Coisas do Bloco
Nada há de mais triste do que um partido radical que fala, age e se comporta como um partido institucional.
Ninguém espera nada da Convenção Nacional do Bloco de Esquerda. Enfim, o PS estará à escuta para ver se consegue o jackpot sem gastar um euro. Na realidade o jamboree do Bloco é uma espécie de congresso na continuidade, o marcelismo do Estado Novo reciclado pelo Novo Estado do catarinismo revolucionário. Bonito.
Nada há de mais triste do que um partido radical que fala, age e se comporta como um partido institucional. O fato da instituição não lhes fica bem, as mangas tapam as mãos que escondem nos bolsos a clássica táctica do “entrismo”. Só que o Bloco esquece-se das mãos dentro dos bolsos e é hoje um partido que devia mudar de nome. Pelo actual perfil do Bloco o novo nome deveria ser a versão europeia e pós-moderna do Partido Revolucionário Institucional. Com a responsabilidade a escorrer pelas paredes do Parlamento, com o moralismo pendurado à janela na exigência de uma qualquer “Justiça na Resposta à Crise”, o Bloco só tem olhos para o Orçamento e exibe o melhor das suas penas de pavão político para o entendimento próximo com o PS.
Não deixa de ser fantástico, superlativo, enternecedor, escutar a suavidade de uma educadora de infância nas palavras da Coordenadora do Bloco quando acusa o PS de adoptar uma “estratégia de provocação”. A inversão é completa e complexa, parece que o Bloco é o partido do Governo e o PS uma aglomeração vermelha e radical. Como se o Bloco fosse o bastião do Regime e a esperança responsável de uma sociedade livre, justa, definitivamente igual.
Os portugueses sentem a falta do partido extremista, radical, irreverente, impossível e bem representado na série da “Ovelha Negra” na planície monótona das ovelhas brancas do Regime, todas iguais, todas com o mesmo discurso, todas alinhadas na direcção do verde dos interesses e das cumplicidades. Os portugueses olham o Bloco e sentem vontade de gritar numa manifestação espontânea bem à porta da Sede com vistas políticas para o Programa – “Abstenham-se de Desistir”. Mas o Bloco está impaciente por se abster no Orçamento.
Assim, quando os portugueses votam, transformam os votos com a cruz no Bloco em aviões de papel que voam pelos céus de Portugal para repousar nas nuvens. Sejam as nuvens a versão possível do Progresso e da Utopia. Pena é que os votos depositados nas nuvens não contam para efeitos eleitorais. É Portugal que fica mais pobre. Só nas Presidenciais foi toda uma companhia aérea para as nuvens.
Depois há ainda a observação bloquista de que o PS sofre de um desvio rumo ao “centrismo”. No primeiro momento parece que o crime do PS é a invasão do espaço natural do Bloco, o espaço político do verdadeiro e único centrismo. Só depois se entende afinal que o PS abandona no deserto da Esquerda o pobre Bloco traído na sua estratégia responsável a bem da Nação e do Progresso. Nesta narrativa, o PS é um partido de irresponsáveis traidores e o Bloco representa a essência da verdade política, o cerne do projecto progressista para um Portugal moderno no limiar da democracia do século XXI. No fim da História, o Bloco representa o “centrismo radical”.
No entanto, para observadores internos e comentadores externos, o radicalismo do Bloco envelheceu mal, aumenta o volume dos discursos, carrega na indignação, encosta-se ao Poder e produz uma supressão na atmosfera política que provoca alguma “asfixia democrática”. É a nova política feita com as velhas ideias. É a versão Re-Food de um partido político que foi um dia versátil nas “causas fracturantes”.
Convém ainda sublinhar que o grande projecto político do Bloco passa pelo reforço da hipocrisia e pela afirmação da complacência radical. Os portugueses sentem falta de um partido irresponsável, por vezes dramático e lunático, mas a última e derradeira barricada contra o rebanho das ovelhas brancas. O Bloco quer-se moderno e apocalíptico, não envelhecido e complacente.
Portugal precisa de um partido que acredita profundamente que existe uma identificação entre os Piratas das Caraíbas e os Banqueiros do Capitalismo. O País precisa de um partido que acredita que as leis férreas da pirataria indecente abrem as portas para uma sociedade injusta, desigual, exploradora, o modelo perfeito e acabado para uma sociedade capitalista. O Bloco tem de recuperar a ideia de que, o verdadeiro crime não é roubar um Banco, mas ser dono de um Banco. Eis uma boa plataforma de entendimento para os iluminados do PS.
Nos dias da Comissão de Inquérito ao Novo Banco, o Bloco renasce no frenesim das perguntas, navega nas águas onde os corsários se cruzam com os capitalistas, onde o dinheiro e as mercadorias são transportados entre fornecedores e consumidores com a perfeita consciência de uma transacção com base em bens adquiridos ilicitamente. Ganham todos, perde a Nação. Neste mar conturbado, PS e Bloco partilham a nave mas divergem no leme. E como seria no Governo? Há uma deputada do Bloco que leu todos os livros do Harry Potter e que se descontrai dos assuntos parlamentares com o videogame Call of Duty. Eis a fórmula política para o Bloco 2.0 – a fantasia escapista associada à violência virtual.
Nota: Por opção própria, o autor não escreve segundo o novo acordo ortográfico.
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