Chamar os founders pelos nomes
“Deixar cair o género e ir direta ao trabalho que estou a fazer”, explica Ashley Sumner, depois de “apagar” a sua descrição como “female founder” no LinkedIn.
Que peso pode ter uma palavra numa ideia de negócio e na sua execução? Ou melhor: que peso pode ter uma palavra na forma como nos percepcionamos, como os outros nos veem e, claro, na forma como “vendemos” a nossa ideia de negócio? Foi nisto que pensou Ashley Sumner quando, há cerca de um mês, decidiu apagar do seu perfil de LinkedIn a designação de “female founder”, deixando apenas o substantivo. “Founder”, simplificou.
Publicado pela fundadora e CEO da Quilt, uma rede social de áudio para conversas em tempo real, o post que explica brevemente a decisão tem mais de 500 mil reações e quase 20 mil comentários. A fotografia? É a que veem abaixo. A descrição? “Sou fundadora. Colocando o meu género à frente de tudo o que consegui, relembra outras mulheres que poucas chegaram onde eu estou. Estou pronta para deixar cair o género e ir direta ao trabalho que estou a fazer. Quem está comigo?”
Num artigo sobre o tema, publicado pelo The New York Times, o jornal explica que, numa economia de startups que as descreve como “boss babes”, Ashley quer ser conhecida pelos termos mais simples e, de certa forma, fazer repensar o conceito de “girl boss”.
A dúvida sobre o impacto de sublinhar o seu género no LinkedIn surgiu, conta o jornal americano, enquanto a empreendedora corria perto da sua casa em Los Angeles, e pensava sobre identidade e as expressões que são usadas tradicionalmente para descrever as empreendedoras. “Estava preocupada com o impacto negativo disso”, contou ao jornal. “Preocupa-me que os investidores vejam fundadores que sejam mulheres como uma classe separada do resto dos fundadores. Acredito que as mulheres precisam de ajudar a inspirar outras mulheres mas, também, que essa identidade pode ser usada em rótulos que nos separam”.
E basta olhar para os números para percebermos que a questão que coloca Sumner pode ter pertinência: as startups fundadas por mulheres receberam, em 2020, uma ínfima percentagem – cerca de 1% – do capital disponível na Europa central e do leste, sublinhando o aumento da disparidade de género no ecossistema empreendedor em ano de pandemia, de acordo com um relatório da plataforma comunitária European Women in VC. Apesar de o financiamento no setor tech ter disparado para valores recorde na Europa durante o ano passado, a quantidade desse valor destinada a projetos cuja equipa fundadora é constituída por mulheres caiu de 4,1% em 2018 para apenas 1% em 2020, apontam os dados do relatório divulgado pela Sifted. Na região, apenas 13% das empresas são fundadas por mulheres. A Covid-19 parece ter feito aumentar, ainda mais, as desigualdades entre fundadores de géneros feminino e masculino, o que fez com que a paisagem, já de si desequilibrada, acentuasse esses contornos.
A forma como somos descritos, por outros e por nós mesmos, reflete e reforça as camadas de poder existentes na sociedade. Os linguistas defendem que escolhas de palavras que podem parecer inocentes, têm o poder de transformar a forma como percepcionamos algo ou o outro. George Lakoff, autor de “Don’t Think of an Elephant!” descreve este “enquadramento” como as “estruturas mentais que mudam a forma como vemos o mundo”. Já pensaram que, muitas vezes, termos como “female founder”, “girl boss” ou “women in business” apontam apenas para uma realidade marcante porque minoritária, excecional?
Depois da publicação de Sumner, mais de 150 fundadoras partilharam fotografias semelhantes, riscando a palavra “female” antes de “founder”.
Há quem defenda que as palavras têm um peso: se de cada vez que desconstruirmos conceitos estivermos a construir ideias, talvez um dia possamos enquadrar as female founders na categoria de founders e, nada mais.
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