A democracia morre no Facebook
Tal como uma empresa que polui um rio tem de pagar pelo crime, também as plataformas digitais têm de ser responsabilizadas pela destruição do ambiente democrático.
Uma semana depois de o Facebook anunciar que vai deixar os políticos mentir à vontade na sua plataforma, o Twitter comunicou que baniu toda e qualquer publicidade política. A provocação de uma rede social à outra é também o sinal de um posicionamento que deixa a rede de Mark Zuckerberg ainda mais isolada – e com um selo de ganância ainda mais marcado.
Só mesmo um habitante do sistema político-mediático norte-americano é que pode achar normal que seja o dinheiro a definir quão alto pode falar um candidato político. Só mesmo um habitante dessa realidade é que se sujeita a ter um sistema democrático refém de interesses obscuros que pagam uma corrida inflacionada em que quem precisa de pagar uma orientação política paga ao seu candidato para cobrar a fatura depois da sua eleição – é através do dinheiro gasto pela associação das armas norte-americanas que se explica a contínua matança da sua população graças à ausência de regulação no uso de armas.
Quando, a um ano das eleições, o presidente-candidato Donald Trump gasta mais de dois milhões de dólares por semana para promover mensagens políticas nas redes digitais, é sinal que o sistema está virado ao contrário – e nem era preciso ter acontecido o escândalo Cambridge Analytica ou a interferência nas eleições americanas por parte dos russos para perceber que a manipulação é real.
Claro que a proibição de anúncios políticos nas plataformas não resolve todos os problemas. Qualquer agente político com meios suficientes sabe contornar o sistema usando bots, contas falsas e outras estratégias de amplificação de discurso. Este é o problema das redes sociais: tornam demasiado fácil contaminar o espaço público e subverter as regras democráticas a favor dos poderosos e em detrimento dos mais frágeis.
O problema maior não é a existência de anúncios, é a possibilidade de os formatar e dirigir de forma minuciosa a cada utilizador em função dos seus gostos, preocupações e hábitos – o chamado microtargeting. É isso que facilita a manipulação da democracia por parte dos interesses financeiros que conseguem efetivamente manipular comportamentos e emoções face ao momento político. A contaminação do ambiente democrático só interessa às plataformas, só existe graças a elas e apenas serve o seu interesse imediato.
É óbvio que devem ser as plataformas as responsáveis pela supervisão do espaço digital. Basta usar uma analogia com as empresas poluidoras do meio ambiente – estas são as únicas responsáveis pela poluição que criam e são devidamente punidas por isso. Da mesma forma, quando uma atividade económica ocorre em detrimento de um bem público, tem de ser controlada – e punida sempre que se verifique nociva para o meio ambiente. O lema do Washington Post é “A democracia morre na escuridão.” Cada vez mais, olhando para a capital norte-americana, percebe-se que a escuridão tem um preocupante tom de azul Facebook.
Ler mais: Um manual incontornável para estudantes de ciência e marketing político é o livro Political Advertising in the United States. Os seus autores são os responsáveis pelo Weleyan Media Project, que verifica a atividade publicitária relacionada com a política nos EUA, e o que está no livro é o resumo de um trabalho complexo de análise de dados, teorias e aplicações reais com impacto em resultados eleitorais.
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