Cotação do trigo usado no fabrico de massas sobe em flecha nos principais mercados produtores, pressionada por menor oferta e qualidade. Indústria agroalimentar teme "subidas abruptas de preços".
O preço das massas alimentares deve voltar a aumentar nos próximos meses em Portugal, segundo relatam ao ECO fontes ligadas ao mercado dos cereais e da indústria transformadora, que descrevem uma “enorme pressão” e preocupação em torno da evolução da oferta e das cotações do trigo duro nas últimas semanas. Com uma produção média global a rondar 34 milhões de toneladas por ano (vs. 700 milhões no trigo mole, usado para fazer pão), esta variedade específica de trigo tem como principal finalidade a produção de sêmola, o ingrediente essencial na fabricação de massas, couscous ou bulgur.
A pressionar os preços nos mercados internacionais e a inquietar a indústria está a revisão em baixa das estimativas de quantidade para a campanha deste ano na América do Norte (EUA e Canadá) e na bacia do Mediterrâneo, que representam em conjunto cerca de 80% da produção mundial de trigo duro; a degradação dos indicadores qualitativos do trigo colhido no sul da Europa (Espanha, França, Itália e Grécia); e os níveis de stocks historicamente baixos de início de campanha, a que se junta a tensão nos fluxos de cereais com origem na Ucrânia, Rússia e noutros países da região do mar Negro.
Em declarações ao ECO, João Amorim Faria, diretor de compras de commodities do grupo Cerealis, que detém as marcas Milaneza e Nacional, reconhece que esta conjugação de fatores “indicia subidas abruptas de preços”, sublinhando que “neste específico momento, os mercados produtores estão a reter a venda, provocando uma enorme falta de liquidez e um aumento de pressão no mercado”.
Sobre o impacto que isto poderá vir a ter a breve trecho para a produção de massas alimentícias em Portugal, o porta-voz do maior produtor nacional, que emprega 565 pessoas e faturou 294 milhões de euros no ano passado, começa por salvaguardar que o grupo tem “muito clara a [sua] responsabilidade no sentido de garantir o regular abastecimento aos nossos clientes, independentemente das dificuldades e esforços de investimento e custos”.
Os mercados produtores estão a reter a venda, provocando uma enorme falta de liquidez e aumento de pressão no mercado. Ainda estamos numa fase muito tensa e com elevado potencial de volatilidade. No entanto, praticamente todos os cenários indiciam aumentos significativos dos custos do trigo duro.
“[Iremos] tudo fazer para que o nível de serviço aos nossos clientes não venha a sofrer qualquer impacto, assim como aconteceu em períodos muito difíceis como no pico da pandemia, ou após o início da guerra na Ucrânia no ano passado, em que a Cerealis conseguiu garantir elevados níveis de serviço ao mercado”, acrescenta o gestor da empresa que há dois anos foi comprada por Carlos Moreira da Silva e Silva Domingues. Fundada em 1919, tem sede na Maia e reclama a liderança nas massas alimentícias e farinhas industriais.
Mesmo frisando que esta ainda é uma “fase muito tensa e com elevado potencial de volatilidade”, João Amorim Faria salienta, no entanto, que “praticamente todos os cenários indiciam aumentos significativos dos custos do trigo duro”. Já questionado sobre qual poderá ser o nível de subida dos preços das massas alimentares para os consumidores finais em Portugal – e em que prazo é que isso acontecerá –, o diretor do grupo nortenho responde apenas que “essa é uma variável da exclusiva competência dos retalhistas”.
Na bolsa de matérias-primas de Foggia, a principal região produtora de trigo duro em Itália – assolada no início de julho por fortes chuvas –, o preço médio deste cereal disparou 37,5% nas últimas quatro semanas para a categoria de qualidade superior. Em La Pallice, a referência francesa para os portos do Atlântico, de acordo com os dados publicados pela France AgriMer, o preço do trigo duro subiu 42,5 euros a tonelada entre o final de maio e meados de julho, equivalente a um aumento de 12% neste período de mês e meio.
Evolução do preço do trigo duro (Foggia, Itália)
Também o diretor-geral da Federação das Indústrias Portuguesas Agroalimentares (FIPA) tem “acompanhado com preocupação as perturbações ao nível do abastecimento de matérias-primas e a consequente instabilidade ao nível das suas cotações”. Pedro Queiroz nota ao ECO que a disrupção das cadeias de abastecimento “tem trazido desafios acrescidos à gestão das empresas dos setores da alimentação humana e animal”. Neste caso particular, “o aumento do trigo duro terá um impacto nos custos de produção, mas dependerá das compras já efetuadas e das cotações dos futuros”.
“A não renovação do acordo de cereais do Mar Negro vem agravar este clima de incerteza e tem uma consequência imediata nos custos associados às matérias-primas. Apesar de terem sido criadas as “vias de solidariedade”, através de países vizinhos, a rota do Mar Negro não é descartável para Portugal. Atualmente, não se trata apenas de más colheitas devido à seca ou às intempéries, mas vivemos uma era em que os alimentos se tornaram também uma ‘arma de guerra’. Neste clima de instabilidade, as nossas empresas vivem momentos de dificuldade, em particular numa conjuntura em que a inflação está a ter um impacto negativo no consumo”, resume o porta-voz da indústria agroalimentar.
O aumento do trigo duro terá um impacto nos custos de produção, mas dependerá das compras já efetuadas e das cotações dos futuros.
A nível mundial, as estimativas apontam para um agravamento nos níveis de stocks, já historicamente baixos. O International Grains Council (IGC) prevê a quinta campanha consecutiva em que a produção global de trigo duro será inferior à procura, projetando desta forma uma nova redução dos stocks.
Nos Estados Unidos da América, o mais recente relatório do US Department of Agriculture, publicado a 12 de julho, traçou um cenário mais tenso face às previsões dos analistas: projeta uma produção 16% inferior à de 2022, em resultado de quebras nas áreas e nos rendimentos por hectare nos estados de Arizona, Montana, Dakota do Norte e Dakota do Sul.
No Canadá, que representa atualmente mais de 50% das exportações globais de trigo duro, com uma média aproximada de 100 mil toneladas por semana, as precipitações inferiores à média nos últimos meses conduziram igualmente a sucessivas revisões em baixa da produção estimada para a nova campanha, cuja colheita deve ocorrer no próximo mês de setembro.
Na região de Saskatchewan, onde é produzido 80% do trigo duro canadiano, um estudo da multinacional Syngenta com dados da última semana de julho classificava apenas 16% da safra como “boa ou excelente”, uma descida de 26 pontos percentuais no espaço de um mês e de 67 pontos face ao final de maio.
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Valorização do trigo duro ameaça disparar o preço das massas em Portugal
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