Caldo verde na lua: a ambição do European Green Deal
O Green Deal não poderá descurar as pessoas concretas a que se dirige nem a economia real a que se destina, sendo, por isso, importante acautelar a justiça da transição energética.
O Pacto Ecológico Europeu abre caminho a uma mudança de modelo de desenvolvimento, à aposição de um “filtro verde” em praticamente todas as áreas e incidirá, em particular, sobre a alimentação, a biodiversidade, o clima, a construção, o digital, a educação e formação, a energia, a indústria, os orçamentos nacionais e os auxílios de Estado, a poluição e os transportes, tocando indústrias como as do aço, do cimento, das TIC, do têxtil e dos produtos químicos. Trata-se de um verdadeiro green mainstreaming que passará a incidir sobre a avaliação das políticas, projetos e iniciativas futuras da União e dos seus Estados-Membros. É natural a expectativa e a apreensão dos agentes económicos face a esta “revolução verde” e às suas exigências de transformação, em particular das PME.
Ao apresentar a Comunicação sobre o European Green Deal, a Presidente da Comissão Europeia caracterizou-a como o ‘man on the moon moment’ para a Europa. A afirmação de Von der Leyen motivou uma contagem decrescente de tipo paradoxal: apesar do anúncio da alunagem, muitos querem ainda ver até que ponto a iniciativa tem os pés assentes na terra. A revelação do Plano de Investimento que contém o Mecanismo para a Transição Justa que, por sua vez, integra o Fundo homónimo no passado dia 14 é o primeiro passo concreto no salto gigante pretendido de tornar a Europa a primeira região climaticamente neutra do mundo e desligar o crescimento do consumo de recursos até 2050.
Se ainda subsistem dúvidas quanto ao financiamento europeu efetivamente disponível, em virtude de ainda não terem terminado as difíceis negociações para o próximo Quadro Financeiro Plurianual, e àquele que será mobilizável a partir de fontes externas à União, não é menos verdade que a Comissão apresenta uma fortíssima determinação em levar avante este desígnio e conta para isso com o entusiasmo do Parlamento Europeu. Este reflecte, não há como negá-lo, o apoio da maioria da opinião pública europeia que transformou o ambiente e as alterações climáticas num caldo de cultura mobilizador e interpelante sobretudo para uma juventude esfaimada por causas. Um caldo inevitavelmente verde.
Para que este não entorne, o Green Deal não poderá descurar as pessoas concretas a que se dirige nem a economia real a que se destina, sendo, por isso, importante acautelar a justiça da transição energética, preservar, quando não incentivar, a competitividade e combater em simultâneo os riscos de clivagem entre a cidade e o campo. O pior que poderia acontecer a um conjunto de iniciativas expressamente comprometidas com “não deixar ninguém para trás” seria dividir as populações entre capazes e incapazes de adaptação ao novo modelo de desenvolvimento ou hostilizar identidades, culturas e tradições arreigadas. Caberá à Comissão e aos colegisladores evitar estas cisões e fundar as decisões futuras em factos e conhecimento, acrescidos de motivação e esperança numa União Europeia consistente e liderante em matéria de desenvolvimento sustentável.
Von der Leyen comprometeu-se com a boa fundamentação das propostas que apresentaria. Esperam-se, por isso, avaliações de impacto rigorosas e resistentes ao impulso desnecessariamente político de procurar fazer quase tudo em 100 dias. Vale a pena lembrar que o Berlaymont não fica assim tão longe de Waterloo.
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