Black Friday: vendas de sonho
Leia aqui o artigo de opinião da associada sénior da Cuatrecasas, Samantha Cyrne, e de Rodrigo Bastos Peixoto, advogado estagiário, sobre a black friday.
Em vésperas de mais uma famigerada Black Friday (que, aos poucos, se tem vindo a tornar Black Week), entrou em vigor a mais recente alteração ao Decreto-Lei n.º 70/2007, de 26 de março, popularmente conhecido como a “Lei dos Saldos”.
Apesar de constituir um passo a favor da simplificação de procedimentos e melhor definição de conceitos que podem ser benéficos para os comerciantes, o Decreto-Lei n.º 109/2019, de 14 de agosto, que entrou em vigor a 13 de outubro, introduz, sem dúvida, elementos adicionais de proteção dos consumidores.
Tendo em conta os mais recentes dados estatísticos divulgados pela Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE), a instauração de processos de contraordenação a agentes económicos tem aumentado exponencialmente nos últimos anos – em 2018, verificou-se um crescimento de, aproximadamente, 69% face ao ano anterior -, pelo que não é certamente de estranhar o timing da entrada em vigor do referido diploma.
Uma das principais novidades desta alteração legislativa consiste na definição do conceito de “preço mais baixo anteriormente praticado”. Assim, a partir de 13 de outubro de 2019, os comerciantes só podem aplicar práticas comerciais com redução de preço, caso o preço praticado seja efetivamente mais baixo que o valor aplicado a esse produto, no mesmo estabelecimento comercial, nos 90 dias anteriores ao dia em que tem início a redução de preço. Sem prejuízo, o legislador não se esqueceu de excluir a hipótese de períodos de saldos ou promoções realizadas dentro do referido hiato temporal, ou seja, a lei exclui propositadamente dos 90 dias os períodos em que o produto tenha estado em saldos ou em promoções. Esta alteração visa pôr cobro ou evitar eventuais situações de manipulação de preços que a redação anterior da lei não conseguia impedir.
O legislador pretendeu, também, salvaguardar os consumidores relativamente aos produtos que não tenham sido comercializados anteriormente pelo agente económico no respetivo estabelecimento comercial. Nestes casos, de acordo com a nova redação, passa a estar previsto que o preço que seja praticado nestes dias “especiais” tem obrigatoriamente de ser inferior ao preço que será praticado findas as práticas comerciais com redução de preço.
Outra grande inovação prende-se com os conceitos de “saldos” e “promoções” e a sua respetiva regulação. Pela primeira vez desde 2007, o legislador deixou integralmente à consideração dos comerciantes o período em que as promoções podem ocorrer, deixando de existir a proibição de realização de promoções em simultâneo com a venda de produtos em saldos. Contrariamente, a regulação da venda de produtos em regime de saldos foi objeto de reforma, tendo o legislador instituído que esta modalidade de venda com recurso a redução de preço poderá ocorrer a qualquer altura do ano mas com uma duração total limitada a 124 dias por ano.
Por último, de mencionar, ainda, a uniformização e simplificação do procedimento de comunicação prévia de vendas em saldo ou em liquidação à autoridade competente, in casu, à ASAE, que passa a ter de ser efetuado através de plataforma própria (o portal “e.Portugal”), com uma antecedência mínima de cinco ou 15 dias úteis antes da data de início da venda em saldos ou da liquidação, respetivamente.
Fazemos fé no animus que o legislador imprimiu nesta modificação da Lei dos Saldos. Resta saber se será suficiente para contrabalançar o desenvolvimento crescente das modalidades de venda com recurso a redução de preço que apesar de soarem muito atrativas para os consumidores, não deixam de constituir um incentivo ao consumo ao abrigo de práticas comerciais de venda cujo interesse para os consumidores pode, no final do dia, ser bastante ilusório.
*Samantha Cyrne é advogada associada sénior e Rodrigo Bastos Peixoto é advogado estagiário da Cuatrecasas.
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