Conflitos nas empresas familiares: prevenir e remediar
O facto de o protocolo familiar não se encontrar legalmente tipificado em Portugal, ao contrário do que sucede, por exemplo, em Espanha ou Itália, não constitui qualquer impedimento à sua celebração.
As empresas familiares – que em Portugal, como em geral na União Europeia, são responsáveis por uma parcela muito significativa do emprego que não tem origem pública – apresentam um traço definidor: a concentração da propriedade e da gestão num grupo de pessoas pertencentes à mesma família. O controlo total ou maioritário da propriedade atribui à família poder de decisão que é exercido com a finalidade de configurar e determinar o desenvolvimento da empresa. Assim, nestas empresas, pelo menos parte dos membros do grupo familiar assumem funções de gestão ou, no mínimo, estabelecem linhas mestras e delegam a gestão em diretores externos à família.
Se numa situação inicial caracterizada pela existência de poucos sócios, fortes laços de parentesco e presença intensa na sociedade, a probabilidade de consenso é bastante elevada, a evolução para um maior número de sócios, com formação de ramos familiares, com menos vinculação entre si, faz surgir a possibilidade de conflitos. Esta aumenta consideravelmente se a empresa passar a ter um modelo de gestão com sócios gestores e não gestores e com a eventual entrada no capital de terceiros estranhos à família.
De facto, na etapa prévia à cessão de controlo pelo fundador, a “sociedade de irmãos” conhece tipicamente uma relativa paz social, pelo facto de haver uma cultura comum e um sentimento de respeito pelo fundador. Porém, na passagem do controlo da empresa à terceira geração, as discrepâncias sobre os termos da entrada destes membros da família na empresa são frequentes, sobretudo no que diz respeito aos requisitos de contratação dos filhos, cargos, funções e hierarquia da empresa e retribuição. Nesta fase, verifica-se uma tensão entre um critério empresarial (mérito e capacidade) e um critério familiar (igualdade e proteção dos membros) que pode gerar diferentes resultados: a prevalência de um ou vários ramos familiares sobre os restantes (posição maioritária) ou uma solução de consenso que favoreça a futura colaboração.
É, por isso, claro que nas empresas familiares, o planeamento da substituição geracional com tempo é fundamental para uma sucessão empresarial com êxito. E nesse âmbito há um instrumento jurídico de divulgação e utilização pouco frequente em Portugal, mas que a prática de outros ordenamentos tem relevado ser muito eficaz: o protocolo familiar.
O protocolo familiar é um acordo entre os membros da empresa familiar no qual se recolhem os princípios e regras que hão de reger as relações entre família, empresa e propriedade. O seu objetivo é facilitar a continuidade da empresa familiar e é fundamental que ele seja adotado quando há harmonia na empresa, já que o protocolo familiar não é uma solução quando já se gerou o conflito e se quer acudir a uma situação de crise.
A força vinculativa do protocolo familiar pode variar entre ser um repositório de meras declarações de intenções, princípios ou valores que só obrigam os subscritores do ponto de vista ético, ou adotar uma natureza contratual, com detalhe do ponto de vista do conteúdo normativo, obrigando-se juridicamente os subscritores ao seu cumprimento. Nesta última hipótese, são frequentes cláusulas relativas à governação da empresa familiar (com a criação de um conselho de família, regras relativas ao órgão de administração societário, etc), ao regime económico (política de dividendos, medidas de financiamento e auxílio a familiares, trabalho na empresa familiar), proibição de concorrência e, finalmente, resolução de conflitos.
No âmbito específico da resolução de conflitos, sobretudo nos casos em que há ramos familiares muito marcados (2.ª e sobretudo 3.ª geração), o protocolo familiar pode estabelecer uma cláusula para, numa primeira fase, obrigar à discussão de saídas ou soluções negociadas no âmbito da própria empresa familiar, sem intervenção de terceiros. Quando não se atinge consenso por essa via, é muito frequente o protocolo familiar estabelecer a obrigatoriedade de resolver os litígios através de mecanismos de resolução alternativa de litígios, como a mediação e a arbitragem, suscetíveis de garantir uma maior reserva do que o recurso aos tribunais estaduais.
O facto de o protocolo familiar não se encontrar legalmente tipificado em Portugal, ao contrário do que sucede, por exemplo, em Espanha ou Itália, não constitui qualquer impedimento à sua celebração e utilização, com todos os benefícios que dele decorrem para as empresas familiares.
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