As partes chatas e a IA como solução
A capacidade criativa da IA generativa (no sentido de que cria conteúdo que não existia antes) não veio substituir profissões nem torná-las obsoletas.
A minha filha tem nove anos e quer ser cientista. Há algumas semanas, enquanto desabafava sobre um dia particularmente chato do meu trabalho, ela estranhou, porque sabe que eu faço duas coisas que me apaixonam particularmente. Ensinar pessoas e programar computadores. Há partes chatas no teu trabalho?! E depois, mais preocupada, há partes chatas no trabalho de uma cientista?
Tinha boas e más notícias para ela. Sim, há. Formulários e relatórios para obter financiamentos, bolsas, fundos de pesquisa, aplicação de modelos estatísticos, preparação de relatórios padronizados, organização e formatação de dados experimentais em bruto, revisão e compilação de centenas de artigos para identificar informação relevante. Nem tudo vai ser trabalho de campo (no meio da Amazónia, ou no espaço), resolução de problemas, debates com colegas, ou apresentação ao público de uma grande descoberta. Estas eram as más notícias.
A boa é que quando ela for cientista, já não será ela a lidar com as partes chatas. Ou pelo menos, não da mesma forma.
Na verdade, um cientista já não tem de o fazer hoje. Através da chamada Inteligência Artificial Generativa, com ferramentas como o chatGPT da OpenAI, CoPilot da Microsoft, ou Gemini da Google, um cientista já faz mais e melhor trabalho. Da mesma forma, já temos jornalistas que não precisam de perder tempo com pequenos textos diários sobre variações do PSI 20 ou resultados desportivos (entregues a AI) e que se podem focar finalmente em trabalho de rua, a estabelecer relações de confiança com fontes, a investigar. Um advogado pode entregar a IA a revisão de centenas de páginas de acórdãos para identificar que artigos do Código de Processo Civil foram citados ou para extrair os factos jurídicos mais relevantes, enquanto faz a leitura dos textos focado na criação de uma estratégia de defesa. Um programador de computadores pode usar a sua paixão pela construção de software na criação de novas funcionalidades, enquanto a IA produz documentação e testes automáticos.
A capacidade criativa da IA generativa (no sentido de que cria conteúdo que não existia antes) não veio substituir profissões nem torná-las obsoletas. A capacidade atual da IA permite, sim, que haja melhores cientistas, melhores jornalistas e advogados, melhores engenheiros de software. Uma boa parte deles já o são, aqueles que trabalham diariamente com estas ferramentas. O pequeno investimento que fizeram alguns dos early adopters em formação nestas tecnologias não lhes permitiu apenas cumprir a promessa da IA de aumento de produtividade (que é real), mas sobretudo libertou-os para o lado apaixonante e criativo que os trouxe para as profissões que escolheram. Trabalham com Inteligência Artificial, não contra ela ou apesar dela.
Mudar e integrar estas metodologias no nosso trabalho está a um passo relativamente simples, que pode estar bloqueado por algum receio do desconhecido ou por uma aceitação de que as partes chatas fazem parte do trabalho e do nosso dia-a-dia. Mas não tem de ser assim. É surpreendente – foi-o para mim – a rapidez com que a IA generativa conseguiu trazer-me de volta ao lado mais criativo e, porque não dizê-lo, divertido do meu trabalho. Mas é necessário dar esse primeiro passo. O caminho faz-se caminhando e já está a sê-lo por cada vez mais pessoas, que já passaram da curiosidade à ação.
Estamos realmente perante um daqueles eventos — como foram a explosão da web ou a invenção do smartphone — mas com a diferença de que, no caso da IA, é mais fácil para cada um de nós decidir trazê-la para o seu trabalho. Se a motivação inicial estiver a ser difícil de conseguir, não haverá melhor altura do que esta, em que metemos no papel as resoluções para o ano novo. Não vale a pena ficar a pensar que já o devíamos ter feito ou que talvez a caravana tenha passado. É um daqueles casos: o melhor momento para ter aprendido sobre IA foi há alguns anos. O segundo melhor é agora.
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