
A Incerteza é Parte do Jogo!
Nuno Oliveira Matos diz que apesar de estatísticas perfeitas, o futuro será sempre diferente do passado e ajustar o erro um desafio interminável para a gestão na indústria seguradora.
Vivemos numa era dominada por modelos. Eles guiam decisões de subscrição, tarifação, provisionamento, investimento, solvência e a própria estratégia empresarial.
A crença generalizada atualmente é que, com dados amplamente disponíveis e algoritmos poderosos de inteligência artificial, podemos prever tudo. Mas há uma verdade menos cómoda que os líderes do setor segurador não podem ignorar: mesmo os melhores modelos estão errados! A questão é então saber o quão errados?
A incerteza que verdadeiramente interessa à gestão de uma empresa de seguros é o desvio entre o estimado e o real. Este “erro” não é apenas académico, pois pode significar perdas materiais inesperadas, desequilíbrios de solvência e decisões estratégicas desastrosas.
O momento em que os fluxos ocorrem também importa, especialmente em contextos de stress de liquidez, mas, na prática, o foco está sobretudo na incerteza dos montantes. Afinal, é essa que compromete resultados, capital e, em última análise, a confiança dos stakeholders.
Uma abordagem intuitiva para medir incerteza é a retrospetiva, comparando estimativas passadas com os valores que realmente se materializaram, o chamado backtesting. Quando há dados históricos suficientes, esta técnica pode ser extremamente valiosa, permitindo avaliar a fiabilidade dos modelos.
Mas há um problema: o passado raramente captura todas as incertezas do futuro. Mudanças legislativas, disrupções tecnológicas, novos comportamentos dos consumidores ou eventos extremos tornam perigoso assumir que a incerteza futura se comportará como a do passado. O passado é um ponto de partida, nada mais.
Para estimar a incerteza total de forma mais robusta, recorre-se frequentemente a procedimentos estatísticos aplicados aos dados disponíveis. Quando o modelo utilizado é de natureza estocástica, podemos estimar a incerteza com mais rigor. E aí, torna-se essencial reconhecer que a incerteza tem três “rostos”:
- Erro do modelo: mesmo modelos sofisticados podem estar estruturalmente errados, não por incompetência, mas porque o mundo real é mais complexo do que qualquer equação;
- Erro dos parâmetros: ao calibrar o modelo aos dados, podemos determinar parâmetros que, ainda que estatisticamente válidos, não capturam fielmente a realidade;
- Erro do processo: mesmo com o modelo e os parâmetros certos, há sempre variância residual resultante do “ruído natural” dos fenómenos aleatórios que tentamos prever.
O erro do processo, ao contrário dos outros, não pode ser eliminado ou mitigado, dado ter natureza sistemática. Mas o erro do modelo e o erro dos parâmetros podem e devem ser mitigados. Como? Com validação estatística rigorosa e, não menos importante, pensamento crítico e escrutínio independente dos outputs do modelo.
Confiar em modelos não é sinal de fraqueza. Pelo contrário, é essencial. Mas confiar cegamente nos modelos é, sim, uma debilidade. A gestão da empresa de seguros será julgada não pela precisão das suas previsões, mas pela humildade em reconhecer os limites das mesmas.
Num setor onde a ilusão de controlo é tentadora, o verdadeiro ato de liderança é saber que até o melhor modelo falha e, ainda assim, ter a coragem de decidir!
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