Às vezes é necessário quebrar o silêncio

  • Carla Neves Matias
  • 9 Agosto 2022

Tenho vivido na expectativa de ver um debate sério e positivo e pela normalização da Inclusão. Só que a discussão não pode ficar apenas entregue ao Estado para que crie leis. É um debate da sociedade.

Ouvimos, diariamente, falar sobre discriminação de minorias, mas pouco ou nada de uma minoria silenciosa e tantas vezes relegada para segundo plano: a pessoa com deficiência física ou mental. Aliás, quando delas ouvimos falar é pelo lado da diferença, das necessidades, da falta de apoios, o que é um facto.

Porém, ouvimos muito pouco, ou nada, do que estas pessoas podem fazer e contribuir para a economia do seu país. Mas não podemos esquecer-nos que somos o país do fado e da saudade. E ser portador de deficiência é um triste fado, para o próprio, para a família e para o Estado.

Tenho vivido na expectativa de ver um debate sério e positivo e pela normalização da Inclusão. Só que a discussão não pode ficar apenas entregue ao Estado para que crie leis. É um debate da sociedade e das pessoas com deficiência, também nos cabe fazer cair tabus e recusar o triste fado.

Posso falar na primeira pessoa porque sou portadora de deficiência física e já fui várias vezes discriminada, nas mais variadas situações. Sou, todavia, uma privilegiada por ter uma família que me incutiu o valor da independência, pelos amigos, e pelo escritório de Advogados – A SRS Advogados — que me recebeu para fazer o estágio e desenvolver a minha carreira e onde hoje sou sócia. Mas fui testada na minha resiliência e tive, entre outros, que enfrentar Tribunais sem qualquer acesso ou onde existe espaço para o elevador, mas vazio.

Não obstante, estou grata por tudo o que passei porque todo o percurso fez de mim a pessoa e a profissional que sou hoje.

Recentemente, fui convidada pela PWN Lisbon para um pequeno-almoço de Role Model onde dei o testemunho do meu percurso e do que penso sobre a forma como a deficiência é tratada em Portugal. A minha visão do quão errado é que sejam as associações e as IPSS a fazer muito do trabalho que é uma incumbência do Estado (suprir necessidades básicas). Às primeiras, a meu ver, caberia desenvolver competências para a integração da pessoa portadora de deficiência no mercado de trabalho.

Criar espaços especiais para pessoas com deficiência não é inclusão. Lamento, mas não passam de mais um gueto. Dir-me-ão que existem leis que defendem os direitos dessas pessoas. Claro que existem, e muitas. Que foram estipuladas quotas nas empresas para pessoas com deficiência. É verdade, e ainda bem que assim é. (ainda que a necessidade de existência de quotas, seja para o que for, me fira o sentido de justiça. Porém, será um mal menor). E quantas das pessoas que preenchem estas quotas desempenham funções nas suas áreas de formação? Não sei a resposta, mas seria um debate positivo a ter com as empresas: ouvir o seu feedback, sem qualquer paternalismo.

O país (e o mundo) tem muitos problemas com que se preocupar. Mas ao monitorizar a criação de postos de trabalho para as pessoas com deficiência, será que o Estado não poderia poupar em subsídios que só perpetuam a pobreza e a exclusão social, recebendo impostos para melhorar os subsídios dos que, de facto, não podem trabalhar?

Sublinho ainda que, mesmo quando as pessoas com mobilidade reduzida ou outra qualquer deficiência conseguem autonomizar-se, são confrontadas com a discriminação de motoristas de táxi, de TVDE, que os empurram para os veículos adaptados (mesmo que a adaptação passe por ir no porta-bagagens de uma carrinha), mesmo sendo capaz de entrar e sair sozinhos de um carro normal. É que um “veículo adaptado” leva demasiado tempo a chegar.

As mentalidades não mudam por decreto. Mas pequenos passos, como educar as crianças desde tenra idade para a inclusão, terão um enorme impacto no futuro próximo. Com informação, estou certa, não compactuarão com a visão capacitista reinante.

A legislação existe e deve ser usada e aplicada para pôr fim aos abusos. A discriminação pode consubstanciar uma contraordenação, bem como o direito a uma indemnização por danos morais e patrimoniais.

É fundamental denunciar às autoridades a discriminação, fazer aplicar a lei e fazer nascer uma sociedade menos intolerante.

  • Carla Neves Matias
  • Sócia da SRS Advogados

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