Como não investir na bolsa segundo o exemplo e as “dicas” do primeiro-ministro

Uma mão cheia de conselhos não solicitados do primeiro-ministro mostram como fazer (quase) tudo errado e ainda assim lucrar 200 mil euros com ações. Uma história de azar, sorte e de muita "bazófia".

Há poucos dias ficámos a saber que o primeiro-ministro, Luís Montenegro, antes de se dedicar a tempo inteiro à arte de governar Portugal, foi também um intrépido investidor em ações. Numa revelação surpreendente no final de uma entrevista à TVI no passado dia 10 de março, Luís Montenegro partilhou a sua odisseia financeira de quase três décadas com ações do extinto Banco Português Atlântico (BPA) e com ações do BCP.

O que torna esta história particularmente interessante não é apenas os lucros alcançados, mas o percurso acidentado até lá chegar que se espelha num verdadeiro manual de “como não investir” que, felizmente para o governante, terminou com final feliz.

“Em 1998, ainda era solteiro, comprei umas ações do Banco Português do Atlântico”, revelou Luís Montenegro, acrescentando que recorreu a “um empréstimo a cinco anos” para financiar essa compra. Aqui temos o primeiro erro de investimento do primeiro-ministro demissionário digno de nota: pedir dinheiro emprestado para comprar ações.

Pedir um empréstimo bancário para investir em ações é uma das piores ideias que um investidor pode ter. Porquê? Porque entramos no perigoso mundo da alavancagem financeira que, apesar de poder potenciar os ganhos, é sobretudo um peso pesado na carteira, particularmente quando bolsa segue em sentido contrário ao que pretendemos. Se já custa perder o nosso próprio dinheiro, imaginem a dor de perder dinheiro emprestado e ainda ter de pagar juros por cima disso.

“Se és é inteligente, não precisas de alavancagem; se és ignorante, ela vai arruinar-te”, terá dito um dia Warren Buffett, o lendário investidor de 94 anos. No centro dessas sábias palavras está a força dos números: se as ações caírem 25%, por exemplo, não basta uma subida igual para recuperar o prejuízo. Na verdade, é necessária uma valorização de 33% apenas para voltar ao ponto inicial… e isto sem sequer contabilizar os juros do empréstimo bancário contratado.

Quem investe na bolsa com dinheiro emprestado vive constantemente sob stress, especialmente quando as ações começam a cair mais depressa do que a popularidade de um treinador do Benfica após três derrotas consecutivas.

Além dos números pouco simpáticos, existe ainda outro fator que costuma arruinar muitos investidores que recorrem à alavancagem na esperança de potenciarem mais rapidamente o seu investimento na bolsa: a pressão psicológica.

Quem investe na bolsa com dinheiro emprestado vive constantemente sob stress, especialmente quando as ações começam a cair mais depressa do que a popularidade de um treinador do Benfica após três derrotas consecutivas. “Mesmo que os empréstimos sejam pequenos e as posições não estejam imediatamente ameaçadas pela queda do mercado, a mente dos investidores pode ficar agitada por manchetes e comentários assustadoras. E uma mente inquieta não tomará boas decisões”, escreveu Buffett, em 2017, na tradicional carta anual que escreve aos investidores da sua Berkshire Hathaway.

Nessas alturas, a bola de neve não pede licença para inchar, pressionando assim os investidores a acabar com o “sofrimento” levando-os a vender as ações antes do previsto, precisamente quando estão mais baratas, contrariando o velho princípio financeiro de “comprar barato e vender caro”. É como ser obrigado a vender gelados num dia frio e chuvoso na Serra da Estrela porque a data de validade não chega ao verão. Será claramente um mau negócio, apesar de poder haver um esquimó ou alguém tão ansioso por um gelado nesse dia que, por alguma razão, possa decidir subir à Torre e acabar por “salvar” o dia deste “empreendedor” comprando um par de gelados, tal como terá acontecido com o investimento do primeiro-ministro. Chama-se a isso um acaso e não uma regra.

Comprar sem fazer contas

Após o negócio com as ações do BPA, o primeiro-ministro admite que, mais tarde, acabou por “fazer uma asneira” que foi comprar ações do BCP e que, segundo Luís Montenegro, revelou-se num investimento “muito sofrido” por ter estado “muito tempo em perda”. A solução? “Num dos últimos aumentos de capital [do banco] decidi comprar o equivalente àquilo que já tinha para tentar baixar o preço médio das aquisições”, confessou Luís Montenegro na entrevista.

Esta estratégia, conhecida como “dollar-cost averaging” é uma abordagem que em certos contextos pode ser sensata, dado que consiste em investir de forma regular ao longo do tempo, independentemente do preço do ativo no momento da compra, ajustando com isso o preço médio do ativo (que baixará caso essa estratégia seja adotada num movimento de queda a ação, e vice-versa).

No entanto, esta estratégia não é um remédio milagroso para investimentos em queda livre, como sucedeu justamente com os títulos do BCP desde que Luís Montenegro se tornou acionista do banco em 2012 ou 2014 (o primeiro-ministro não precisa a data na entrevista, referindo apenas que terá sido acionista nos últimos durante 10 ou 12 anos até uma semana antes de tomar posse como líder do XXII Governo), que só não acabou mal por sorte.

A “bazófia” do ganho de Luís Montenegro feito com as ações do BCP foi, na verdade, um tremendo alívio que apenas lhe começou a entrar na carteira em 2023 (cerca de um ano antes de vender todas as ações), pois até então o investimento feito pelo primeiro-ministro permanecia bem no vermelho.

A estratégia “dollar-cost averaging” funciona como estratégia para gerir o risco, não como uma tática de recuperação desesperada como sucedeu com Luís Montenegro. Na verdade, o que o primeiro-ministro fez em 2017 no último aumento de capital do BCP (pois não deverá ter participado nas anteriores operações de aumento de capital, realizadas em 2015 e 2016, dado que tiveram por base uma oferta pública voluntária e parcial de troca de dívida subordinada e ações preferenciais por ações ordinárias, e a subscrição particular de capital pela Fosun) foi investir o equivalente que tinha em ações do BCP “para tentar baixar o preço médio das aquisições e tentar recuperar a poupança, que, entretanto, estava acumulada”, refere o primeiro-ministro.

Para as finanças de Luís Montenegro, este último suspiro não correu mal. Na entrevista à TVI, revela que decidiu vender todas as ações que tinha do BCP na semana anterior a ter tomado posse como primeiro-ministro, o que significa que a operação terá ocorrido entre 25 e 29 de março de 2024, gerando com isso uma mais-valia “muito significativa” de cerca de 200 mil euros.

Porém, a “bazófia” do ganho de Luís Montenegro com as ações do BCP foi, na verdade, um tremendo alívio que apenas lhe começou a entrar na carteira em 2023 (cerca de um ano antes de vender todas as ações), pois até então o investimento feito pelo primeiro-ministro permanecia bem no vermelho, tanto as ações iniciais como os títulos adquiridos no aumento de capital.

Este desfecho positivo é simultaneamente uma bênção para Montenegro e uma maldição para os investidores que possam ter assistido à entrevista, porque reforça a perigosa ilusão de que a perseverança cega acaba por ser recompensada. É o equivalente a defender que fumar não faz mal porque o meu avô fumou durante 80 anos e morreu aos 95 num acidente de bicicleta.

No investimento, como na política, o resultado nem sempre é um reflexo da qualidade das decisões tomadas. Mas enquanto na política os eleitores podem perdoar erros com bons resultados, o mercado raramente é tão generoso.

Luís Montenegro ainda afirmou que se tivesse mantido as ações do BCP e não as tivesse vendido em março do ano passado, “elas já teriam valorizado mais três vezes” – uma declaração que não corresponde à realidade, já que entre março de 2024 e março de 2025 as ações valorizaram cerca de 80%, menos do dobro. Mesmo quando os políticos falam de investimentos, parece que o exagero é uma tentação irresistível.

A saga financeira do primeiro-ministro oferece-nos assim cinco valiosas lições sobre o que evitar ao investir na bolsa:

  1. Nunca invista na bolsa com dinheiro emprestado. As taxas de juro são certas e impiedosas. O retorno das ações são incertos e por vezes têm picos contrários ao desejado que podem tirar tudo a perder.
  2. O dollar-cost averaging só faz sentido se o ativo subjacente tiver fundamentais sólidos. Baixar o preço médio de um mau investimento é como adicionar água limpa a um copo de água suja – continua sujo, só que agora tem mais.
  3. Aprenda a cortar as perdas. Quando um investimento se revela um erro, a melhor estratégia é admitir o engano o mais depressa possível, procurando vendê-lo e realocar o capital para oportunidades mais promissoras.
  4. Não confunda sorte com competência. O facto de uma estratégia errada ter eventualmente dado certo não a torna correta. Na bolsa como na vida, há exceções que confirmam a regra.
  5. Não exagere nos sucessos. A afirmação de Montenegro sobre a triplicação do valor das ações é um lembrete de que mesmo os investidores bem-sucedidos tendem a inflacionar os seus êxitos.

Uma coisa é certa: no investimento, como na política, o resultado nem sempre é um reflexo da qualidade das decisões tomadas. Mas enquanto na política os eleitores podem perdoar erros com bons resultados, o mercado raramente é tão generoso.

A maioria de nós não terá a sorte de Luís Montenegro de transformar uma década de decisões financeiras questionáveis num lucro de 200 mil euros. Por isso, é mais aconselhável seguir as boas práticas de investimento do que confiar na sorte — mesmo que o primeiro-ministro tenha, involuntariamente, mostrado o contrário.

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