Algo está a mudar no Montepio

  • João Simeão
  • 25 Maio 2021

Algo está a mudar na Mutualista, e escolher os mais capazes vai ser o desafio dos que se preocupam com o Montepio.

No final deste ano vai haver eleições no Montepio. A coberto da explosão de euforia e festejos do primeiro domingo pós-confinamento e dia da mãe, a Mutualista, por mero acaso, divulgou os resultados negativos de 2020 e convocou a sua Assembleia Geral, para a passada segunda-feira.
Por outro feliz acaso, só em vésperas da assembleia, Virgílio Lima aceitou dar uma longa entrevista ao ECO, assegurando que nada tem a ver com Tomás Correia; que se vai candidatar por dever; que tudo vai bem; excepto o pouco “flexível” auditor (PwC), a caminho de ser despedido, por fragilizar a imagem de solidez da Instituição com as suas reservas. Por fim, no final da noite, emitiram um comunicado para os media, informando que o Regulamento Eleitoral já tinha sido aprovado, o que é mentira.

Os procedimentos, os “timings” e as narrativas são mais da mesma manhosice a que esta gestão já nos habituou e não merece que se perca tempo com ela. Registe-se, no entanto, que a conjugação da entrevista com a assembleia – que queriam pouco concorrida, controlada, que “ratificasse” o Regulamento Eleitoral (RE) e louvasse a gestão – constituem o “bloco de partida” para o arranque da campanha eleitoral de Virgílio Lima, utilizando a linguagem do atletismo.

Ora, a realidade revelou-se diferente, com os associados a apareceram na assembleia geral em grande número – em particular quadros e trabalhadores – e a proporem alterações ao RE que reduzem poderes à Comissão Eleitoral e retiram privilégios à candidatura institucional. Algo está a mudar no Montepio.

A assembleia analisará, ainda, o desempenho do ano passado da Mutualista, que teve 18 milhões de prejuízo apesar de não ter acolhido nenhuma das imparidades requeridas pelo auditor nos DTA’s (868 milhões de Impostos Diferidos), e na avaliação do Banco (1.500 milhões), duas a três vezes superiores relativamente aos concorrentes (price/book value: Banco Montepio=1,13; BBVA=0,6; BCP=0,43) -, levando a PwC, pelo segundo ano consecutivo, a manifestar reservas à verdade patrimonial do Balanço.

Em resumo: o banco e a mutualista ficaram, em 2020, à margem do grande crescimento da poupança nacional (12,8%). O Banco continua a afogar-se nos custos de funcionamento; tem os rácios mais elevados do sector bancário no crédito malparado (10,5%) e no crédito em moratória (26%); e necessita reforçar os capitais logo que termine a pandemia. Quanto à Mutualista, 73% da “garantia” dada aos associados, estão sustentados numa dívida (os DTA’s) e na falácia do “valor de uso” do banco.

Por outro lado, há perto de oito meses que é remoída a ideia de criar, na Mutualista, um veículo para receber 2.000 milhões de crédito mal parado do banco, transferindo para esta o papel de “cobrador de fraque” o que choca frontalmente com o cariz social do mutualismo.

Este veículo subordinará a Mutualista, ainda mais, às necessidades do banco, e introduzirá mais especulação na sua gestão, em rumo oposto ao baixo risco e à diversificação dos investimentos perseguidos no Plano de Transicção a implementar até 2030. A ideia é típica do “tomasismo”, que nunca foi mutualista, mas cujo ideal social e popular explorou para credibilizar as suas aldrabices. Por “tomasismo” entenda-se a gestão de Tomás Correia, que envolveu o Montepio nas tramóias dos “donos disto tudo” e quejandos que todos andamos a pagar, e que, em meia-dúzia de anos, transformou a endinheirada Mutualista, compradora dinheiro na mão no país de “tanga” numa “subsidio-dependente” de créditos fiscais. Negócios, parceiros obscuros, lavagem de dinheiro, aliciamento de personalidades e colaborações várias constataram do cardápio do “tomasismo”, enquanto espoliava clientes, associados, pensionistas e trabalhadores e cavava o descalabro da Mutualista.

Tudo indica que as eleições em Dezembro ocorrerão sob o signo dos quadros superiores do Montepio, pré-figurando-se três candidaturas: a de Virgílio Lima; a de Miguel Coelho; e a dupla Pedro Alves e Líbano Monteiro, com apoio dos seus pares.

A situação é inédita e não será a olhar pelo retrovisor que a nova realidade será compreendida. Os media têm por referência tradicional a “continuidade” e a “oposição” que cresceu juntando associados conscientes, actores políticos e “tomasistas” arrependidos do sétimo dia. Que “continuidade” e “oposição” a quê, são as questões que importa esclarecer.

A “oposição” definiu-se em reacção à gestão de Tomás Correia e a denúncia pública foi a sua arma (a que me dediquei no blogue “Transparência e Escrutínio”, em 2011). Foi acolhida pelos media (determinantes no crescimento da pressão pública), com pontos altos nas candidaturas de Alberto Silva, em 2012, e de António Godinho e Bagão Félix, em 2015 e 2018, (nas quais me envolvi activamente).

A denúncia pública e as auditorias do BP acabaram por abrir brechas no “tomasismo” que se foi desmantelando com deserções: primeiro Álvaro Dâmaso (2014); a seguir Almeida Serra (2015); e Ribeiro Mendes e Miguel Coelho (2018) nas vésperas da queda de Tomás Correia (2019).

Hoje, o “tomasismo” está velho e os alicerces que o sustentavam ruíram. Os resultados da sua governação são reconhecidamente desastrosos. Lembra o Calimero, a lamentar-se do auditor, do supervisor e de todos que não compreendem a “especificidade mutualista” da má gestão dos últimos anos. Não congrega os quadros superiores e a máquina de caçar votos a seu favor gripou.
A “continuidade” já não é o que era e o futuro exige mais do que denúncia.

O Montepio precisa evitar o pior e, nas próximas eleições, o centro da disputa eleitoral deverá ser preenchido pelo futuro e pela escolha dos mais capazes. Dos que tiverem melhores Valores, mais Saber, melhor Visão, mais Empenho e mais Energia. Dos melhores para conceber soluções consistentes e que melhor representem o mutualismo e os associados junto das entidades oficiais. Dos que melhor compreendam o tempo actual e as necessidades das novas gerações e as enquadrem nas respostas a dar pelo mutualismo previdente, essência fundacional da Mutualista.

No Montepio há gestores conhecedores da sua complexidade e que têm gerido centros de negócios com sucesso. Têm motivado as suas equipas e produzido riqueza. Há gente com provas dadas e sem deverem a sua carreira a Tomás Correia, nem terem no seu curriculum o cadastro de terem integrado as suas equipas de gestão.

Algo está a mudar na Mutualista, e escolher os mais capazes vai ser o desafio dos que se preocupam com o Montepio.

  • João Simeão
  • Antigo diretor adjunto do Montepio

Assine o ECO Premium

No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.

De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.

Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.

Comentários ({{ total }})

Algo está a mudar no Montepio

Respostas a {{ screenParentAuthor }} ({{ totalReplies }})

{{ noCommentsLabel }}

Ainda ninguém comentou este artigo.

Promova a discussão dando a sua opinião