Algum trabalho de casa para as empresas de construção de obras públicas
Já tivemos experiência de outros picos de obras públicas, provavelmente não nesta escala mundial. Talvez seja esta a fase para estabilizar e contratualizar canais de fornecimento e preços.
Tem sido consistente e transversal a sensação de que os fundos europeus, incluindo os do PRR, se destinam essencialmente a financiar o Estado e que, com isso, se perderá uma oportunidade de apoiar o sector privado e, logo, a economia como um todo.
Sendo a injeção de fundos na economia via Estado uma opção política clara, cumpre esclarecer que a mesma visa garantir o desígnio de seriedade e eficácia na utilização dos referidos fundos comunitários.
Dito isto, ainda que o Estado possa ser o destinatário inicial dos fundos comunitários, deverá em muitos casos recorrer aos privados por forma a executar os projetos a que se propõe. Neste contexto, um ramo privado evidente de exposição aos ditos fundos será o da construção de obras públicas.
Assim, a pergunta é evidente – como podem as empresas preparar-se para participar nos projetos que serão lançados nos próximos tempos? É neste contexto que gostaríamos de deixar alguns apontamentos sobre o tema.
Está em discussão uma alteração ao Código dos Contratos Públicos. Tendo sido vetada uma primeira versão pela Presidência da República, é de esperar uma nova versão que permita simplificar e acelerar a execução de projetos cofinanciados por fundos públicos. Deverão assim os agentes monitorizar as alterações na calha e perceber do impacto nos seus procedimentos habituais de resposta à contratação pública.
Numa lógica de parceria, até porque algumas obras, pela sua envergadura e risco não serão passíveis de execução por uma só entidade, deverão ser objeto de ponderação prévia formas de cooperação empresarial. Assim, os diferentes agentes deverão efetuar o exercício de avaliar as suas credenciais e habilitações para identificar outros players com valências complementares e discutir a eventual forma de apresentação conjunta ao mercado. Todos no sector se recordarão de projetos passados em que regimes de responsabilidade solidária entre empreiteiros não acauteladas contratualmente, implicaram perdas significativas para algumas partes – ainda que cumpridoras – em contratos públicos.
Ainda na senda da responsabilidade é igualmente importante que os agentes procurem junto das suas entidades financiadoras antecipar os termos mais favoráveis de colocação de garantias, via caução, garantia bancária ou outra, dado que, como sabemos, os Bancos procedem a uma análise da qualidade da relação entre as partes que tem de ser construída.
Num outro campo é essencial que os fatores de produção estejam, na medida do possível, controlados. O Estado português não será o único a beneficiar dos fundos comunitários. É uma tendência mundial a redinamização da economia via fundos públicos. Isto ditará uma subida de preço em muitas matérias-primas e, claro, uma escassez de recursos humanos. Já tivemos experiência de outros picos de obras públicas, provavelmente não nesta escala mundial. Dito isto, será eventualmente esta a fase para estabilizar e contratualizar canais de fornecimento e preços.
No campo dos recursos humanos – estando conscientes da potencial falta de competitividade dos nossos pacotes remuneratórios – é tempo para pensar de forma criativa como reter os nossos talentos. Do ponto de vista fiscal, alguns programas estimulam o regresso de alguns profissionais e/ou a atração de profissionais qualificados estrangeiros pela diminuição da carga fiscal que os seus rendimentos individuais sofrerão nos próximos anos (por exemplo, os relevantes Programa Regressar e o Regime dos Residentes Não Habituais). Por outro lado, este será também o momento para pensar criativamente em formas de participação de profissionais qualificados no retorno financeiro de alguns projetos futuros. Como? Repensando, por exemplo, modelos de avaliação (com uma componente interessante de variável indexada a resultados como a poupança na execução dos projetos) ou através da abertura de capital social com partilha de risco, mas também do potencial lucro.
Por último, mas não menos importante, o escrutínio da utilização dos fundos será intenso. A monitorização será feita a montante – pela verificação de critérios de idoneidade e habilitação – mas também a jusante, ao longo do processo. Assim, será essencial que as empresas privadas tenham elas próprias mecanismos de governance interno para monitorização permanente de cumprimento dos critérios e requisitos exigidos.
Esperamos ter contribuído para alguma dinamização dos nossos agentes privados no sector da construção e com isso para a sua preparação para a vaga de fundos comunitários a caminho.
Nota: Por opção própria, a autora não escreve segundo o novo acordo ortográfico
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