáticas de gestão processual ou sistemas de gestão e tratamento da prova recolhida limita, em muito, a eficiência do sistema de Justiça”.
O novo líder da investigação criminal prometeu ainda que “irá revisitar as questões relativas ao segredo de justiça, através da análise das medidas estabelecidas no Relatório elaborado em 2014, no estudo do regime de segredo de justiça em alguns países e nas boas práticas seguidas por alguns magistrados”.
Referindo-se ao tema quente da corrupção, o magistrado relembrou que os cidadãos consideram que “as políticas anticorrupção e as medidas tomadas na luta contra a corrupção são ineficazes” e que, por isso, “interessa sublinhar que, neste tipo de criminalidade, é tão ou mais eficaz assegurar a perda de bens do que uma condenação em prisão”.
Os desafios de Amadeu Guerra
Pragmatismo, coesão, comunicação e desburocratização são alguns dos desafios de Amadeu Guerra apontados pelos advogados. Para Alexandra Mota Gomes, um dos grandes desafios passa por recuperar a credibilidade e a confiança no Ministério Público.
“Não menos importante é a necessidade premente da adoção de medidas para assegurar a efetividade do segredo de justiça. Exige-se uma mudança de práticas na investigação criminal, que protejam os visados do mediatismo e impeçam os julgamentos na praça pública a que temos assistido, não raras vezes, em fases ainda embrionárias dos processos”, acrescenta.
No que toca à comunicação, a sócia da Antas da Cunha Ecija sublinha a necessidade de esclarecer o papel a desempenhar pelo “gabinete de imprensa”. “Não entendo como necessária a comunicação constante de todas as vicissitudes dos processos, mas impõe-se uma maior interação e aproximação do MP com a sociedade, evitando as especulações e os equívocos públicos”, nota.
Aponta ainda a urgência de desburocratizar a justiça penal e desenvolver medidas que contribuam para a celeridade processual.
Já para Miguel Pereira Coutinho, os desafios de Amadeu Guerra centram-se em quatro aspetos: maior pragmatismo, maior coesão, maior digitalização e maior comunicação.
“Maior pragmatismo, para que o Ministério Público se foque numa justiça eficiente e eficaz, em vez de optar pelos chamados megaprocessos ou por abrir inquéritos em que, ao fim de dez anos, já ninguém sabe por que motivo é suspeito ou o que se está concretamente a investigar”, explica.
No que concerne à maior coesão, o senior counsel da MFA Legal refere que o MP deve consciencializar-se que, em temas relevantes e com implicações em diferentes jurisdições, deve assumir apenas uma única posição, “seja ela qual for, em vez de, por exemplo, defender uma coisa em processos civis e, depois, em processos criminais conexos, outra completamente distinta e contraditória”.
O advogado defende ainda que é necessário aumentar a digitalização, simplificando e reduzindo os custos e também tornando os processos mas “transparentes”, “eficientes” e “céleres”.
“Maior comunicação, desde logo para desempenhar uma função pedagogia da comunicação social e evitar que se alimente a especulação, em vez de continuarmos a ver um Ministério Público enclausurado numa torre de marfim. E um outro tema menos falado, mas relacionado com isto, é a eventual exploração de uma política de comunicação de âmbito local, em que a interação com a comunicação social se posiciona a nível das comarcas em relação a matérias que, embora não tendo relevância nacional, serão ainda assim importantes para uma determinada comunidade, justificando-se esse enfoque de maior proximidade”, revela.
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Um novo capítulo na PGR e os desafios de Amadeu Guerra
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