A Indústria Automóvel Europeia: Entre a Crise e a Transformação
O setor enfrenta uma verdadeira encruzilhada estrutural. A competição entre diferentes tecnologias continua em aberto. E, na UE, os custos são, em média, 30% superiores aos da China.
A indústria automóvel europeia, um pilar da economia global, enfrenta desafios significativos à medida que o setor se transforma rapidamente. A transição verde, a digitalização e a crescente concorrência internacional, sobretudo da China, desafiam o sector provocando um ambiente completamente disruptivo. Neste cenário de incertezas, o recente Relatório Draghi sobre a competitividade europeia fornece um quadro de análise detalhado sobre o setor: Em que os custos de produção na UE são, em média, 30% superiores aos da China, ameaçando seriamente a sua competitividade e exigindo ações rápidas para evitar o declínio desta indústria tão relevante para a economia do bloco europeu.
Embora a produção de veículos na UE em 2023 tenha ficado abaixo dos níveis pré-pandémicos, a indústria continua a ser um pilar essencial da economia, representando 6,1% do emprego total. No entanto, a crescente pressão para reduzir as emissões de carbono e a aceleração da produção de veículos elétricos (VE) colocam o futuro da indústria em risco. Repensar e reformular o modelo de negócio tornou-se imperativo, face aos grandes desafios que se avizinham.
Este abrandamento da procura de veículos elétricos e as incertezas geopolíticas levam os executivos da indústria a questionar a viabilidade de manter a atual capacidade produtiva instalada. Entre janeiro e junho de 2024, a produção automóvel europeia caiu para 7,5 milhões de veículos, comparativamente aos 9,3 milhões registados no mesmo período de 2019. Esta queda, além de evidenciar uma crise de confiança, reflete também os desafios de transição para uma nova era na indústria automóvel e da mobilidade.
O Relatório Draghi apresenta várias ações essenciais para assegurar a sustentabilidade e competitividade do sector automóvel europeu no futuro. Abaixo, destaco essas recomendações e acrescento alguns pontos que considero fundamentais para enriquecer este debate:
Coordenação Estratégica e Política Industrial: A Europa carece de uma política industrial coordenada que elimine a fragmentação regulatória entre os Estados-Membros. Um quadro comum focado na inovação e no investimento em Investigação e Desenvolvimento (I&D) é crucial para evitar a perda de competitividade face a outras regiões. A adoção de uma abordagem unificada é fundamental para que a UE mantenha a sua posição de liderança global.
Transição Ecológica: A produção de veículos elétricos e tecnologias de baixo carbono deve ser uma prioridade europeia. A UE precisa de investir significativamente em infraestruturas que suportem a mobilidade elétrica e em tecnologias emergentes, como o hidrogénio. O desenvolvimento de uma cadeia de fornecimento de lítio é imperativo para assegurar o fornecimento das baterias essenciais à produção de VE.
Cadeias de Abastecimento Resilientes: As fragilidades das cadeias de abastecimento, exacerbadas pela pandemia e por tensões geopolíticas, exigem que a Europa invista na produção local de componentes críticos, como semicondutores e baterias. A redução da dependência de fornecedores externos será determinante para garantir a resiliência futura do sector.
Inovação Tecnológica: A inovação tecnológica será o pilar da competitividade europeia. Veículos autónomos, digitalização e a utilização de inteligência artificial e Internet das Coisas (IoT) são áreas em que a Europa deve apostar. A redução do tempo de desenvolvimento de novos produtos “Time to market” é essencial para não perder terreno face aos concorrentes globais.
Apoio às PME: As pequenas e médias empresas (PME), que são a coluna vertebral do ecossistema automóvel europeu, necessitam de melhor acesso a financiamento e de estarem integradas em clusters de inovação. A adaptação às novas exigências tecnológicas será impossível sem um apoio mais robusto a estas empresas.
Formação e Requalificação: A transformação do sector automóvel exigirá uma força de trabalho altamente qualificada. A Europa deve investir na requalificação dos trabalhadores, especialmente nas áreas de engenharia de software e fabrico de baterias. Parcerias com instituições de ensino serão cruciais para garantir que a força de trabalho europeia esteja preparada para o futuro.
Competitividade Global e Comércio Justo: A concorrência com fabricantes chineses, que beneficiam de subsídios estatais, exige que a União Europeia adote medidas comerciais para assegurar uma concorrência justa. Incentivos fiscais para a aquisição de veículos elétricos também devem ser considerados como forma de estimular a procura interna.
Parcerias Público-Privadas: A colaboração entre o sector público e privado é crucial para o desenvolvimento de infraestruturas robustas para veículos elétricos/autónomos e redes de transporte inteligentes. A promoção de parcerias estratégicas em Investigação e Desenvolvimento (I&D) deverá ser intensificada, criando incentivos que mobilizem a inovação tecnológica de forma sustentável e acelerem a implementação de soluções de mobilidade verde. Estas parcerias podem também ajudar a mitigar os custos de transição e reduzir a fragmentação regulatória, garantindo uma abordagem coordenada e eficaz para alcançar os objetivos ecológicos e competitivos do sector.
Conclusão:
Apesar das diretrizes claras acima mencionadas, enquanto estas não forem postas em prática, o futuro da indústria automóvel europeia vai permanecer incerto. A competição entre diferentes tecnologias, como os veículos a bateria e os alimentados a hidrogénio, assim como o destino dos motores de combustão interna, continua em aberto. A história oferece precedentes semelhantes, como a famosa disputa entre o Beta e o VHS, em que o formato tecnicamente inferior prevaleceu no mercado.
A indústria automóvel europeia enfrenta uma verdadeira encruzilhada estrutural. A fragmentação regulatória, a pressão para a transição ecológica e a necessidade de inovação tecnológica são desafios que exigem respostas rápidas e coordenadas. Como referido a mudança quase nunca erra por chegar cedo demais, mas fracassa quase sempre por chegar atrasada. Temos de ser rápidos a transformar estas recomendações em ações, de forma a poder transformar estes desafios em oportunidades. Para isso, a Europa precisa de adaptar-se a este novo paradigma, não apenas com o objetivo de se manter, mas com a ambição, de reforçar a sua posição como líder global no sector automóvel.
Nota: O autor escreve ao abrigo do antigo acordo ortográfico.
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
A Indústria Automóvel Europeia: Entre a Crise e a Transformação
{{ noCommentsLabel }}