Advocacia 2020: estaremos preparados para ter advogados 4.0?
Leia aqui o artigo de opinião da associada coordenadora do departamento de contencioso & arbitragem da CCA, Catarina Limpo Serra, sobre a advocacia 2020.
Há 20 anos atrás muitos acreditavam que o mundo ia acabar ou que um “bug” informático nos faria regredir 100 anos. A verdade é que, desde então, a internet se democratizou, a informação passou a circular em segundos, os dados tornaram-se o maior ativo, a computação passou a ser feita na nuvem, a IoT e a inteligência artificial deixaram de ser ficção científica.
A indústria 4.0 é uma inevitabilidade que, como um parto, pode ser mais ou menos doloroso. Os advogados devem abraçar a inovação e a tecnologia e assumir-se como um intermediário qualificado entre estas novas realidades e os clientes. A advocacia 4.0 poderá ser o berço de uma mudança no paradigma típico de prestar serviços jurídicos, através da simplificação, colaboração e inovação. No universo jurídico, estas realidades permitem aliviar as tarefas burocráticas e repetitivas dos advogados que os clientes já não pretendem pagar – elaboração de contratos, tratamento de informação, pesquisas, arquivo, tramitação processual, são exemplos. Nos EUA e Reino Unido, a advocacia 4.0 está de tal modo desenvolvida que existem sociedades de advogados a prestar serviços jurídicos exclusivamente online.
Em Portugal, temos ainda um longo caminho a percorrer. A transição da advocacia tradicional para a advocacia 4.0 implica elevados investimento e riscos que muitos não pretendem suportar.
Os clientes nacionais ainda não têm a sofisticação necessária que justifique este tipo de serviços. O legislador não acompanha o ritmo da (r)evolução digital. A tramitação dos processos é muito burocrática e morosa. Veja-se as recentes alterações do processo civil e do processo administrativo que, tendo subjacente a fórmula “digital por definição”, ficaram muito aquém do esperado para solucionar os processos de forma célere, eficiente e justa. Os princípios da gestão processual, da adequação formal e da utilização da linguagem simples e clara ainda estão a dar os primeiros passos. As plataformas informáticas de gestão dos processos CITIUS e SITAF estão ultrapassadas, não contêm todo o processo, nem ferramentas de consulta e busca avançada. Os tribunais e as autoridades não têm os recursos humanos e materiais qualificados para a prática forense 4.0.
No que respeita às sociedades de advogados é também necessário regular o modelo de gestão para permitir que os escritórios possam ter equipas multidisciplinares, compostas por juristas, advogados e outros profissionais de carreiras técnicas e de gestão, que permitam uma estratégia global dos pedidos dos clientes.
Os advogados devem eles próprios operar inovações na forma de trabalhar para desenvolver uma advocacia séria, eficaz, rentável e orientada para o futuro: utilizar uma comunicação clara, direta, concisa, sem reverências; educar-se para um maior equilíbrio entre a vida pessoal e profissional; incrementar a aprendizagem contínua e constante, de molde a nutrir a mente, facilitar a abertura à mudança, ao pensamento “fora da caixa” e a manter o espírito sempre jovem.
Esta transição coloca também relevantes questões éticas e deontológicas que importa debater: o papel do advogado na sociedade, a substituição de profissionais por máquinas, a (im)pessoalidade da relação advogado-cliente; a desumanização da pessoa.
Daqui a duas décadas, estas realidades estarão totalmente assimiladas e estaremos a incorporar a sociedade 5.0. Mas, por agora, cabe-nos escolher se queremos ir a jogo.
*Catarina Limpo Serra é associada coordenadora do departamento de contencioso & arbitragem da CCA.
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